06 de abril de 2016 – Páscoa 2ª semana 4ª feira

Leitura: At 5,17-26

Quanto à estrutura, o novo ato de perseguição da parte do conselho (sinédrio) se parece muito com o procedente (4,1-22, cf. leituras da sexta-feira e sábado da semana passada): prisão interrogatório , resposta do acusado, deliberação privada, proibição. O narrador quer que sintamos a repetição e que nela apreciemos os detalhes novos, o avanço da ação para uma primeira pausa.

Levantaram-se o sumo sacerdote e todos os do seu partido – isto é, o partido dos saduceus – cheios de raiva e mandaram prender os apóstolos  e lançá-los na cadeia pública (vv. 17-18).

Há lógica na insistência: as autoridades haviam imposto aos apóstolos uma proibição formal, e eles a violaram, não se importaram (4,31; 5,12-16). São réus reincidentes e devem prestar contas ao  tribunal pelo descumprimento. Acabam sendo presos, jogados na “cadeia pública” (v. 18; no Brasil, as condicoes nas cadeias públicas estão piores do que nos presídios).

Porém, durante a noite, o anjo do Senhor abriu as portas da prisão e os fez sair, dizendo: “Ide falar ao povo, no Templo, sobre tudo o que se refere a este modo de viver.“ Eles obedeceram e, ao amanhecer, entraram no Templo e começaram a ensinar (vv. 19-21a).

Mas Deus abre o caminho com uma intervencão no estilo tradicional, “o anjo do Senhor abriu as portas e os fez sair” (v. 19; o “anjo do Senhor” representa o próprio Deus, cf. Gn 16,7.13; 22,11, Ex 3,2; Jz 2,1 etc.; Mt 1,20; 28,2; At 8,26; 10,3; 12,7-10.23; 27,23). Pode-se recordar a libertação de presos como José (Gn 41,14), Jeremias (Jr 40,4), e a promessa aos exilados (Is 48,9; 51,14) ou para os últimos tempos (Zc 9,11), ainda de Pedro e de Paulo (At 12,6-11; 16,25-28).

O anjo dá ordem contrária à proibicão dos sacerdotes: “Ide falar ao  povo, no templo, sobre tudo o que se refere a este modo de viver” (v. 20; lit. “todas as palavras desta vida”, equivale a “palavra desta salvacão” em 13,26, cf. 13,46). A mensagem dos apóstolos é vida (3,12; 11,18; 13,4.6.48) e salvacão (4,12; 11,14; 15,11; 16,17.30-31). Eles “obedeceram” ao anjo e não aos sacerdotes (v.21; cf. 4,19; 5,29).

O sumo sacerdote chegou com os seus partidários e convocou o Sinédrio e o Conselho formado pelas pessoas importantes do povo de Israel. Então mandaram buscar os apóstolos à prisão. Mas, ao chegarem à prisão, os servos não os encontraram e voltaram dizendo: “Encontramos a prisão fechada, com toda segurança, e os guardas estavam a postos na frente da porta. Mas, quando abrimos a porta, não encontramos ninguém lá dentro.“ Ao ouvirem essa notícia, o chefe da guarda do Templo e os sumos sacerdotes não sabiam o que pensar e perguntavam-se o que poderia ter acontecido (vv. 21b-24).

Com ironia, o narrador conta como o sinédrio foi convocado e se descobriu que os apóstolos não estavam mais na cadeia, “com toda seguranca, e os guardas estavam a postos na frente da porta” (v. 23). Os sacerdotes “não sabiam o que pensar”. O leitor cristão, porém, já sabe: A cadeia vazia, como já antes o túmulo vazio (cf. Lc 24,5), demostra que a Palavra da vida não se deixa deter.

 

Chegou alguém que lhes disse: „Os homens que vós colocastes na prisão estão no Templo ensinando o povo!“ Então o chefe da guarda do Templo saiu com os guardas e trouxe os apóstolos, mas sem violência, porque eles tinham medo que o povo os atacasse com pedras (vv. 24-26).

Sabendo depois onde estavam, o chefe da guarda “trouxe os apóstolos, mas sem violência” (v. 26) por medo do povo (cf. o medo que os sacerdotes tinham do povo quando Jesus ensinava no templo em Lc 19,47s; 20,19; 22,2).

 

Evangelho: Jo 3,16-21

O evangelho de hoje ainda pertence ao diálogo com o velho conselheiro Nicodemos que se transformou no primeiro discurso típico do quarto evangelho (vv. 1-21).

Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna (v. 16).

“Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho unigênito” (v. 16a). Em Jo, o “mundo” pode significar, como aqui, toda criação amada por Deus (17,5.24; Sb 11,24) ou a terra habitada por seres humanos (17,25; 16,21). Muitas vezes, porém, é o mundo que se afastou de Deus, a humanidade perdida que se fechou à luz e odeia os discípulos de Jesus “porque não pertencem ao mundo” como ele também não (17,14).

Deus ama até as últimas consequências (cf. 13,1), em vez de “deu” talvez seja melhor traduzir “entregou” (palavra-chave da paixão) “o Filho unigênito” (1,18: “o unigênito que é Deus no seio do Pai”); talvez com alusão oblíqua ao sacrifício ao sacrifício de Isaac (Gn 22,2.16; Rm 8,32; 1 Jo 4,9-10). Em vez de falar do “Reino de Deus” (exceto em vv. 3.5) como os outros três evangelistas, o quarto evangelista prefere falar da “vida”, eterna ou plena (cf. 1,4; 3,36; 4,14; 5,24.26; 6,27.33 etc., cf. 8,12; 10,10; 11,25; 14,6; 20,31).

De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado,  porque não acreditou no nome do Filho unigênito (vv. 17-18).

Outra palavra-chave em Jo é “enviar”. Jesus é o enviado do Pai (cf. 4,34; 5,24.36-38; 9,7; 8,42; etc). “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar, mas para que o mundo seja salvo por ele” (v. 17). Como nas cartas de Paulo é apenas a fé que decide sobre salvação ou condenação (cf. Rm 1,16s; 3,21-26; Gl 2,16 etc.; diferente: Tg 2,14-26; Mt 7,21-23; 25,31-46). Fé é acolher Jesus (1,12; 5,34), conhecer e reconhecê-lo como enviado do Pai (6,29; 12,44; 14,1.10; 17,8,21-25; 20,31). Quem crê, será salvo, terá a vida eterna (vv. 16.18; 5,25; 10,26-28). Como contrário à “salvação”, entende-se aqui o “julgamento” de condenação (vv. 17-19). A incredulidade se fecha ao dom do amor, e com isso fica julgada e condenada.

Ora, o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus (vv. 19-21).

A palavra grega krisis significa julgamento/condenação e distinção/separação. No princípio, “Deus separou a luz das trevas” (Gn 1,4): ao vir ao mundo, Jesus, a luz atua um julgamento de separação de acordo com a reação dos homens (8,12; 12,46-48). O tema se desenvolve com a imagem clássica da luz e das trevas (Jo 1,5; Is 5,20: inversão de valores). Deus “amou” o mundo (Rm 8,32; 1 Jo 4,9), eles “amaram” as trevas (cf. Sb 17,4 e, referido à morte, 1,16). O perverso busca a escuridão para agir impunemente, como refúgio no delito (Jó 24,14; Eclo 23,18-19). A luz de Jesus manifesta a realidade do homem (Sl 90,8). O fato de que Deus quer salvar este mundo que não o merece, e ainda dar (entregar) o mais precioso que ele pode, o seu Filho unigênito, é o milagre do seu amor.

Em v. 14, a cruz já foi anunciada no símbolo da serpente de bronze. O Papa Francisco falou na sexta-feira santa (2013) no Coliseu: “Nesta noite, deve permanecer uma única palavra, que é a própria Cruz. A Cruz de Jesus é a Palavra com que Deus respondeu ao mal do mundo. Às vezes parece-nos que Deus não responda ao mal, que permaneça calado. Na realidade, Deus falou, respondeu, e a sua resposta é a Cruz de Cristo: uma Palavra que é amor, misericórdia, perdão. É também julgamento: Deus julga amando-nos. Lembremo-nos: Deus julga amando-nos. Se acolho o seu amor, estou salvo; se o recuso, estou condenado, não por Ele, mas por mim mesmo, porque Deus não condena, Ele unicamente ama e salva.”

O site da CNBB comenta: A vinda de Jesus ao mundo é a grande manifestação do amor misericordioso de Deus, que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva, e por isso manda o seu próprio Filho, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele, ou seja, pelo mistério de sua paixão, morte e ressurreição, todas as pessoas que querem viver segundo a luz, realizando as obras de Deus, e fugir das obras das trevas, fugir do pecado e das suas conseqüências, deixam de ser escravas do pecado e da morte e tornam-se livres, filhos e filhas de Deus, para viver segundo a graça e caminhar na esperança de que viverá eternamente junto de Deus.

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