08 de junho de 2017 – Quinta-feira, 9ª semana

1ª Leitura: Tb 6,10-11; 7,1.9-17; 8,4-9a

Infelizmente a liturgia omitiu o encontro de Tobias com o arcanjo Rafael (5,4-7). O anjo não é reconhecido como tal (cf. Lc 24,15s), se apresenta com o nome “Azarias” (5,13; 6,7; 7,1…) e se desfaz como jovem desempregado (5,5: “Vim procurar trabalho”). Enquanto em grego a palavra “anjo” quer dizer mensageiro (ev-angelho = boa mensagem), em hebraico soa como trabalhador; em Tb, seu trabalho é companheiro de viagem (cf. Gn 24,7.40; Ex 23,20-23; 32,34; 33,2), anjo de guarda (5,17.22) e de cura (o nome Rafael significa: Deus cura, cf. 3,17). Ele indica o remédio para curar o pai Tobit e afastar o demônio de Sara através das entranhas de um peixe que Tobias agarra na beira do rio (6,2-9). Foi contratado para acompanhar Tobias que ia recuperar um dinheiro (cerca de 300 kg de prata) que seu pai tinha depositado na terra distante da Média (cf. 1,14; 4,1.20; 5,15).

Depois de penetrarem na Média e aproximando-se de Ecbátana, Rafael disse ao jovem: “Tobias, meu irmão!” “Pronto!”, respondeu-lhe Tobias. Rafael prosseguiu: “Esta noite devemos hospedar-nos em casa de Ragüel”. Este homem é teu parente e tem uma filha que se chama Sara (6,10-11).

No meio do caminho, Rafael sugere de hospedar-se na casa Raguel, parente de Tobias e pai de Sara (6,11), que ficara viúva sete vezes na noite nupcial (cf. 3,7-8; cf. leitura de ontem). Rafael fala da beleza dela e como espantar o demônio que matou os maridos.

7,1Quando entraram em Ecbátana, Tobias disse a Rafael: “Azarias, meu irmão, conduz-me diretamente à casa do nosso irmão Ragüel”. O anjo assim o fez. Encontraram Ragüel sentado junto à porta do pátio e foram os primeiros a saudá-lo. Ragüel respondeu: “Muitas saudações, irmãos! Sejam bem vindos e tenham saúde!” E os fez entrar em casa (7,1).

Raguel não sabia quem eram os viajantes, mas percebeu uma semelhança de Tobias com seu parente Tobit. Então Tobias se apresenta (nossa liturgia omite as demais saudações e o choro em vv. 2-8).

Matou depois um carneiro do rebanho e fez-lhes calorosa recepção. Depois de tomarem banho e se terem purificado, puseram-se à mesa. Tobias disse então a Rafael: “Azarias, meu irmão, dize a Ragüel que me dê Sara, minha irmã, como esposa”. Ragüel ouviu aquelas palavras e disse ao jovem: “Come, bebe e passa tranquilamente esta noite. Não há ninguém com direito de receber Sara, minha filha, como esposa, senão tu, meu irmão. Do mesmo modo, também eu não tenho direito de dá-la a ninguém senão a ti, porque és o meu parente mais próximo. Vou, no entanto, dizer-te toda a verdade, meu filho. Dei-a a sete homens dentre nossos irmãos, e todos morreram na noite em que iam aproximar-se dela. Agora, filho, come e bebe, e o Senhor providenciará por vós”. Tobias respondeu: “Não comerei nem beberei, antes que decidas a minha situação”. Ragüel respondeu: “Está bem. É a ti que ela é dada, de acordo com a prescrição do Livro de Moisés. Assim, se o céu decreta que ela te seja dada, leva contigo tua irmã. Desde agora, tu és seu irmão e ela tua irmã. Desde hoje, ela te é entregue para sempre. Que o Senhor do céu vos faça felizes esta noite, meu filho, e vos conceda misericórdia e paz!”. Ragüel chamou Sara, sua filha, e ela se aproximou. Ele tomou-a pela mão e entregou-a a Tobias, dizendo: “Recebe-a de acordo com a Lei e de acordo com o preceito escrito no Livro de Moisés, pelo qual ela te deve ser dada como esposa. Toma-a e leva-a, feliz, à casa de teu pai. Que o Deus do céu vos conduza em paz!”. Chamou a mãe da moça e disse-lhe que trouxesse uma folha de papiro para escrever o contrato de casamento, declarando que a entregava a Tobias como esposa segundo a sentença da Lei de Moisés. E a mãe dela trouxe a folha de papiro e ele escreveu e assinou. Depois disso, começaram, então, a comer e a beber. Ragüel chamou Edna, sua mulher, e disse-lhe: “Irmã, prepara outro quarto e conduz Sara para lá”. Ela foi preparar o leito no quarto, como o marido lhe dissera e para lá conduziu a filha. Chorou sobre ela, mas em seguida enxugou as lágrimas e disse-lhe: “Coragem, minha filha! O Senhor do céu mude em alegria a tua tristeza. Coragem, filha!” E saiu (7,9-17).

