04 de novembro de 2017 – Sábado, 30º semana

Leitura: Rm 11,1-2a.11-12.25-29

Continuando o tema do destino de Israel, nossa liturgia saltou o trecho 9,6-10,21 (cf. leitura de ontem: 9,1-5; e de Santo André em 30/11: 10,9-18). Hoje apresenta a reflexão de Paulo sobre o resto de Israel, a salvação dos pagãos e a conversão do Israel. Nesse amplo capítulo Paulo conclui sua exposição sobre o destino dos judeus em sua relação com os cristãos. O texto é importante para corrigir certas frases antissemitas no próprio NT (cf. Mt 27,25; Jo 8,44; 1Ts 2,15s) que só podem ser entendidas dentro do contexto. O Concílio Vaticano II reconheceu que a eleição do povo judeu continua válida e cita Rm 9,4-5; 11,17-24.28-29 (NA 4).

Nos cap. 9-11, Paulo reflete sobre o destino de Israel que em grande parte não acolhe o Evangelho. Os pagãos convertidos em Roma estão sendo tentados a desprezar os judeus (e no percurso da história da Igreja a discriminar e persegui-los, cf. a história do antissemitismo). Paulo, então, lembra que o cristianismo nasceu do povo judaico e que os pagãos convertidos são como enxerto no povo eleito de Deus. “Não és tu que sustenta a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (v. 18). E ainda mostra, pela mesma comparação, que os judeus podem aderir ao Evangelho e produzir frutos com maior facilidade, pois pertencem à raiz original. Por outro lado, também os pagãos convertidos correm o perigo de perder a fé e ser cortados do tronco onde foram enxertados (vv. 16-24).

A Bíblia do Peregrino (p. 2726) comenta: Sobre os judeus diz: nem todos rejeitaram Jesus como Messias, essa atitude não é definitiva e indiretamente favoreceu a conversão dos pagãos. A estes convida à humildade em relação aos judeus, à cautela em sua vida cristã. A complexa relação mútua de Deus com Israel continua sendo revelação para os pagãos; a Igreja dos pagãos continua recebendo seiva de Israel e não pode prescindir de suas raízes históricas e espirituais.

Eu pergunto: Será que Deus rejeitou o seu povo? – De modo algum. Pois também eu sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim. Deus não rejeitou o seu povo, que ele desde sempre considerou (vv. 1-2a).

“Eu pergunto” (igual em v. 11): A mesma fórmula que acusava Israel (10,18s) anuncia agora sua salvação. A resposta a esta pergunta é constituída por todo o capítulo. Ela pode ser enunciada assim: O povo infiel (10,21) não é rejeitado (11,2), pois a situação atual está na linha do AT. “Deus não rejeitou o seu povo” (cf. 1Sm 12,22; Sl 94,14). A eleição tem por objeto um “resto” (v. 5), que representa o conjunto de Israel (v. 16) e que é o penhor da salvação final da totalidade (vv. 25-32). O “resto” (Is 4,3), que o representa temporariamente, é o penhor da restauração futuro. Paulo é a prova viva da permanência deste resto.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1380) comenta: A rejeição de Israel, não é total. Paulo parte de seu exemplo pessoal e depois (vv. 3-6) recorda Elias (1Rs 19,10-18), para comprovar que Deus sempre escolhe um resto. As citações seguintes demonstram como, no passado, apesar de Israel ter rejeitado as intervenções divinas, a graça de Deus continuou atuando na história. Assim como sempre houve pessoas que aceitaram o projeto de Deus, assim também agora há israelitas que acreditam no evangelho, e asseguram a continuidade desse projeto na história.

A Bíblia do Peregrino (p. 2726) comenta: Paulo faz a pergunta (Sl 94,14) para rejeitá-la categoricamente. Terá sido sugerida a ele por alguns pagãos convertidos? Sente que ela flui de quanto está explicando? Paulo é uma exceção viva; o que não basta, porque confirmaria a regra (cf. o arrazoado de Deus com Moisés em Ex 32,14-19). Não basta um caso único, como não bastava o caso de Elias – “só eu fiquei” (1Rs 19,10). Deus lhe assegura que em Israel (reino do Norte) resta um grupo numeroso de “sete mil” fiéis (1Rs 19). O que aconteceu então se repete agora: os Atos dão testemunho de muitas conversões de judeus (At 14,1), e Tiago fala hiperbolicamente de dezenas de milhares (At 21,20). A igreja de Roma contava certamente com judeu-cristãos.

Eu pergunto: Acaso eles tropeçaram para cair? – Não, de modo algum. De fato, o passo em falso que eles deram serviu para a salvação dos pagãos, e a salvação dos pagãos, por sua vez, deve servir para despertar ciúme neles. Ora, se o passo em falso deles foi riqueza para o mundo e o pequeno número de crentes dentre eles foi riqueza para os pagãos, que riqueza não será a adesão de todos eles ao Evangelho! (vv. 11-12).

