06 de novembro de 2017 – Segunda-feira, 31ª semana

Leitura: Rm 11,29-36

Nos caps. 9-11, Paulo refletiu sobre o destino de Israel que em grande parte não acolhe o Evangelho. Os pagãos convertidos em Roma estão sendo tentados a desprezar os judeus (e no percurso da história da Igreja a discriminar e persegui-los, cf. a história do antissemitismo). Paulo, então, lembra que o cristianismo nasceu do povo judaico e que os pagãos convertidos são como enxerto no povo eleito de Deus. “Não és tu que sustenta a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (v. 18). E ainda mostra, pela mesma comparação, que os judeus podem aderir ao Evangelho e produzir frutos com maior facilidade, pois pertencem à raiz original. Por outro lado, também os pagãos convertidos correm o perigo de perder a fé e ser cortados do tronco onde foram enxertados (vv. 16-24).

No texto de hoje, o apóstolo conclui que o povo de Israel não foi rejeitado para sempre, porque Deus não volta atrás em sua escolha. O futuro da salvação permanece aberto ao povo da promessa. Através de uma história misteriosa, o Senhor continua a guiá-lo, para mostrar a todos que ele salva porque ama, pois a sua misericórdia é dirigida a todos.

Os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis (v. 29).

Nossa liturgia repete a frase final da leitura de sábado passado. Incluo o v. 28 que foi omitida pela liturgia de hoje (final da leitura de ontem), mas a frase inteira inclui o v. 28: “Quanto ao Evangelho, eles são inimigos, para vantagem de vocês; mas, quanto à eleição, eles são amados, por causa dos patriarcas, porque…”.

A Bíblia do Peregrino (p. 2728) comenta: Se olharmos a partir da nossa perspectiva de pregadores do evangelho, os judeus se têm mostrado hostis (os Atos o documentam); se olharmos a partir da perspectiva de Deus que escolheu, os vemos como escolhidos, pela promessa feita a Abraão. De maneira semelhante Moisés argumentou apelando aos patriarcas depois do pecado do povo com o bezerro de ouro (Ex 32,13). “Irrevogável” como diz um oráculo de Balaão (Nm 23,19) e um profeta promete (Is 54,10).

Outrora, vós fostes desobedientes a Deus, mas agora alcançastes misericórdia, em consequência da desobediência deles. Assim são eles agora os desobedientes, para que, em consequência da misericórdia usada convosco, alcancem finalmente misericórdia (vv. 30-31).

É um processo alternativo (semelhante ao da culpa e do perdão em Ez 18). Os pagãos não aceitaram a fé no único e verdadeiro Deus de Israel (cf. 1,19-32). Agora os judeus não aceitam seu messias Jesus. Por isso o Evangelho pode ser anunciado aos pagãos, que se tornam o novo povo de Deus e assim a Igreja se liberta do regime judaico. Futuramente, esse fato deveria provocar o “ciúme” (v. 11) de Israel e chamar a sua atenção para Cristo. Paulo espera e entrevê a conversão de Israel como uma “espécie de ressurreição” (v. 15).

Com efeito, Deus encerrou todos os homens na desobediência, a fim de exercer misericórdia para com todos (v. 32).

É um princípio audaz “para com todos”, paralelo ao de Gl 3,22: “A Escritura encerrou todas as coisas sob o jugo do pecado, a fim de que a promessa, através da fé em Jesus Cristo, fosse dada aos que creem” (cf. o pecado “original” e a graça em Rm 5,12-21). A vontade de Deus não é a vingança ou destruição, mas misericórdia: “Porventura tenho eu prazer na morte do ímpio? – oráculo do Senhor – porventura não alcançará ele a vida se se converter de seus maus caminhos?” (Ez 18,23).

Ó profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são inescrutáveis os seus juízos e impenetráveis os seus caminhos! De fato, quem conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem se antecipou em dar-lhe alguma coisa, de maneira a ter direito a uma retribuição? (vv. 33-35).

Para concluir a proposta de salvação universal, Paulo contempla o final da história, quando a humanidade toda se reúne, salva por Deus. Ele transborda em exclamações de admiração e de adoração (cf. Sl 139,6.17s; Sb 17,1; Jr 23,18; 1Cor 2,11.16).

