05 de abril de 2016 – Páscoa 2ª semana 3ª feira

Leitura: At 4,32-37
Lucas, o autor dos At, nos apresenta um segundo retrato ideal da comunidade (cf. 2,41-47), desta vez destaca a comunhão dos bens (cf. Lc 12,33; 18,22; Jr 12,6).
A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E os fiéis eram estimados por todos. Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um (vv. 32-35).
“A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma” (v. 32). Eles tinham em comum a fé no ressuscitado, as orações, a alegria e também os bens. Quando há unanimidade tal, o ideal da partilha dos bens é possível.
“Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum… Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas vendiam-nas, levaram o dinheiro e o colocaram ao s pés dos apóstolos” (vv. 32.34.35a).
O ideal correspondia a sonhos ou utopias de filósofos pagãos, bem divulgadas na época. Quanto à finalidade, “que não haja pobres na comunidade”, responde ao ideal da legislação deuteronomista (Dt 15,1-11). É coerente a atitude de Lucas com respeito a riquezas e bens (Lc 6,24; 9,3; 10,4; 12,16-21; 16,19-31). Segue o exemplo de Jesus, vivido também pelos discípulos.
Na execução real, Jesus não tinha exigido o desprendimento total de todos (cf. Lc 19,1-10, Zaqueu). Na comunidade o desprendimento parcial ou total é livre; a venda de posses é feita ocasionalmente. Grupos limitados e de forma livre têm perpetuado na igreja o ideal da comunhão de bens (mosteiros, conventos). A experiência da comunidade em Jerusalém não deu resultado e, por outros motivos, tiveram de recorrer a coletas em outras igrejas (2 Cor 8-9 par). A seguir, dois exemplos contrapostos, um bom e um mal, ilustram o principio.
José, chamado pelos apóstolos de Barnabé, que significa filho da consolação, levita e natural de Chipre, possuía um campo. Vendeu e foi depositar o dinheiro aos pés dos apóstolos (vv. 36-37).
José Barnabé vendeu seu campo e depositou o dinheiro “aos pés dos apóstolos” (v. 37), quer dizer, colocou a disposição deles. Isso deve ter merecido o apelido “filho da consolação” (v. 36), porque a comunidade era “um só coração e uma só alma” (v. 32), mas precisava de doadores generosos e coletas por fora. Ele “era levita e natural de Chipre” (v.36). Barnabé soube descobrir e apoiar Paulo (9,27; 11,25; 13-14) cujas ideias missionárias compartilham (15,2.12; cf. 1 Cor 9,6) embora havia opiniões diferentes a respeito de João Marcos (15,35-39). Evangelizaram juntos na ilha de Chipre e na Ásia Menor (13-14) e foram qualificados mais adiante de “apóstolos” (14,4) apesar de Lc reservar este título para os doze (cf. 1,21s.26).
A continuação do texto (que nossa leitura omite) narra o exemplo sombrio da desonestidade e morte do casal Ananias e Safira (5,1-11) que mostra a realidade: Nem tudo na comunidade primitiva era ideal, mas a tentação (satanás) entrou lá também, como no jardim Éden e entre os doze apóstolos.