A atitude infiel dos judeus tem sido benéfica para os pagãos e não definitiva. Paulo matiza o vocabulário, distinguindo tropeçar, cair e sucumbir, opondo diminuição e plenitude (aliterados em grego). Esta última antítese pode referir-se ao número, alguns/todos, ou à qualidade, fracasso/êxito. O contexto próximo fala de número e também de situação.

“Acaso eles tropeçaram para cair?” A oposição é entre uma queda provocada por um obstáculo da qual é possível reerguer-se (tropeçar), e uma queda sem esperança de levantar- se. A atual incredulidade dos judeus não é mais que um “passo em falso”, permitido para a conversão dos gentios (9,22-24; 11,12.25.30) e, por fim, para sua própria conversão: é para sua salvação que Deus queria “despertar ciúme neles”, (cf. 10,19 tomado do cântico de Moisés, Dt 32,21). Até agora, este ciúme se manifestou por uma oposição ao Evangelho (cf. At 13,45; 17,5). Mas Paulo espera que ele venha a ter o efeito contrário.

O “pequeno número” de crentes dentre eles: a palavra grega hêttema significa ao mesmo tempo “decadência” e “diminuição”. Ora, a decadência de Israel consiste precisamente no fato de que somente um pequeno número acreditou. “Que riqueza não será a adesão de todos eles”, lit. “com quanto maior razão a plenitudes deles?”: a palavra grega pleroma tem, ao mesmo tempo, o sentido quantitativo e qualitativo, correspondentes aos dois sentidos de hêttema.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1380) resume: O tropeço de Israel não é definitivo, e até provocou a adesão dos gentios, dos quais Paulo se orgulha de ser apóstolo. Além disso, a adesão das nações devia provocar ciúme nos próprios consanguíneos do Apóstolo, e despertar a atenção destes para Cristo (Mt 8,11).

Irmãos, para não serdes presunçosos por causa da vossa sabedoria, é importante que conheçais o mistério, a saber: o endurecimento de uma parte de Israel é para durar até que a totalidade dos pagãos tenha entrado na salvação (v. 25).

“Irmãos”, trata-se dos irmãos de sangue de Paulo, os judeu-cristãos, ou dos cristãos oriundos do paganismo (destinatários em vv. 13-24), que não devem ser “presunçosos por causa da vossa sabedoria”, glorificando-vos às custas de Israel (cf. v. 20)? Quem descobre algo investigando pode gloriar-se do seu saber, mas quem recebe a solução secreta não pode gloriar-se de penetração. Paulo vai revelar um segredo, um “mistério” (v. 25) que convida à humildade e à esperança. Este mistério é a salvação futura de Israel todo. Não revela quando e como se dará esta futura conversão corporativa dos judeus, somente que será após a adesão completa dos pagãos. Paulo visa sempre às coletividades: o bloco do mundo judaico e o conjunto do mundo gentil (das outras nações, pagãos): “totalidade dos pagãos” (v. 25), ”todo o Israel” (v. 26).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2193) comenta a “totalidade (lit. plenitude) dos pagãos”: É difícil precisar o sentido desta expressão. Segundo numerosos comentadores. Paulo anunciaria uma época em que todos os povos da terra seriam cristãos. Mas 2Ts 2,3-4 não favorece essa interpretação; aliás, a comparação com Rm 15,19 convida a tomar a ideia de “plenitude” em Paulo num sentido antes qualitativo e a ver nela a plena realização do desígnio de Deus. Cf. Rm 11,12; Lc 21,24.

E então todo o Israel será salvo, como está escrito: “De Sião virá o libertador; ele tirará as impiedades do meio de Jacó. Essa será a realização da minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados” (vv. 26-27).

“Todo o Israel será salvo”; a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2193) comenta: “Todo Israel” opõe-se ao “resto” do v. 5 e a “uma parte de Israel” do v. 25; não se trata dos judeus tomados individualmente, mas de Israel em seu conjunto. Há um vínculo, não cronológico, mas da causalidade, entre a entrada dos pagãos e a conversão de Israel (cf. v. 31), análogo ao que existe entre a infidelidade de Israel e a conversão dos pagãos (v. 11). Outros compreendem “todo Israel” como designado o conjunto dos crentes de origem judaica e pagã.

O sonho da total adesão à fé é confirmado pela promessa divina, que não volta atrás (irrevogável, v. 29), ao propor o “libertador” definitivo, o Messias vindo de Sião. Paulo cita Is 59,20s, retocando a versão grega e acrescenta uma variante de Jr 31,34; cf. Is 27,9). Lit.: “Eis… quando eu tiver eliminado os seus pecados”. – “Eis” é exclamativo: tal será o esplendor da compreensão mais profunda dos oráculos proféticos, que somente a revelação do mistério (v. 25) tornou possível.

O AT anunciava a completa purificação de Israel como uma consequência da vinda do Messias (Cristo libertador). Paulo ensina como um “mistério” que esta profecia, já cumprida parcialmente na conversão dos gentios, implica também na conversão do povo judaico.

