04 de junho de 2018, terça-feira: Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos? Ele não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens

Leitura: 1Rs 17,7-16

Continuamos o cíclo de Elias. O profeta havia anunciado uma seca pela região e se escondido na Transjordânia (vv. 1-6, leitura de ontem). A seca serve para castigar Israel pelo culto a Baal em que foi introduzido pela esposa do rei Acab, Jezabel, que era princesa de Sidônia na Fenícia (atual Líbano, cf. 16,30-33).

Secou a torrente do lugar onde Elias estava escondido, porque não tinha chovido no país. Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida nestes termos: “Levanta-te e vai a Sarepta dos sidônios, e fica morando lá, pois ordenei a uma viúva desse lugar que te dê sustento” (vv. 7-8).

Sarepta (hoje Sarafand) é um pequeno povoado na Fenícia, perto da costa mediterrânea do Líbano, 15 km ao sul de Sidônia (cf. Ab 20). Jesus destacou em Nazaré que Elias foi enviado a uma viúva na região pagã de Sidônia, enquanto havia muitas viúvas em Israel (Lc 4,25s).

É justamente a região de onde veio Jezabel com o seu culto estrangeiro (16,31s). Mas o poder do verdadeiro Deus Yhwh (Javé, traduzido por Senhor) se estende também a essa terra, e o profeta leva aí a sua presença.

Elias pôs-se a caminho e foi para Sarepta. Ao chegar à porta da cidade, viu uma viúva apanhando lenha. Ele chamou-a e disse: “Por favor, traze-me um pouco de água numa vasilha para eu beber”. Quando ela ia buscar água, Elias gritou-lhe: “Por favor, traze-me também um pedaço de pão em tua mão!” Ela respondeu: “Pela vida do Senhor, teu Deus, não tenho pão. Só tenho um punhado de farinha numa vasilha e um pouco de azeite na jarra. Eu estava apanhando dois pedaços de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho, para comermos e depois esperar a morte” (vv. 10-12).

A viúva jura “pela vida do Senhor, teu Deus”, como se ela cresse no Deus de Israel. Jurar pelo nome do Senhor era profissão de fé. “Não tenho pão”, lit. “não tenho bolo”: enquanto o termo pão (v. 11), que tem um sentido geral, indica o alimento básico de uma população agrícola, o termo “bolo” especifica o modo costumeiro de preparar o “pão”.

Deve-se escutar no original a série regular e inexorável dos verbos: “Irei e o cozinharei, e o comeremos e morreremos”: a última refeição dos condenados a morrer de fome. A viúva e os órfãos, privados da presença do chefe de família, eram, por este fato os oprimidos da sociedade de então (cf. Is 1,23; 10,2). Muitas vezes só podiam viver de esmolas, que eram mesquinhas nas épocas de fome.

Elias replicou-lhe: “Não te preocupes! Vai e faze como disseste. Mas, primeiro, prepara-me com isso um pãozinho, e traze-o. Depois farás o mesmo para ti e teu filho. Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: “A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até ao dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra“ (vv. 13-14).

“Não te preocupes” lit. não temas. Acha-se aqui uma promessa de Deus (cf. Gn 15,1; 26,24; 46,3; Js 8,1; Jz 6,23; Is 7,4; Jr 1,8; Lc 1,30; 2,10 etc.)

A mulher foi e fez como Elias lhe tinha dito. E comeram, ele e ela e sua casa, durante muito tempo. A farinha da vasilha não acabou nem diminuiu o óleo da jarra, conforme o que o Senhor tinha dito por intermédio de Elias (vv. 15-16).

Por meio do seu profeta, o Senhor traz o pão de que vive o homem (e a mulher), vinculado ao mandato que dá vida (cf. Dt 8,3: “O homem não vive somente do pão, mas de tudo o que sai da boca de Deus”). É uma espécie de repetição do milagre do maná para a mulher confiante na palavra de Deus (cf. v. 6; Ex 16,21; Js 5,12); “ela e sua casa“ (texto hebraico), o texto grego traz “e seu filho” e omite “por muito tempo”.

 

Evangelho: Mt 5,13-16

Estamos ouvindo nestas semanas o primeiro discurso em Mt, o “sermão da montanha” que Jesus dirige ao povo vindo de todas as partes de Israel. Aos seus leitores judeu-cristãos, Mt quer lembrar Moisés no monte Sinai. Jesus, porém, iniciou sua mensagem não com mandamentos, mas com as bem-aventuranças para seus ouvintes pobres e aflitos (cf. vv. 1-12, evangelho de ontem)

Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos? Ele não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens (v. 13).

O sal é o tempero principal e era valorizado tanto que servia até de moeda. A nossa palavra “salário” vem do exército romano que remunerava seus soldados em sal. O sal dá sabor e a palavra “sabedoria” vem de saborear, experimentar.

O sal não só torna alimentos saborosos (Jó 6,6), mas por ter propriedade de conservá-los (Br 6,27), acaba significando o valor duradouro de um contrato, tal como uma “aliança de sal” (Nm 18,19), pacto perpétuo (2Cr 13,5). Mt interpreta a palavra de Jesus (Lc 14,34; Mc 9,50) afirmando que o cristão deve conservar e tornar saboroso o mundo dos homens em sua aliança com Deus: senão já não serve para nada, e os discípulos mereceriam ser jogados fora (cf. Lc 14,35).

Vós sois a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte (v. 14).

A Bíblia do Peregrino (p. 2326) comenta: O sal comunica seu sabor e conserva alimentos, mas pode se desvirtuar; a luz ilumina todos, mas pode ser escondida. Assim deve ser a comunidade cristã: ativamente, não por vaidade, mas para louvor do Pai. A cidade irradiando luz do alto é como a Jerusalém que, em meio às trevas, ilumina como farol os povos, na visão do Is 60,1-3; sua luz é somente reflexo do amanhecer do Senhor.

