06 de outubro de 2017 – Sexta-feira, 26ª semana

Leitura: Br 1,15-22

Ouvimos hoje e amanhã do livro de Baruc. Como se apresenta hoje em nossas Bíblias, o livro de Baruc é composto de textos com gêneros literários diferentes. Depois de uma introdução histórica (1,1-14), a primeira parte, em prosa, contém uma confissão de pecados e uma súplica (1,15-3,8). A segunda parte, em poesia, contém uma exortação no estilo dos livros sapienciais (3,9-4,4) e um oráculo sobre a restauração de Jerusalém e do povo (4,5-5,9). Por fim, uma carta contra idolatria, atribuída ao profeta Jeremias (Br 6). O certo é que esses textos não são de Baruc, o secretário de Jeremias, mas foram escritos provavelmente no século II a.C.

Como secretário (Jr 32), porta-voz (Jr 36), companheiro (Jr 43), e como destinatário de um oráculo pessoal (Jr 45), Baruc, filho de Nerias, desempenhou papel importante na missão de Jeremias. A partir desses dados escassos surgiu e cresceu a lenda do personagem. Isso moveu escritores tardios a se amparar no seu nome, ilustre e menos gasto, para lhe atribuir escritos pseudônimos. Entre esses escritos se encontra o presente, o único encontrado em nosso cânon como deuterocanônico, ou seja, faz parte dos sete livros do AT que não estão na Bíblia hebraica nem na dos protestantes. O original hebraico é desconhecido; o que chegou até nós foi uma versão grega do presente livro. Seus modelos são as orações penitenciais de Esd, Ne e Dn e as grandes profecias de Is 40-66.

O livro tem o mérito de conservar o sentimento religioso dos israelitas dispersos pelo mundo todo após a ruína de Jerusalém e a perda de quase todas as suas instituições. Mostra como eles conservaram viva a consciência de ser um povo adorador do verdadeiro Deus. Ao mesmo tempo, mostra a consciência que tinham do desastre nacional: não atribuem tudo isso à infidelidade de Javé; ao contrário, reconhecem que os males se originaram por culpa deles próprios: estão assim porque desprezaram a palavra dos profetas, rejeitaram a justiça e a verdadeira sabedoria. Mas, ao lado dessa consciência de seus pecados, conservam uma viva esperança, pois acreditam que Deus não abandona o seu povo e continua fiel às promessas. Se houver arrependimento e conversão, poderão confiar no perdão divino: serão reunidos de novo em Jerusalém, que é para sempre a cidade de Deus.

Os fiéis dispersos relembram os horrores da queda de Jerusalém e falam de sua própria dor, para confessar seus pecados, cujo castigo o Deuteronômio já anunciara (cf. Dt 28,15-68). Meditando sobre sua história, a geração presente reconhece o pecado das gerações passadas e se solidariza com elas. É importante que o povo de Deus reconheça seus próprios erros e pecados, a fim de proclamar a inocência e justiça de Deus.

Ao Senhor nosso Deus, cabe justiça; enquanto a nós, resta-nos corar de vergonha, como acontece no dia de hoje aos homens de Judá e aos habitantes de Jerusalém, aos nossos reis, nossos príncipes e sacerdotes, aos nossos profetas e nossos antepassados: pois pecamos diante do Senhor e lhe desobedecemos e não ouvimos a voz do Senhor, nosso Deus, que nos exortava a viver de acordo com os mandamentos que ele pôs sob os nossos olhos (vv. 15-18).

A primeira confissão em Br (1,15-2,10) tem como molduras as proclamações correlativas da justiça de Deus e do rubor do povo. Deus é parte e não juiz; é parte pelo compromisso da aliança, na qual se baseia o título “nosso Deus” (cinco vezes “Senhor, nosso Deus” na leitura de hoje). Não vem condenar como juiz, mas denunciar como parte ofendida.

Aos habitantes de Judá é que cabe a responsabilidade pela ruptura da aliança: as desgraças que nos feriram são consequência do nosso pecado. O “nós” (vv. 15.17) parece referir-se aos habitantes de Jerusalém, enquanto os exilados são mencionados na 3ª pessoa plural (“eles”, 2,4s).

Para descrever a obediência total exigida pela aliança a que Israel se recusara, o autor repete expressões frequentes em Jeremias e no Deuteronômio: “escutar a voz do Senhor” (repetido em Br 1,19.21; 2,5.10.22.24.29; 3,4; cf. Ex 15,26; 19,5; 23,22; Dt 4,30; 15,5; Jr 3,13.25; 7,23; 11,4; 22,21); “andar conforme os mandamentos” (Lv 26,3; Jr 26,4; 32,23; 44,10,23) “que ele colocou diante de nós” (Dt 4,8; 11,26.2;30.1.15.19).

Desde o dia em que o Senhor tirou nossos pais do Egito, até hoje, temos sido desobedientes ao Senhor nosso Deus, procedemos inconsideradamente, deixando de ouvir sua voz; por isso perseguem-nos as calamidades e a maldição, que o Senhor nos lançou por meio de Moisés, seu servo, no dia em que tirou nossos pais do Egito, para nos dar uma terra que mana leite e mel, como de fato é hoje (vv. 19-20).

