06 de dezembro de 2017 – Quarta-feira, Advento 1ª semana

 

Leitura: Is 25,6-10a

Os caps. 24-27 são chamados “Grande Apocalipse de Isaías”, porque pertencem a um gênero literário tardio (pós-exílio) formando uma escatologia ou descrição de um julgamento seguida da instauração de uma ordem definitiva. Retomando e aplicando concepções universalistas já difundidas em profecias anteriores (Is 2,2s; 56,6-8; 60,11-14; Zc 8,20; 14,16, etc.), o autor descreve a afluência dos povos a Jerusalém (cf. 2,1-5, leitura de segunda-feira) como um imenso festim. A partir deste texto, a ideia de um festim messiânico tornou-se corrente no judaísmo e encontra-se no NT (Mt 22,2-10; Lc 14,14.16-24; Ap 19,9).

O Senhor dos exércitos dará neste monte, para todos os povos, um banquete de ricas iguarias, regado com vinho puro, servido de pratos deliciosos e dos mais finos vinhos (v. 6).

O banquete real deve acontecer depois da entronização em 24,23 de “Javé (Senhor) dos exércitos”. Este termo (6,3.5; 2Sm 6,18; Sl 24,10; 46,8 etc.) não só se refere aos exércitos de Israel em ordem de batalha (Jó 10,17; 1Sm 17,45s; Ex 12,51), mas também às constelações das estrelas (Gn 2,1; Is 40,26) e finalmente a todos os elementos e poderes do universo.

O poder de convidar muitos é sinal de poderio e riqueza (Est 1,3-8). O Senhor convida “todos os povos” a um banquete esplêndido, que se celebrará neste “monte” sagrado (no monte Sião em Jerusalém onde fica o templo, cf. 2,3s; 11,9s; 16,1; 18,7; 24,23; 27,13 etc.) dentro da tradição dos banquetes sagrados que acompanham os sacrifícios de comunhão nos dias de festa (cf. Ex 24,11; Dt 16,13-15; 1Sm 9,13; Ne 8,10-12; Is 55,1-5; 60,11.14; Zc 8,20-22; 14,16).

Ele removerá, neste monte, a ponta da cadeia que ligava todos os povos, a teia em que tinha envolvido todas as nações. O Senhor Deus eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces e acabará com a desonra do seu povo em toda a terra, o Senhor o disse (vv. 7-8).

No banquete, dá presentes aos comensais. O primeiro é a sua presença e manifestação: antes, os povos estavam como cegos, cobertos; agora, “removerá… a coberta (teia)”, podem reconhecê-lo. O véu cobre os rostos (cf. 6,2.5; Ex 3,6; 33,2-23; Lv 16,2; 1Rs 19,13) para impedir de ver e compreender (29,10-12; cf. 2Cor 3,13-18) ou, com mais frequência, como sinal de luto (2Sm 15,30; 19,5; Jr 14,3s; Est 6,12); assim no v. 8, o mesmo verbo “removerá (eliminará)” a “morte”. A palavra grega apocalipse significa precisamente “retirada do véu” (cf. v. 7), sendo empregada a propósito da “revelação às nações” no Cântico de Simeão em Lc 2,32.

O segundo presente é extraordinário: aniquila a morte, a maldição original do homem (Gn 3,19), para que os convidados vivam “para sempre” com ele uma vida sem dor e sem lagrimas. O apóstolo Paulo aplica um versículo à vitória de Cristo sobre a morte (1Cor 15,54). O João do Ap 21,4 aplica estes vv. à vida eterna na Nova Jerusalém. O final de v. 8 reforça como assinatura que “o Senhor o disse”.

Naquele dia, se dirá: “Este é o nosso Deus, esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado: vamos alegrar-nos e exultar por nos ter salvo”. E a mão do Senhor repousará sobre este monte (vv. 9-10a).

