02 de Agosto de 2018, Quinta-feira: Fez-se em mim a palavra do Senhor: ”Acaso não posso fazer convosco como este oleiro, casa de Israel? diz o Senhor. Como é o barro na mão do oleiro, assim sois vós em minha mão, casa de Israel” (vv. 5-6).

Leitura: Jr 18,1-6

Ouvimos hoje de mais um gesto simbólico, o profeta na oficina do oleiro. A cerâmica, ou seja, trabalhar com barro fabricando vasos para guardar água e outros alimentos era um marco na civilização e tornou-se uma arte além da utilidade. O oleiro pode produzir qualquer forma a partir do barro moldável. Para os arqueólogos, as formas variadas dos vasos e o estilo dos seus desenhos servem para distinguir as épocas.

Palavra dirigida a Jeremias, da parte do Senhor: ”Levanta-te e vai à casa do oleiro, e ali te farei ouvir minhas palavras”. Fui à casa do oleiro, e eis que ele estava trabalhando ao torno; quando o vaso que moldava com barro se avariava em suas mãos, ei-lo de novo a fazer com esse material um outro vaso, conforme melhor lhe parecesse aos olhos (vv. 1-4).

O oleiro estava “trabalhando ao torno”, lit.: “nas duas rodas”: o torno era formado por duas placas circulares montadas sobre um eixo vertical, que o artesão movia com os pés.

Da atividade artesã do oleiro, que modela sua cerâmica, surgiu a imagem de Deus como oleiro, que modela o homem no barro da terra (Gn 2,7-8.19; também em imagens egípcias). Daí resulta que o homem possui um caráter, um design, “desígnio” ou “formatação”: Gn 6,5; 8,21. Daí se passa a usar como sinônimos “criador” e “formador” do homem e também da historia (cf. Is 27,11; 43,21; 44,2; 49,5; 64,7; Zc 12,1; Sl 33,15; 139,16). O presente capítulo pode estar inspirado em Is 29,16.

A Bíblia do Peregrino (p.1894) comenta: Jeremias é enviado a contemplar um oleiro trabalhando; a partir da cena, remonta à pregação sobre a situação do momento: do cotidiano ao transcendente, como a panela de 1,13s. A diferença fundamental entre o barro e homem é que o homem é responsável. O oleiro desfaz o que saiu errado e com o mesmo barro começa outro vaso; o homem tem de reformar o que deformou. Se Deus é soberano, o homem é responsável. Se o homem resiste à mudança, o oleiro terá de rejeitar toda a massa. O barro humano tem a terrível capacidade de resistir à formatação de Deus. Ele quer modelá-lo com sua palavra, não à força; ou seja, com um dinamismo que atue a partir de dentro.

Fez-se em mim a palavra do Senhor: ”Acaso não posso fazer convosco como este oleiro, casa de Israel? diz o Senhor. Como é o barro na mão do oleiro, assim sois vós em minha mão, casa de Israel” (vv. 5-6).

Jeremias não toma nenhuma iniciativa, nem faz descoberta alguma em virtude de sua inteligência humana. É a palavra do Senhor quem pede ao profeta observar o trabalho de um ceramista (v. 1), e é também a palavra do Senhor que lhe revela o sentido simbólico das coisas que ele aí observa (v. 5). Como o ceramista pode desfazer e refazer um vaso que não responde à imagem que dele se faz, assim o Senhor pode soberanamente fazer e desfazer os povos.

A Bíblia de Jerusalém (p.1511) comenta: De acordo com o v. 12 esta parábola em ação situasse antes da catástrofe, portanto, antes de 598. – Já os antigos profetas, como Samuel (1Sm 15,27-28, Aías de Silo 1Rs 11,29-33, ou o falso profeta Sedecias 1Rs 22,11-12), acompanhavam sua profecia com gestos simbólicos, não tanto por necessidade de expressividade, mas pela exigência de realismo religioso: estabelece-se um liame entre o gesto significativo e a realidade da qual ele é sinal, de modo que a realidade da qual ele é sinal, de modo que a realidade anunciada torna-se, então, tão irrevogável como o gesto realizado. Este procedimento encontra-se entre os grandes profetas: em Oséias cuja missão se confunde com uma ação simbólica, que é seu drama pessoal (Os 1-3); mais raramente em Isaias (cf. contudo Is 20 e os nomes simbólicos que ele dá a seus filhos, Is 7,3; cf. 10,21; 8,1-4; 8,18, cf. 1,16). Jeremias realiza ou interpreta diversos gestos simbólicos: já o ramo de amendoeira e a panela (1,11-14); o cinto escondido no Eufrates (13,1-11, embora esta ação pareça ter sido realizada em visão); o oleiro (18,1-12); a bilha (cap. 19); os figos (cap. 24); o jugo (caps. 27-28); a compra do campo (cap. 32). Pode-se ainda acrescentar que a sua própria vida era um símbolo (16,1-8), e que a sua “paixão” (embora ele não o acentue) o identifica por antecedência à nação castiga, fazendo dele uma figura do Servo sofredor (cf. Is 42,1). Mais tarde, Ezequiel realizará ainda gestos simbólicos: o tijolo cercado (Ez 4,1-3); o alimento racionado (4,9-17); os cabelos (cap. 5); a imitação do deportado (12,1-20), a panela (24,3-14); os dois bastões (37,15-28), e, à maneira de Oséias, ele interpretará como acontecimentos simbólicos suas próprias provações: a doença (4,4-8), a morte de sua mulher (24,15-24), a mudez e a sua cura (24,27; 33,22). Ações simbólicas encontram-se, também, no NT: a figueira amaldiçoada pelo Senhor (Mt 21,18-19p), a profecia de Ágabo (At 21,10-14).

