05 de dezembro de 2016 – Segunda-feira, Advento 2ª semana

Leitura: Is 35,1-10

Os caps. 34-35 receberam o nome “pequeno apocalipse” de Is. Contém uma descrição dos últimos e terríveis combates que Javé Deus deve empreender contra as nações (pagãs) em geral e contra Edom em particular (cap. 34), seguida do anúncio do juízo final que restabelecerá Jerusalém em sua glória total. A intenção e o estilo dependem da segunda parte do livro de Is (Deutero-Isaias, cap. 40-55), são comparáveis aos caps. 24-27, o “grande apocalipse” de Is, e pertencem como estes à última etapa de composição do livro na época pós-exílio.

Junto ao precedente, o texto de hoje é a reviravolta total. Ao julgamento pronunciado contra Edom se opõem as bênçãos reservadas a Jerusalém. Nossa leitura (é o cap. 35 inteiro) é um hino à alegria, com dez menções de quatro sinônimos de “alegria”. Os contatos com o Segundo Isaias (40,1-11; 43,19s; cf. 62,10-12) são particularmente numerosos com temas do êxodo, desenvolvido em quartetos e trios, e o retorno à pátria, como sagrada peregrinação.

A Bíblia do Peregrino (p. 1761) comenta: A renovação atinge as deficiências do corpo mutilado e a fraqueza da natureza deserta. Uma corrente de alegria atravessa e vivifica tudo; e a razão da alegria é a glória do Senhor, a sua recompensa, a sua redenção. Canta-se apenas a marcha, não se descreve a instauração do novo reino.

Alegre-se a terra que era deserta e intransitável, exulte a solidão e floresça como um lírio. Germine e exulte de alegria e louvores. Foi-lhe dada a glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e de Saron; seus habitantes verão a glória do Senhor, a majestade do nosso Deus (vv. 1-2).

A transformação da natureza reflete a “glória do Senhor”. No livro de Ex, a glória do Senhor é associada à nuvem luminosa e a tempestade no Sinai (cf. Ex 13,21s; 16,10; 19,18s; 24,16; 34,29; 40,34s; cf. 1Rs 8.10s; 19,11-13; Ez 1), aqui à fecundidade do deserto da Síria pelo qual vão passar os israelitas libertados, na volta do exílio (cf. 40,5). Este deserto será como as regiões mais arborizadas (Líbano, Carmelo) e como a planície fértil do litoral (Saron; cf. a flor em Ct 2,1).

Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Dizei às pessoas deprimidas: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar” (vv. 3-4).

A comunidade dos judeus ficou enfraquecida pelo exílio, precisava ser socorrida (cf. 40,19-21 e as promessas de 40,10; 52,6). Para reanimar a comunidade cristã que sofria nas perseguições, Hb 12,12 cita este versículo.

Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo (vv. 5-6).

Da reanimação de fraquezas temporárias e psíquicas passa para a cura de deficiências físicas. Na literatura apocalíptica, a restauração do povo inclui a recuperação dessas deficiências. Olhos e ouvidos eram temas condutores nos caps. 28-33 e o são em 40-55. Em Mt 11,5 e Lc 7,18, a cura dessas deficiências entendem-se como cumprimento da profecia sobre o messias (cf. Is 29,18s; At 3,8 etc.).

A terra árida se transformará em lago, e a região sedenta, em fontes d’água; nas cavernas onde viviam dragões crescerá o caniço e o junco (v. 7).

Esta transformação da seca encontra-se também em Is 41,18s; 43,20; 48,21 (cf. Jo 4). Em vez de “dragões” (répteis), outros traduzem “chacais” (espécie de cachorros selvagens).

Ali haverá uma vereda e um caminho; o caminho se chamará estrada santa: por ela não passará o impuro; mas será uma estrada reta em que até os débeis não se perderão (v. 8).

“Estrada santa” (ou “caminho sagrado”) é assim chamado porque o próprio Deus passará por ela (cf. 40,3; 62,10-12). O “Caminho” designa a conduta, a lei, a religião (Sl 119,1) e a comunidade dos fiéis. No NT significa conformidade com Cristo (Mt 7,13s; 22,16; 1Cor 4,17; 12,31; Hb 9,8; 10,19-22; 2Pd 2,2). Jesus declara a si mesmo “o Caminho” (Jo 14,6). Antes de serem chamados de “cristãos” (At 11,26), eles se denominavam o Caminho (cf. At 9,1; 18,25s; 19,9.23; 22,4; 24,14.22).

Alguns, porém, consideram este verso uma glosa (acréscimo posterior, nota à margem), porque sobrecarrega o ritmo. O hebraico acrescenta uma frase duvidosa: “ele (Javé) percorrerá o caminho para eles” (Nm 10,33), nossa liturgia apresenta outra tradução possível: “será uma estrada reta” (este será para eles o caminho a seguir). O caminho de volta (do exílio para Jerusalém) é apresentado como procissão solene na qual o próprio Senhor toma parte e da qual são excluídos os que não têm as disposições requeridas para a participação litúrgica (“impuros”, cf. 52,1), ou seja, são curados das suas deficiências (vv. 5-6) que os excluíam. “Os débeis não se perderão” ou “os insensatos não vaguerão”, são provavelmente, os idólatras?