Os vv. 9-12 são um novo hino de vitória (cf. 24,16a; 12,1; 26,1). A batalha foi dura, porque a cidade resistiu com todos os seus meios. A salvação é a esperança cumprida. A aclamação de um novo rei era acompanhada de sacrifícios e banquetes (1Sm 11,15; 1Rs 1,15) e a fórmula “este é nosso Deus” pode se aproximar da aclamação do Senhor como Rei que se encontra em 24,23 (cf. Sl 93,1; 97,1; 99,1).

 

Evangelho: Mt 15,29-37

No tempo de Advento até o dia 17, os evangelhos são escolhidos em vista da leitura. Por isso ouvimos hoje a segunda multiplicação dos pães correspondendo ao banquete para todas as nações numa montanha em Is 25,6s (leitura de hoje).

Jesus foi para as margens do mar da Galileia, subiu a montanha, e sentou-se (v. 29).

Em Mc 8,1-9 que Mt copia, Jesus estava passando pela região pagã da Decápole (dez cidades helenistas) a leste do “mar da Galileia” (lago Genesaré; cf. Mc 7,31). Mas para Mt, a evangelização dos pagãos começa só a partir da ressurreição (cf. 10,5s; 28,19), as viagens de Jesus além fronteiras em 8,28-34; 15,21-28 são exceções. Aqui ele relembra um cenário conhecido: “as margens do mar da Galileia” (Mc 8,10 só o menciona depois do milagre) e “a montanha” onde Jesus se senta (para ensinar em 5,1; 24,3; cf. 4,8; 14,23; 17,1; 28,16). Uma tradição oral pode ser o motivo por que os mesmos tópicos se encontram também na multiplicação dos pães em Jo 6,1-3 (mar, multidão, curas, montanha, sentar).

Numerosas multidões aproximaram-se dele, levando consigo coxos, aleijados, cegos, mudos, e muitos outros doentes. Então os colocaram aos pés de Jesus. E ele os curou. O povo ficou admirado, quando viu os mudos falando, os aleijados sendo curados, os coxos andando e os cegos enxergando. E glorificaram o Deus de Israel (vv. 31-31).

No lugar da cura individual de um surdo-gago que Jesus curou na Decápole (com a palavra “Efatá”, cf. Mc 7,31-37), Mt cria um sumário de curas para dar uma moldura coletiva. Mencionando quatro tipos de enfermidade (cf. 11,5), como expressão de totalidade (cf. Is 35,5s). Pela última vez no seu evangelho, Mt descreve resumidamente, como o messias Jesus faz o bem para seu povo. com suas necessidades e sua simpatia, o povo aproxima-se de Jesus, apesar das hostilidades dos fariseus e doutores da lei. A multidão reconhece nas curas a bondade e o poder daquele que chamam de “Deus de Israel” (cf. Is 29,18.23), glorificando-o como nos salmos (cf. Sl 41,14; 72,18; 106,48; Lc 1,68).

Jesus chamou seus discípulos e disse: “Tenho compaixão da multidão, porque já faz três dias que está comigo, e nada tem para comer. Não quero mandá-los embora com fome, para que não desmaiem pelo caminho” (v. 32).

A segunda multiplicação dos pães que se segue, é uma duplicata da primeira relatada em 14,13-21 (copiada de Mc 6,31-44), mas com algumas variantes significativas (já em Mc 8,2s). Insiste mais na compaixão de Jesus e na fome da multidão que já está com ele há “três dias”. Deus ajuda no terceiro dia em Js 1,11; Gn 40,13; Os 6,2; cf. Ex 19,1; Jo 2,1.19s; Mc 8,31p etc.)

A fraqueza para fazer o caminho de volta (cf. 1Rs 19,7) indica que numa versão original (anterior a Mc e Mt), a multiplicação dos pães se situava mais no “deserto” (v. 33; cf. Mc 6,35; alusão ao maná do Ex 16) do que na beira do mar. A menção de que “pois muitos vieram de longe” (Mc 8,3), Mt omite porque não quer aludir aos pagãos ainda (cf. Js 9,6; Ef 2,12.17; At 2,39; 22,21).