Evangelho: Jo 3,7-15
Ao velho Nicodemos, Jesus falou da necessidade de “nascer de novo” (v. 3). Não se trata de reencarnação ou voltar ao seio da mãe, como Nicodemos entendeu mal (v. 4), mas do “nascer do alto” (em grego a mesma palavra pode significar “alto” e “novo”): “Se alguém não nasce da água e do Espírito, não entrará no reino de Deus” (v. 5; alusão ao batismo, cf. Rm 6,4). “Da carne nasce carne, do Espírito nasce espírito” (v. 6); em João, há uma oposição entre espírito e carne (6,63), alto e baixo (terra e céu; v. 12), entre Deus e o mundo (cf. 1,13; 3,31; 8,23).
Vós deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e tu podes ouvir o seu ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece a todo aquele que nasceu do Espírito” (vv. 7b-8).
“O vento sopra onde quer e tu podes ouvir seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece a todo aquele que nasceu do Espírito” (v. 8). Em grego como em hebraico, o mesmo vocábulo pode designar o vento, o alento e o espírito. À natureza do Espírito Santo correspondem a mobilidade, a liberdade, o dinamismo. Nisso apoia-se a comparação: Quem nasce desse Espírito/vento move-se livremente num espaço novo.
Nicodemos perguntou: ”Como é que isso pode acontecer?” Respondeu-lhe Jesus: “Tu és mestre em Israel, mas não sabes estas coisas? Em verdade, em verdade te digo, nós falamos daquilo que sabemos e damos testemunho daquilo que temos visto mas vós não aceitais o nosso testemunho (vv. 9-11).
“Tu és mestre em Israel, mas não sabes estas coisas?” (v. 10) A explicação de Jesus complicou as coisas para Nicodemos. Naquele mundo evocado pelas palavras de Jesus, o raciocínio do mestre judeu vacila.
Mas agora Jesus muda para a primeira pessoa no plural: “Nós falamos daquilo que sabemos e damos testemunho daquilo que temos visto, mas vós não aceitais o nosso testemunho” (v. 11). É a voz da comunidade que professa sua fé (cf. 1 Jo 1,1-3), ou Jesus em íntima união com o Pai que não fala de si mesmo, mas diz o que ouve do Pai (cf. 7,17-18), ele é a palavra do Pai (1,1.18, a “testemunha fiel” (Ap 1,5). Pelo uso contínuo da palavra “testemunho” no Evangelho de João, a atividade de Jesus é descrito como processo judicial: Anunciado pelo testemunho do Batista (1,7-8.15.19; 3,26; 5,33; 10,41), Jesus testemunha a verdade (18,37), contra o mundo (7,7), em favor do Pai e de si mesmo como enviado do Pai (3,11.31-32; 5,36; 10,25; cf. Ap 1,5; 3,14; 1 Tm 6,13). O Pai dá testemunho do seu Filho (5,31-37; 8,18) e do Espírito (15,26, cf. 14,26; 1 Jo 5,6-12; Rm 8,16). Com estes testemunhos se vincula o testemunho dos apóstolos (17,20; 19,35; At 1,8).
Se não acreditais, quando vos falo das coisas da terra, como acreditareis se vos falar das coisas do céu? E ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem (vv. 12-13).
“Quem subiu ao céu e depois desceu?” (Pr 30,4) une a subida ao céu e o controle do vento. A subida ao céu (v. 12), se não se toma como a vertente ascendente da encarnação, adianta a futura glorificação. Coisas terrenas são a mensagem da salvação, coisas celestes são a origem e o itinerário do Filho de Deus, que “desceu” para tornar-se “filho da humanidade”, “Filho do homem” (Dn 7,13-14). Jesus vem dar testemunho e exige ser acreditado (cf. vv. 31-36; leitura da próxima quinta-feira). A exaltação de Jesus “à direita do Pai” (cf. no Credo e Mc 14,62) e sua entronização na glória do Filho do homem revelarão sua origem celeste.
Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna (vv. 14-15).
Olhando para a serpente de bronze num estandarte, os mordidos de serpentes se curavam (Nm 21,8-9) pela fé (cf. Sb 16,7.10). É imagem de Jesus exaltado na cruz (8,28; 12,32-34). A serpente era símbolo de astúcia (da tentação e do mal), mas também de poder e sabedoria (na coroa do faraó); na medicina, o veneno de cobras, na dosagem certa, pode servir como remédio contra dor, para anestesia. A serpente livrava de uma morte repentina, Jesus crucificado dará a vida eterna
João fala com certo eufemismo da cruz e revela um duplo sentido: Jesus será “levantado” na cruz, quer dizer cumprirá o desígnio do Pai (cf. 19,30) e assim será levantado à glória do céu, de onde saiu. A cruz é a volta ao Pai (cf. 13,1.3). Para sermos salvos, devemos “olhar” para Jesus “levantado” (12,32; cf. Zc 12,10) e crer que ele é o Filho único e seremos purificados pela água e sangue do seu lado traspassado (19,34), “para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (v. 15). Jo usou o termo “Reino de Deus”, tal frequente nos outros evangelhos, só no diálogo com Nicodemos (vv. 3.5); ele prefere substituí-lo por “vida” ou “vida eterna” (cf. 4,14; 5,24.26; 6,35; 10,10; 11,25; 14,6; 20,31).
O site da CNBB comenta: A Vida nova, a Vida segundo o Espírito, não é algo que a pessoa humana possa conseguir por si mesma, uma vez que é algo que está muito além da sua própria natureza, portanto algo que foge às suas capacidades. A Vida nova é a vida da graça, que nos é dada pelo próprio Deus, a partir do mistério pascal de Jesus. A condição para a participação nessa Vida em Cristo é a fé; todos os que acreditam que Jesus, crucificado, morto e ressuscitado, é o Filho de Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade que se fez homem para ser o Emanuel, o Deus conosco, recebem dele o dom da Vida em plenitude, o dom da vida eterna.

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