Ali não existem leões, não andam por ela animais de predadores, nem mesmo aparecem lá; os que forem libertados, poderão percorrê-la, os que o Senhor salvou, voltarão para casa. Eles virão a Sião cantando louvores, com infinita alegria brilhando em seus rostos: cheios de gozo e contentamento, não mais conhecerão a dor e o pranto (vv. 9-10).

É interessante o paradigma do que é excluído: impuros ou profanos (v. 8), feras (“animais de predadores”), sofrimento e aflição (vv. 3-6.9-10; cf. 25,8). A volta a Sião (Jerusalém) promete uma “infinita alegria”, imensa, eterna, sem limites, “brilhando em seus rostos”, lit.: “sobre sua cabeça”; é preciso compreender que eles carregam sua alegria como bagagem de um viajante; “cheios de gozo e contentamento, não mais conhecerão a dor e o pranto”. Já em 25,8, Is profetizou que não haverá mais morte nem lágrimas (em Ap 21,4 é citado para ilustrar a Jerusalém celeste).

 

Evangelho: Lc 5,17-26

No tempo de Advento até o dia 17, os evangelhos são escolhidos em vista da leitura de cada dia. Ouvimos na leitura de Is 35,5-6 da cura de cegos e surdos e que “o coxo saltará como um cervo”. O evangelho de hoje apresenta a cura de um paralítico em cores vivas: imobilizado, chegando pelo telhado e saindo carregando a própria cama, louvando a Deus. Há três temas: doença/cura, pecado/perdão e hostilidade/louvor.

Um dia Jesus estava ensinando. Em sua volta estavam sentados fariseus e doutores da Lei, vindos de todas as aldeias da Galileia, da Judeia e de Jerusalém. E a virtude do Senhor o levava a curar (v. 17).

No evangelho mais velho de Marcos, esta cura torna se o primeiro entre vários conflitos com as autoridades da Galileia (Mc 2,1-3,6.22-30; 7,1-13). Em Lc já é o segundo conflito na Galileia (depois da rejeição na sinagoga de Nazaré em 4,16-30). Lc menciona os adversários fariseus já no início desta cura e acrescenta que estes (e outros presentes?) vieram não só da Galileia, mas “da Judéia e de Jerusalém”. Lc apresenta os fariseus como “doutores da lei” (7,30; 10,25; 11,45s.52; 14,3). Eles dominavam o culto nas sinagogas (outros escribas ou mestres da lei pertenciam ao partido dos saduceus, à classe alta dos sacerdotes que atuava em Jerusalém).

Jesus não só ensina, ele cura também, levado pela a “virtude (poder) do Senhor”; pode ser uma alusão ao Espírito Santo (cf. 1,35; 4,1.14; a primeira cura depois de Pentecostes em At 3 é de um paralitico).

Uns homens traziam um paralítico num leito e procuravam fazê-lo entrar para apresentá-lo. Mas, não achando por onde introduzi-lo, devido à multidão, subiram ao telhado e por entre as telhas o desceram com o leito no meio da assembleia diante de Jesus. Vendo-lhes a fé, ele disse: “Homem, teus pecados estão perdoados” (vv. 18-20).

Copiando este relato de Mc 2,1-12, o narrador Lc não dispensa estes detalhes pitorescos (o paralelo Mt 9,1-8 é bem mais resumido), só introduz “no meio da assembleia” (em Mc era uma casa, em Lc podia ser uma sinagoga) e troca também cama por “leito”, em grego cline (cf. nossa palavra clínica), expressão mais técnica e apropriada para um médico como Lc (cf. Cl 4,14; mas Mt também trocou o termo).

Segundo os antigos, as doenças eram ligadas ao pecado como efeito ou sintoma (cf. Sl 41 menciona “leito”; cf. Sl 32; 38; Ecl. 38,9-10). Para libertar este deficiente físico, Jesus vai direto à raiz, ao pecado invisível que causa os males externos e visíveis (cf. Jo 5,5-14). Os carregadores querem a cura física, Jesus desvia a atenção para o mais importante da sua missão: vencer o pecado com o perdão (cf. o significado do seu nome em Mt 1,21). Para Lc, o perdão e a misericórdia de Jesus para com os pecadores são centrais (cf. Lc 7,36-50; 15; 18,9-14; 19,1-10; 23,34.43) . A absolvição é pronunciada em voz passiva (cf. Sl 32,1s), mas a reação dos fariseus e a resposta de Jesus não deixam dúvidas. Talvez já em vista dessa polêmica, Lc trocou “filho” (Mc 2,5p) por “homem”.

Os escribas e fariseus começaram a murmurar, dizendo: “Quem é este que assim blasfema? Quem pode perdoar os pecados senão Deus?” (v. 21).