Os discípulos disseram: “Onde vamos buscar, neste deserto, tantos pães para saciar tão grande multidão?” Jesus perguntou: “Quantos pães tendes?” Eles responderam: “Sete, e alguns peixinhos”. E Jesus mandou que a multidão se sentasse pelo chão. Depois pegou os sete pães e os peixes, deu graças, partiu-os, e os dava aos discípulos, e os discípulos, às multidões. Todos comeram, e ficaram satisfeitos e encheram sete cestos com os pedaços que sobraram (vv. 33-37).

Neste segundo relato, Jesus tomou a iniciativa, não os discípulos (cf. 14,15p). O diálogo é mais resumido. Eles só demonstram sua incompreensão (característica em Mc; cf. Mc 8,14-21p). A multiplicação é contada da mesma maneira discreta do que a primeira, com exceção dos números.

Enquanto os “cinco pães”, “cinco mil pessoas” e “doze cestos” (Mc 6,38-44p) da primeira multiplicação podem se relacionar ao povo de Israel (Pentateuco, doze tribos), os “sete” aqui pode significar simplesmente a plenitude (em Mt) ou aludir (em Mc) aos pagãos (70 povos em Gn 10; cf. os “outros” discípulos em Lc 10,1 e os “sete” diáconos para servir às mesas dos helenistas em At 6,1-6). Também a menção de “quarto mil pessoas” (o v. 38 foi omitido na leitura de hoje) pode sinalizar, em Mc 8,9, as quatro direções da terra, ou seja, a futura Igreja de “todos os povos” (cf. 28,19).

No AT, há de considerar o pastor divino que dá descanso e comida às ovelhas (Sl 23), o maná no deserto (Ex 16), os milagres de Elias e Eliseu (1Rs 17,1-16; 2Rs 4,1-7.42-44) e os banquetes futuros em Is 25,6-8; 55,1-2; 65,13-14. Como antigamente Moisés (Ex 18,21,25; Nm 31,14; Dt 1,15), Jesus manda organizar o povo e sentar (em Mc 6,39 na grama “verde”; cf. Sl 23,2) como convidados livres e não ficar de pé como escravos.

Como todo judeu piedoso, Jesus rezava antes da refeição, “deu graças” (em grego eucharistein, cf. 1Cor 11,24; Lc 22,17) e distribui os pães. Assim, a multiplicação dos pães tem algo de sacramental (como na última ceia em 26,26-29p), apesar dos peixinhos e de faltar o vinho. Mas não se deve interpretar a multiplicação dos pães apenas no sentido sacramental ou espiritual. Mc e Mt insistem por contar o mesmo milagre duas vezes (Lc o contou só uma vez, mas duplicou a missão dos discípulos, cf. 9,1-6 e 10,1-8): o milagre não é exibição de poder, mas resultado da compaixão do Senhor (cf. Is 49,10.13).

Ao total temos seis relatos da multiplicação de pães nos quatro evangelhos. Isto mostra a importância que os primeiros cristãos a deram, provavelmente nas suas assembleias eucarísticas. Apesar da separação da eucaristia da refeição comum (cf. 1Cor 11,17-34), permanece para nós o incentivo de sentir compaixão, partilhar com os necessitados (cf. Mc 6,37p) e não desperdiçar os alimentos. Se todos dessem o que têm, ninguém passaria fome (cf. At 2,44-45; 4,32.34-35).

O site da CNBB comenta: Todas as promessas que foram feitas no Antigo Testamento a respeito de Jesus começam a ser realizadas. Jesus cura todas as deficiências, de modo que as pessoas, além de não serem mais escravas do mal que possuíam, também podem ser novamente inseridas na vida social, deixando de ser excluídas e dependentes do auxílio dos demais. Jesus também multiplica os pães mostrando que Deus quer a saciedade de todos e que não quer entre os homens a fome e a miséria, pois o Reino de Deus é o reino da abundância de bens e de dons.

 

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