A Bíblia do Peregrino (p. 2728) comenta: Encerra a exposição com uma doxologia ampla ou com um hino minúsculo, exaltando a sabedoria do desígnio salvador de Deus (Is 40,13; Jó 11,6; 15,8). Pela revelação o ser humano descobre um abismo, cuja profundidade pressente, mas que não pode medir nem sondar. O mistério é sempre maior que a capacidade humana (Sl 139,6).

Na verdade, tudo é dele, por ele, e para ele. A ele, a glória para sempre. Amém! (v. 36)

A fórmula final nos diz o sentido último de tudo (sentido=direção) respondendo de certo modo a pergunta do ser humano: “De onde viemos, para onde vamos, quem somos?” (cf. NA 1, Concílio Vaticano II, n.º 1580). Poderíamos traduzi-la em categorias temporais: começo/origem (de), meio (por) e fim (para), que correspondem ao Deus que “era, é e será” (Ap 1,4; cf. Ex 3,14 grego).

 

Evangelho: Lc 14,12-14

No cap. 14, Lc junta quatro episódios que têm a ver com banquete, ou seja, convite à refeição. Em Lc, Jesus é convidado com frequência por fariseus (cf. 7,36; 11,37), desta vez por ”um dos chefes” deles (14,1; cf. em 19,2 fará refeição com o chefe dos publicanos). O que Jesus fala nestas refeições deve ter significado também nas refeições dos cristãos e na Eucaristia.

Em seguida, Jesus disse àquele que o tinha convidado: “Quando deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos nem teus irmãos nem teus parentes nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa” (v. 12).

Sobre retribuição ou generosidade desinteressada, Jesus já falou no sermão da planície em 6,32-33 (cf. Mt 5,46s e a “recompensa” em Mt 6). Os convites mútuos, como costume social, criam e afiançam um círculo de bem-estar, do qual são excluídos (ou se excluem) os mais necessitados.

“Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (vv. 13-14).

A generosidade para como os pobres é motivo tradicional (Is 58,7-12; Sl 112,9; Eclo 7,32-33). A novidade está no modelo de convidados (todos os enumerados são pobres e excluídos) e na recompensa escatológica (cf. o reino de Deus em v. 15; 6,20). A “recompensa na ressurreição dos justos” (cf. Dn 12,2s; 2Mc 7) é a glorificação a exemplo e pelo dom de Jesus Cristo (no dia da sua vinda; cf. 17,22-37).

A Bíblia do Peregrino (p. 2506) comenta: A caridade que Jesus prega e pratica rompe esse círculo de convites mútuos a favor dos indigentes e também em proveito de quem é caridoso. O convite interesseiro atinge seu pagamento neste mundo e nesta vida. A caridade desinteressada tem pagamento transcendente.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2009) comenta: Apoiando-se neste texto e em 20,35, vários pensam que Lc não admitia ressurreição para os pecadores (este conceito se encontra em certos meios do judaísmo de então). Mas Lc anuncia em At 24,15 uma ressurreição dos justos e dos pecadores. As sus expressões aqui e em 20,35 explica-se pelo fato de que só os justos chegarão à verdadeira vida.

Segundo 2 Rs 5,8 (versão grega), os cegos e os aleijados não podiam entrar no Templo (mas mendigavam na porta, cf. At 3,2; Jo 8,59-9,1; cf. Lc 19,35p). A comunidade de Qumran não aceitava aleijados e surdos no meio dela. Jesus, porém, dá preferência a eles no reino de Deus. A nossa sociedade atual ainda está no começo de dar preferência a eles (ex. assentos no ônibus, fila preferencial etc.). O que a comunidade cristã está fazendo para incluí-los mais na vida da Igreja e na Eucaristia?

O site da CNBB comenta: O nosso relacionamento com as pessoas não pode ter como ponto de partida o interesse ou a retribuição, mas a gratuidade. Afinal de contas, Deus nos ama gratuitamente e nos concede tudo o que somos e temos sem nada exigir em troca. Mas o amor de Deus para conosco vai além da gratuidade: ele nos retribui por tudo o que fazemos gratuitamente em favor dos nossos irmãos e irmãs. Vivamos a gratuidade para que o próprio Deus seja a nossa eterna recompensa por tudo o que fizermos em favor dos sofridos e marginalizados deste mundo, que não têm ninguém por si e que são rejeitados em todos os ambientes, por não poderem retribuir de acordo com os critérios do mundo.

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