De fato, com relação ao Evangelho, eles são inimigos, para benefício vosso, mas com relação à escolha divina, eles são amados, por causa dos patriarcas. Pois os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis (vv. 28-29). 

 “Por causa dos patriarcas (lit. pais)” não por causa dos méritos dos pais, mas por causa das promessas feitas aos pais (cf. v. 29 e Dt 4,37; 9,5).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2137) comenta “Evangelho e “escolha divina”:

“Evangelho” e “Eleição” designam as duas grandes etapas da história da salvação: depois e antes de Cristo. Após Cristo, que eles recusaram, os judeus tornavam-se inimigos de Deus e isto Deus o permitiu para favorecer a conversão dos gentios (cf. 9,22-24; 11,11); mas eles continuam objeto da especial predileção que Deus manifestou a seus pais antes de Cristo, no tempo em que seu povo era o único depositário da eleição.

A Bíblia do Peregrino (p. 2728) comenta: Se olharmos a partir da nossa perspectiva de pregadores do evangelho, os judeus se têm mostrado hostis (os Atos o documentam); se olharmos a partir das perspectivas de Deus que escolhe, os vemos como escolhidos, pela promessa feita a Abraão: ver a argumentação de Moisés apelando aos patriarcas (Ex 32,13). “Irrevogável”: como diz um oráculo de Balaão (Nm 23,19) e um profeta promete (Is 54,10). 

Evangelho: Lc 14,1.7-11

No cap. 14, Lc junta quatro cenas que têm a ver com banquete, ou convites à refeição, numa espécie de simpósio ao estilo grego (cf. 5,29a; no AT, cf. as instruções sobre banquetes e convidados em Eclo 31,21-32,13). Como na multiplicação dos pães (9,10-17p), nesse banquete se prefigura a Eucaristia e se anuncia o banquete celeste.

Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles o observavam (v. 1).

A primeira frase do evangelho de hoje repete a de ontem que apresentou a primeira cena com a cura de um hidrópico (vv. 1-6, cf. evangelho de ontem); assim Jesus mostrou mais uma vez que a vida (cura) vale mais do que uma regra no sábado (não trabalhar), cf. 6,6-11p; 13,10-17. Em Lc, Jesus é convidado várias vezes por fariseus (7,36; 11,37).

Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares. Então contou-lhes uma parábola: (v. 7).

Aqui “parábola” tem seu sentido bíblico de sentença de sabedoria, com em Mc 7,17.

“Escolhiam os primeiros lugares”, lit. “leitos”. É o que Jesus critica nos escribas em 20,46. Nas refeições solenes da época, não se sentava à mesa; mas os convidados se estenderam sobre os leitos (11,37; 12,37; 13,29; 14,7-10; 17,7; 20,46; 22,14; 24,30).

”Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar. Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados” (vv. 8-10).

Ao invés de ser um momento de partilha e confraternização, a ceia a qual Jesus foi convidado, era mais um meio para marcar diferenças sociais e discriminar as pessoas consideradas menos importantes. A Bíblia do Peregrino (p. 2505) comenta: Num banquete de casamento, o protocolo designa rigorosamente os lugares. A parábola fala de consequência, não de finalidade. Pois, se alguém se dirige ao último lugar para provocar a honra de ser chamado ao primeiro, está incorrendo na mesma vaidade, inclusive mais refinada: “É melhor ouvir: suba para cá do que ser humilhado diante de um nobre” (Pr 25,6-7).

A Tradução Ecumênica (p. 2009) comenta: À primeira vista, Jesus nos dá nos vv. 8-10 uma lição de habilidade social, comparável a Pr 25,6-7. Mas o seu conselho termina no v. 11 com uma lição de humildade que se opõe às preocupações hierárquicas do mundo judaico (cf. Qumran).

Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado” (v. 11).

Trata-se de um aforismo (sentença breve e conceituosa, cf. Pr 15,33: “À frente da glória caminha a humildade”) de valor geral, que pode desprender-se do contexto (cf. Ez 17,24; 21,34; cf. o Magnificat em Lc 1,51-53). Exemplo máximo é o próprio Jesus que se fez servo (Fl 2,6-11; Jo 13). Aqui a frase condena a segurança orgulhosa dos fariseus (cf. 16,15) e será repetida em 18,14 na parábola do fariseu e do publicano no templo.

O site da CNBB comenta: O mundo em que vivemos é marcado pela concorrência, pela luta constante no sentido de superar as outras pessoas. É sempre uma luta de um contra os outros para vencer, estar por cima, e, por causa dessa concorrência, nunca sobra lugar para a amizade, o amor e a fraternidade. Jesus nos mostra que entre nós, que somos seus discípulos, não deve ser assim. Devemos buscar a promoção das pessoas, valorizar aqueles que estão ao nosso lado, a fim de que, promovendo as pessoas, elas também nos promovam, de modo que temos o crescimento de todos e não apenas de alguns e vivamos como irmãos, filhos do mesmo Pai que está nos céus, e não como inimigos em uma batalha constante.

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