Confissão de um pecado original histórico: Israel é pecador e infiel desde a sua juventude, tema da pregação profética e elemento das orações penitencias (Jr 7,25; 11,7; Ez 16; 20; 23; Ne 9; Sl 78; 106 etc.). Cumpriram-se as maldições de Lv 26 e Dt 28.

Mas não escutamos a voz do Senhor, nosso Deus, como vem nas palavras dos profetas que ele nos enviou, e entregamo-nos, cada qual, às inclinações do perverso coração, para servir a outros deuses e praticar o mal aos olhos do Senhor, nosso Deus! (vv. 21-22)

Os profetas atualizam o compromisso da aliança. Seguem as ressonâncias do discurso de Jeremias no templo (7,24s; 11,7; 16,11s).

 

Evangelho: Lc 10,13-16

Lc encontrou a maldição das três cidades da Galileia na fonte de palavras (chamada Q, comum com Mt; cf. Mt 11,21-24). No contexto de Lc, os vv. 12-15 são um lamento profético sobre toda cidade que não acolhe a mensagem dos seus enviados (apóstolos e discípulos)

Ai de ti, Corazim! Aí de ti, Betsaida! (v. 13a)

Corazim, nome desconhecido até o período do NT (só aparece aqui e em Mt 10,21), cidade situada a 3km de Cafarnaum. Os apóstolos Pedro, André e Filipe eram naturais de Betsaida (Jo 1,44), na embocadura do rio Jordão, reconstruída por Herodes Filipe com o nome de Júlia.

Porque se em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres que foram feitos no vosso meio, há muito tempo teriam feito penitência, vestindo-se de cilício e sentando-se sobre cinzas. Pois bem: no dia do julgamento, Tiro e Sidônia terão uma sentença menos dura do que vós (vv. 13b-14).

Atraída pela figura das cidades fechadas à mensagem (vv. 10-12), soa aqui essa maldição contra povoados da Galileia, onde Jesus tinha pregado e feito milagres. Na verdade, não se trata de uma maldição, mas de uma lamentação e de um último apelo (cf. 6,24-26; Mt 23,13). O estilo é dos ais pronunciados por profetas contra nações ou impérios pagãos. Isaias e Ezequiel pronunciaram seus oráculos contra as cidades pagãs no litoral do Líbano, Tiro e Sidônia (Is 23,1-8; Jr 25,22; 47,4; Ez 26-28; cf. Jl 4,4; Am 1,9-10; Zc 9,2-4; Mc 7,24.31). “Vestindo-se de cilício e sentando-se sobre cinzas” (cf. Js 7,6; Jó 2,8; Jr 6,26; Ez 27,30 e Jn 3,5-8 na cidade pagã de Nínive) é uma espécie de confissão pública encenada, por meio da qual os participantes se reconhecem pecadores.

Mas as três cidades no litoral do lago Genesaré (mar da Galileia), em ordem crescente, haviam recebido um tratamento preferencial por parte de Jesus. Preferidas à Jerusalém, a cidade preferida de Javé Deus em outros tempos. A má resposta a graça abundante é agravante; por isso sua condenação será mais grave.

Ai de ti, Cafarnaum! Serás elevada até o céu? Não, tu serás atirada no inferno (v. 15).

Cafarnaum, cidade de Jesus e centro de suas operações (cf. Mt 4,13), atrai o oráculo contra Babilônia (Is 14,13-15; cf. Ez 26,20; 28,8.17). Não é sem ironia dizer de uma cidade costeira que ela tenta elevar-se até o céu (cf. os prédios arranha-céus de Manhattan em Nova York e a torre de Babel em Gn 11).

Quem vos escuta, a mim escuta; e quem vos rejeita, a mim despreza; mas quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou (v. 16).

A leitura de hoje termina com uma frase de Jesus referindo-se a missão dos discípulos (v. 3; cf. Mc 9,37). O discípulo enviado representará Jesus que o envia (cf. At 9,4), como Jesus representa o Pai que o enviou: “Como o Pai me enviou, eu vos envio” (Jo 20,21). É o princípio clássico da representação aplicada à missão dos discípulos (cf. Moisés em Nm 12,6-8). Lc inclui todos os cristãos na missão e evangelização ressaltando a grandeza da tarefa dos missionários, participantes da missão de Jesus. Esta sentença se encontra também sob várias formas nos evangelhos: positiva em v. 16a; Mt 10,40; 18,5p; Jo 13,20; negativa em v. 16b e em Jo 5,23 (por causa do contexto polêmico).

O site da CNBB comenta: Existem pessoas que vivem profundamente uma religião, mas na verdade essas pessoas não possuem fé. Fazem da religião um ritualismo e um cumprimento de preceitos e conhecem todos os seus dogmas e suas normativas morais, porém não possuem fé, porque não se sentem interpelados por Deus para a mudança de vida tanto em nível pessoal como comunitário. São pessoas que como diz o profeta Isaías, louvam a Deus com os lábios, mas seus corações estão longe dele, porque na verdade, não compreenderam que Deus é amor. O coração que se aproxima de Deus é o coração que é capaz de amar, não com romantismo, mas com compromisso de solidariedade, de busca de libertação, de luta contra a exclusão. Este sim é o verdadeiro amor, e esta é a verdadeira conversão.

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