Depois de entrar na casa, durante o jantar, Tobias pede Sara em casamento. O pai de Sara não pode negar o pedido, porque as filhas herdeiras deviam-se casar dentro do clã do próprio pai para conservar o patrimônio (cf. Nm 36,6-9; Gn 24; 29), mas informa que todos os outros que casaram com Sara morreram, antes de consumar o matrimônio. “Come, bebe e passa a tranquilamente esta noite. Não há ninguém com direito de receber Sara, minha filha, como esposa, senão tu, meu irmão… Dei-a a sete homens dentre nossos irmãos, e todos morreram na noite em que iam aproximar-se dela” (7,10-11). Sabendo disso Tobias está tão seguro e decidido que não considera as objeções de Raguel. Não quer antes de assinar os papéis (naquela época “uma folha de papiro”, v.14) e firmar o matrimônio de acordo com a “prescrição de Moisés” (7,12-14). Depois de jantar, os dois se retiram para o quarto nupcial. Conforme o conselho de Rafael, Tobias tira “da bolsa o fígado e o coração do peixe e colocou-os sobre a brasa do defumador. O cheiro do peixe manteve à distância o demônio que fugiu pelos ares até as regiões do Egito. Rafael foi até lá, algemou-o e acorrentou-o de imediato” (8,2-3 omitido pela leitura de hoje).

Depois, os pais retiraram-se e fecharam a porta do quarto. Tobias levantou-se do leito e disse a Sara: “Levanta-te, irmã! Oremos e imploremos a nosso Senhor que nos conceda misericórdia e salvação”. Ela levantou-se, e ambos se puseram a orar e a suplicar que lhes fosse concedida a salvação. Ele começou dizendo: “Tu és bendito, ó Deus de nossos pais, e bendito é o teu nome, por todos os séculos e gerações! Que os céus e todas as tuas criaturas te bendigam por todos os séculos! Foste tu quem criou Adão, e para ele criaste Eva, sua mulher, para que lhe servisse de ajuda e apoio. De ambos teve início a geração dos homens. Tu mesmo disseste: “Não é bom que o homem esteja só. Vamos fazer-lhe uma auxiliar semelhante a ele”. Agora, Senhor, não é por desejo impuro que eu recebo, como esposa, esta minha irmã, mas faço-o de coração sincero. Sê misericordioso comigo e com ela e concede-nos que cheguemos, juntos, a uma idade avançada”. Disseram, depois, a uma só voz: “Amém! Amém!” E recolheram-se ao leito, aquela noite (8,4-9a).

Tobias sugere uma oração, antes de consumar o matrimônio: “Tu és bendito, Deus de nossos pais, … (8,6; cf. 3,11). Nesta oração se refere a criação de Adão e Eva (Gn 2,18; cf. Mc 10,6-8 que referem o casamento a Gn 1,27; 2,24). “Agora Senhor, não é por desejo impuro que eu recebo, como esposa, esta minha irmã, mas faço-o de coração sincero” (8,7) Tb emprega a o termo “irmã(o)” para designar correligionários (1,3 etc.), parentes (6,19 etc.) e os esposos (5,22; 7,12.15; 8,4.21; 10,6.13; cf. Ct 4,9 etc.). Na Bíblia, sentimentos pessoais como amor e afeição não se deve interpretar só pela psicologia, mas fazem parte do plano divino de salvação. Esta é uma diferença desta narrativa com as novelas de hoje.