Jerusalém é uma cidade construída num monte (Sião). Is 60,1-3 prometeu a luz do Senhor sobre ela que atrairia as nações (cf. os reis magos em Mt 2). Em 49,6, o Servo de Deus foi estabelecido a ser “luz para as nações”, termo aplicado a Jesus em Lc 2,32 e a Paulo em At 26,17s. Em Jo 8,12, o próprio Jesus declara: “Eu sou a luz do mundo”. Os membros da comunidade de Qumrã se consideravam “filhos da luz”. No batismo, os cristãos renunciam às obras das trevas para viver como filhos da luz (cf. Ef 5,8-14). O Concílio Vaticano II chamou uma das suas constituições principais “Lumen gentium” (“Luz dos povos” é Cristo; a igreja é iluminada por ele como a lua pelo sol; cf. LG 1).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2006) anota a respeito da luz: No NT, o tema da luz desenvolve-se através de três linhas principais, mais ou menos distintas.

  1. Como o sol ilumina uma estrada, também é luz tudo o que ilumina o caminho para Deus: outrora, a lei, a sabedoria e a palavra de Deus (Ecl 2,13; Pr 4,18-19; 6,23; Sl 119,105); agora, o Cristo (Jo 1,9; 9,1-39; 12,35; 1Jo 2,8-11: cf. Mt 17,2; 2Cor 4,6), comparável a nuvem luminosa do Êxodo (Jo 8,12; cf. Ex 13,21s; Sb 18,3s); finalmente todo cristão, que manifesta Deus aos olhos do mundo (Mt 5,14-16; Lc 8,16; Rm 2,19; Fl 2,15; Ap 21,24).
  2. A luz é símbolo da vida, felicidade e alegria; as trevas, símbolo de morte, desgraças e lagrimas (Jó 30,26; Is 45,7; cf. Sl 17,15); às trevas do cativeiro se opõe, portanto a luz da libertação e da salvação messiânica (Is 8,22-9,1; Mt 4,16; Lc 1,79; Rm 13,11-12), atingindo até nações pagãs (Lc 2,32; At 13,47), através de Cristo luz (Jo – cf. os textos citados acima; Ef 5,14), para se consumar no reino dos céus (Mt 8,12; 22,13; 25,30; Ap 22,5; cf. 21,3-4).
  3. O dualismo luz-trevas vem caracterizar, por isso, os dois mundos opostos do bem e do mal (cf. os textos essênios de Qumrã). No NT, aparecem os dois reinos sob os respectivos domínios de Cristo e de Satanás (2Cor 6,14-15; Cl 1,12-13; At 26,18; 1Pd 2,9), um pelejando por vencer o outro (Lc 22,53; Jo 13,27-30). Os homens se dividem em filhos da luz e filhos das trevas (Lc 16,8; 1Ts 5,4; 1Jo 1,6-7; 2,9-10), e se fazem reconhecer por suas obras (Rm 13,12-14; Ef 5,8-11). Essa divisão (julgamento) entre os homens tornou-se manifesta com a vinda da luz, obrigando cada um a se definir a favor ou contra ele (Jo 3,19-21; 7,7; 9,39; 12,46; cf. Ef 5,12-13). A perspectiva é otimista: as trevas, um dia, terão de ceder lugar à luz (Jo 1,5; 1Jo 2,8; Rm 13,12).

Ninguém acende uma lâmpada, e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim, num candeeiro, onde brilha para todos que estão na casa (v. 15).

Na antiguidade, o alqueire (“vasilha”) era um pequeno móvel de 3 ou 4 pés. Aqui se trata apenas de esconder a lâmpada debaixo de um móvel (Mc 4,21p acrescenta: “ou debaixo de uma cama”), e não apagá-la, cobrindo-a com um alqueire moderno (i.é., com uma medida, uma vasilha que cabe hoje 20 litros).

No Oriente e outras regiões, a casa das pessoas humildes consta de uma peça só, não há divisão de quartos. Uma lâmpada num candeeiro “brilha para todos que estão na casa”.

Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus (v. 16).

“Para que vejam as boas obras”, aquelas de que o Sermão da Montanha apresenta alguns exemplos. Realizar as obras, fazer a vontade do Pai e não só falar “Senhor, Senhor” (7,21s) é importante para Mt que enfatiza a prática, o agir ético no seu evangelho (cf. vv. 15-27; 25,32-46 etc.). O texto parece contradizer Mt 6,1-18, onde os exercícios de piedade, esmola, oração e jejum devem ficar escondidos (6,4: “tua esmola fique no segredo”) por causa da ostentação dos hipócritas que fazem as estas coisas “a fim de serem vistos pelos homens” (6,2.5; cf. 6,16). Mas aqui se faz as boas obras para que Deus seja louvado (S. Inácio: “Tudo para maior glória de Deus”).

O site da CNBB comenta: Todos nós devemos testemunhar Jesus e os valores do Reino dos céus a fim de que o mundo não se corrompa, mas descubra os caminhos da santidade, da justiça e da graça. Com isso, é de suma importância que o anúncio da Palavra seja acompanhado pela coerência de vida, pela busca da santidade e pelo seguimento de Jesus a partir da vivência dos seus mandamentos. O Papa Paulo VI nos falava sobre isso na sua Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, quando se referia à exigência da santidade em todo trabalho evangelizador. Todo trabalho evangelizador deve começar pela caridade, pelo serviço, ou seja, pela explicitação, através da vida, dos valores do Evangelho.

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