 

Evangelho: Mt 13,47-53

Ao longo do seu Ev, Mt apresenta cinco discursos de Jesus, em alusão aos cinco livros da Lei de Moisés chamados de Pentateuco (grego) ou Torá (hebraico). No terceiro discurso, Mt usa e amplia o discurso de parábolas já existente em Mc 4, mas o finaliza com três parábolas que só se encontram no Ev dele, as do tesouro e da pérola (evangelho de ontem) e a da rede, e mais uma conclusão que talvez seja um autorretrato do próprio evangelista

O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam (vv. 47-48). 

Mt está interessado apenas no final da pesca. Compara o reino com a rede, porque não queria associar aqui o reino aos “pescadores de homens” (4,19p). Para onde vão os peixes que não prestam? Mt não fala aqui do fogo como o do joio (cf. v. 30), apenas “jogam fora” (cf. 3,10; 5,13; 7,19; 8,12; 18,8; 22,13; 25,30). Na pesca real, os peixes “que não prestam” são jogados de volta na água, onde sobrevivem, enquanto os bons acabam assados no fogo.

Para distinguir os peixes “bons” e os “maus” (cf. 7,17-19; 12,33; 13,37-43; 25,31-46), os pescadores “sentam-se” (cf. o sentar-se do Filho do Homem (19,28; 25,31; 26,64; cf. Cl 3,1; Ef 1,20; Ap 4-5). De certo modo, a parábola retoma a cena inicial do discurso, onde Jesus “foi sentar-se às margens do mar da Galileia. Uma grande multidão reuniu-se em volta dele. Por isso Jesus entrou numa barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé, na praia” (vv. 1-2).

Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo. E ai, haverá choro e ranger de dentes (vv. 49-50). 

Os ouvintes já foram preparados para interpretação: a parábola da rede (vv. 47-50), bem como a do joio (vv. 13,24-30.36-43; cf. sábado e terça-feira passados), acentua a coexistência de maus e bons até o “fim dos tempos” (quando a rede está “cheia”, v. 48); em compensação, aqui não se insiste na paciência (nada de intervenção dos discípulos na parábola do joio), mas na ameaça que pesa sobre “os que não prestam”.

Aqui, Mt não associa a rede com a missão da Igreja (4,18-22), mas com o mundo no juízo final (como o campo em v. 38). A consumação do Reino se realiza através do julgamento que separa os “bons” dos “maus”. Os “justos”, ou seja, os que vivem a justiça anunciada por Jesus tomarão parte definitiva no Reino; os que não a vivem serão excluídos para sempre. É preciso decidir desde já.

O acento está mais nos que não prestam. A “fornalha de fogo” expressa o juízo (vv. 42.50; cf. Dn 3,6-22; 25,41; Jr 29,22; Dt 3,6). Mt costuma falar de “chorar e ranger os dentes” para expressar as dores dos condenados (cf. 8,12; 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30). Mas aqui não fala nada do destino brilhante dos homens bons, como antes na parábola do joio: “os justos brilharão como o sol” (v. 43; cf. Dn 12,2s). Aqui não se fala que os justos seriam transferidos para o céu (cf. 1Ts 4,17 etc.), mas que os maus serão retirados da terra.

Compreendestes tudo isso?” Eles responderam: “Sim” (v. 51).

Finalizando seu discurso, Jesus pergunta: “Compreendestes tudo isso?” Os ouvintes (desde v. 36 são os discípulos) respondem: “Sim”. Para Mt, a fé não é mero sentimento, mas precisa de compreensão (vv. 13s.23.36; 15,10) para levar a uma boa prática (7,15-27; 25,31-46) e trazer frutos.

Então Jesus acrescentou: “Assim, pois, todo mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas.” Quando Jesus terminou de contar essas parábolas, partiu dali (vv. 52-53).

As parábolas revelam os “mistérios do Reino dos Céus” (13,10-17) para aqueles que têm fé. Por isso, o mestre/doutor da Lei que se torna discípulo de Jesus é capaz de ver a ligação entre o Velho e o Novo (Antigo e Novo Testamento). Em Jesus tudo se renova e toma novo sentido.