Os escribas e fariseus começaram a “murmurar” (como o povo de Israel contra Moisés; Ex 15,24; 16,2; 17,3; Nm 11,4s; 20,2s), dizendo “Quem é este… (em Mc, a primeira pergunta era: “porque ele esta falando assim?”) … que assim blasfema?”. Blasfêmia é falar mal (amaldiçoar) das coisas mais sagradas (cf. 3,28-29; 14,64). A blasfêmia de Jesus seria arrogar-se um privilégio exclusivo de Deus (Sl 130,4; Is 43,25). A pena da blasfêmia é lapidação (cf. At 7,58; Lv 24,14-16).

Com seu perdão, Jesus está minando a instituição. Pois para expiar pecados, o culto oferecia recursos institucionais como sacrifícios no templo (cf. Lv 4; 16), para curar milagrosamente não. A cura externa expressará e revelará a interna. Aliás, os mediadores do AT não perdoavam pecados, só intercediam pedindo perdão para os outros (cf. Ex 32; Nm 14; 2Sm 12 etc.).

Conhecendo-lhes os pensamentos, Jesus respondeu, dizendo: “Por que murmurais em vossos corações? O que é mais fácil dizer: ‘teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘levanta-te e anda’? (vv. 22-23).

Jesus, porém, “conhece os pensamentos deles” (cf. 4,23; 6,8; 9,47; 11,17) e com isso pode questionar também. Penetrar pensamentos também é próprio de Deus (cf. Pr 15,11). Jesus cura o paralítico da sua deficiência como prova que ele tem o poder de perdoar pecados. Deus não iria atender um blasfemo (cf. Jo 9,15-16.31-33). Nos olhos dos incrédulos, a cura de um paralítico seria mais difícil do que falar do perdão divino porque uma cura poderia ser percebida e assim controlada.

Pois, para que saibais que o Filho do homem tem na terra poder de perdoar os pecados” – disse ao paralítico – “eu te digo: levanta-te, pega o leito e vai para casa” (v. 24).

Jesus usa aqui e muitas vezes em seguida o termo “filho do homem”, expressão que Lc acolhe das suas fontes Mc e Q (cf. Lc 6,5; 9,22.26.44.58; 17,24.26.30; 18,31; 21,27; 22,69; At 7,56). “Filho do Homem” pode significar simplesmente “ser humano” (hebraico “filho de Adão”, cf. Sl 8,5; Ez 2,1.3.6.8; 3,1 etc.), ou seja a condição humana de Jesus, correlativo de Filho de Deus. Por outro lado, este termo está associado à figura humana a quem Deus entregará seu reino eterno no final dos tempos (Dn 7,13s; cf. Lc 1,32s). Por esta ambiguidade, Jesus se identifica com esta expressão, porque não pode ser preso por se declarar um ser humano, nem ser mal-entendido como messias guerreiro nacionalista. Na polêmica desta cura, Jesus declara que ele como “filho de Adão (homem)” pode perdoar pecados sim, não só Deus no céu. Na terra, Jesus tem esse poder e veio exercê-lo.

Imediatamente, diante deles, ele se levantou, tomou o leito e foi para casa, louvando a Deus. Todos ficaram fora de si, glorificavam a Deus e cheios de temor diziam: “Hoje vimos coisas maravilhosas!” (vv. 25-26).

“Imediatamente, diante deles”, a cura é demonstrada pelo paralítico levantando-se, carregando seu leito e ainda, próprio de Lc, “louvando a Deus”. A cena termina, quase liturgicamente, com todos louvando em coro a Deus também, dizendo “Hoje vimos coisas maravilhosas!” Lc acrescentou “hoje”, palavra preferencial dele para indicar a salvação (cf. 2,11; 4,21; 5,26; 19,5.9; cf. Mc 1,15p).

No site da CNBB se resume: Nós temos muitas dificuldades para vermos os verdadeiros valores que devem marcar a existência humana e, por isso, não damos importância a eles e até mesmo fechamos o nosso coração à ação divina, dificultando a sua realização. É o caso do Evangelho de hoje, no qual a importância maior é dada para a cura do corpo, sem levar em consideração a cura espiritual e o julgamento de que esta é impossível. Os tempos messiânicos são a expressão da verdadeira hierarquia de valores, na qual os perenes estão acima dos temporais.

Podemos anexar uma observação sobre o sacramento da Confissão:

A paralisia expressa a situação interior do pecador. O pecado escraviza, tira a liberdade de se movimentar e expressar (cf. Gl 5,1.13; Rm 7,14ss; 8,14-15). O primeiro protestante era Martim Lutero; ele tirou a confissão e as indulgências porque foram abusadas pela ganância do clero daquela época. Mas o Concílio de Trento, corrigindo estes abusos, insistiu no poder de perdoar pecados pela Igreja: não é privilégio exclusivo de Deus ou de Jesus, porque Jesus passou esta autoridade para os apóstolos e Pedro (cf. Mt 16,19; 18,18; Jo 20,23), e estes passaram a mesma autoridade para seus sucessores, que são os bispos católicos que a passam para os padres. O pecador arrependido não precisa duvidar mais, se Deus já o tenha perdoado ou não. Com a absolvição dos pecados pronunciada por um ministro autorizado (ordenado), ele pode ter certeza: ”Homem, teus pecados estão perdoados.”

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