Depois da instrução aos discípulos, a menção de um “mestre da Lei” nos surpreende. Já encontramos um mestre da lei querendo ser discípulo em 8,19 (cf. Mc 12,34). Este escriba instruído acerca do Reino tanto pode ser um ouvinte qualquer que compreendeu o ensinamento de Jesus (isto pressuporia que Mt se dirigisse especialmente a ouvintes letrados, versados nas escrituras), como o próprio evangelista (o que insinuaria que o autor de Mt fosse um escriba convertido ao cristianismo).

Pode-se “tirar do seu tesouro” (ou baú) coisa boa ou má (12,35p). Porque um pai de família iria tirar coisas novas e velhas, e não grãos, frutos, roupas, ferramentas etc.? Mas um mestre da Lei há de abrir os tesouros da sabedoria (cf. Eclo 1,24; 20,30; 40,18s; 41,14; Sb 7,14) e atualizar a sabedoria dos antigos. O “tesouro” (mesma palavra na parábola do v. 44) designa quer o ensinamento tradicional dos escribas judeus, renovado pela fé em Cristo, quer o pensamento do Antigo Testamento apresentado como “cumprido” (5,17) pelo escriba cristão, quer o ensinamento de Jesus (já antigo na época da redação cerca de 80 d.C.) apresentado aqui pelo evangelista como fonte das coisas antigas e novas que anseia sejam compreendidas por sua comunidade.

O doutor que se tornou discípulo de Cristo possui e administra toda a riqueza antiga, acrescida das perfeições da nova. Esse elogio do “escriba cristão” resume todo o ideal do evangelista e tem bem a aparência de ser a sua assinatura discreta. No mínimo, ele pertence a um grupo destes escribas cristãos, cuja tarefa era revelar e demonstrar o elo entre o antigo e o novo (cf. 5,17-48; 13,35) e que são enviados por Jesus ao lado dos profetas e sábios em 23,34. A autoria deste evangelho pode ser atribuída muito mais a um mestre da lei do que a um cobrador de impostos chamado Mateus (9,9).

A atribuição deste evangelho ao apóstolo Mt é contestada hoje, porque? Vale a pena lembrar que tudo que temos do Novo Testamento foi escrito em grego e nenhum dos quatro evangelistas assinou com seu nome. São obras anônimas atribuídas posteriormente a apóstolos (Mt e Jo) ou a discípulos dos apóstolos (Mc e Lc).

Mt não foi o primeiro Ev. Uma análise literária demonstra claramente que o primeiro Ev foi Mc. Mt e Lc já usaram Mc e melhoraram seu estilo mais primitivo. O que Mt e Lc tem comum? Quase todo o texto de Mc, e mais uma coleção de palavras (chamado fonte Q; se perdeu na história, mas pode ser reconstruída a partir de Mt e Lc)!

Isso pode se verificar também pelo relato da vocação do publicano Levi (Mc 2,13-17; Mt 9,9-13; Lc 5,27-32; cf. o comentário de sexta-feira da 13ª semana do Tempo comum, ou do 10º Domingo do Ano A). Se o autor do Ev de Mt fosse um realmente um apóstolo, porque copiaria sua própria vocação de outro Ev (Mc), só trocando de nome (de Levi para Mateus) e acrescentando apenas uma citação do AT (Os 6,6)? Não usaria mais detalhes e palavras próprias, já que se trata da própria vocação? Provavelmente foi um judeu-cristão da segunda geração (cerca de 80 d.C., depois da destruição de Jerusalém de 70 d.C. em 22,7), talvez um discípulo de Mateus (ou de Pedro, cf. Mt 14,28-31; 16,16-19; 17,24-27) que escreveu este Ev, usando Mc e trocando o nome Levi por Mateus, porque era um nome mais conhecido (um dos doze; cf. 10,3).

A antiga opinião de Mt ser o primeiro evangelho, escrito em hebraico antes de ser traduzido, baseia-se no testemunho de Papias, bispo de Hierápolis (primeira metade do séc. II): “Mateus-Levi escreveu na linguagem hebraica”, mas podemos entender também por “estilo hebraico”, porque não tem evidência de um evangelho em hebraico, ao contrário: para seus leitores cristãos que vieram do judaísmo, o Ev de “Mt” cita muito do Antigo Testamento (AT) – e não a versão hebraica, mas geralmente a tradução grega (por ex. Mt 1,23 cita a tradução grega de Is 7,14: virgem, e não o texto hebraico jovem mulher). Portanto, o evangelista “Mateus” escreveu seu original na língua grega, copiando Mc, mas seu conteúdo e estilo (e seus leitores) estão mais ligados ao Antigo Testamento, por isso sua posição na Bíblia – mais perto do AT – ainda é justificada.

O site da CNBB comenta: A presença do Reino de Deus na nossa história não pode ser obscurecida pela presença do mal no mundo. As pessoas devem ser capazes de analisar toda a realidade a partir dos critérios do Reino para, à luz do Espírito Santo, ser capaz discernir o bem do mal e escolher o que contribui para que ela possa se aproximar cada vez mais de Deus. Mas esta distinção não dá ao cristão o direito de condenar os que erram, ao contrário, ele deve ser um instrumento nas mãos de Deus para que todos sejam capazes de fazer esta distinção e trilhar os caminhos do bem.

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