Como a história vai continuar? Tobias sobrevive? Raguel não tem muita esperança: “Ora, Raguel levantou-se e reuniu os empregados. Eles saíram para cavar uma sepultura…” (8,10).

Evangelho: Mc 12,28-34 (de: Quaresma 3ªs 6ªf)

No meio das últimas controvérsias com os adversários em Jerusalém (cap. 11-12), Mc nos apresenta um diálogo que não é hostil. É sobre o mandamento do amor (em Jo 13,34, semelhante mandamento é apresentado na última ceia).

Um mestre da Lei aproximou-se de Jesus e perguntou: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” (v. 28b).

No judaísmo, a própria pergunta sobre o primeiro de todos os mandamentos já era uma polêmica. Muitos a consideravam até uma blasfêmia, fazer diferença entre mandamentos mais importantes e menos importantes, já que cada um vem do Senhor e ele só dá mandamentos importantes. No AT (Antigo Testamento), mais precisamente na Lei de Moisés (os cinco primeiros livros chamados Torá em hebraico, Pentateuco em grego), não só havia o decálogo,  (= dez palavras/mandamentos”: Ex 20; Dt 5). Os rabinos contavam um total de 613 mandamentos da Lei (365 proibições e 248 mandatos). Não se podia fazer uma síntese de todos eles? As respostas que já foram dadas repetem um dos 10 mandamentos, p. ex. o primeiro (contra os ídolos) ou o terceiro (santificar o sábado) ou o quarto (honrar os pais). Haverá outras sínteses, mas sem citar um texto bíblico, combinando por p. ex. os deveres a respeito de Deus e dos semelhantes: “servir com santidade e justiça” (cf. Lc 1,75), ou a Regra de Ouro (Mt 7,12; Lc 6,31). Mas a pergunta de uma mestre da Lei requer uma citação da Lei de Moisés.

Jesus respondeu: “O primeiro é este: ‘Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força!’ O segundo mandamento é: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo!’ Não existe outro mandamento maior do que estes” (vv. 29-31).

A resposta de Jesus é uma combinação original de dois textos da Lei de Moises. O primeiro começa com o shema (“ouve/escuta”), ou seja, a profissão de fé monoteísta que os judeus costumam guardar por escrito em cápsulas e faixas de couro colocadas na testa ou na entrada da casa: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6,4). Como ele é o único (ao contrário do politeísmo), ele exige toda atenção e adoração: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda tua alma, de todo o teu entendimento e com toda tua força” (Dt 6,5).

Do amor a Deus nasce o amor a suas criaturas.  “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Jesus não especifica aqui o significado da palavra “próximo” (em Lv 19,18 era o compatriota; em Lc 10,29-37 será o bom samaritano, ou seja, qualquer um, até o inimigo, cf. Mt 5,43-48p). Estes dois mandamentos equivalem as duas tábuas do decálogo (deles “dependem toda a Lei e os Profetas”, Mt 22,40), e mais ainda: “amar” exige mais criatividade do que renunciar, dizer não, “não ter outros deuses”, “não pronunciar o santo nome em vão”, “não matar”, “não furtar” etc.

O mestre da Lei disse a Jesus: “Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: Ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (vv. 32-33).

Em Mc, o escriba perguntou Jesus sem segundas intenções (v. 28; em Mt e Lc, os fariseus e um legista já querem pô-lo a prova). Ele elogia a resposta de Jesus e a repete com outras palavras (cf. Dt 4,35; Is 45,21), afirmando que cumprir estes dois mandamentos “é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (doutrina frequente no AT, cf. Is 1,10-20; Sl 50; Eclo 34-35).

Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência, e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus (v. 34).

Jesus, por sua vez, atesta a inteligência do mestre da lei e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. O letrado aceitou a soberania de Deus na velha legislação, agora se abre ao Reino de Deus presente em Jesus. Para a comunidade de Mc, este letrado simpatizante se incorpora a Igreja e pode representar outros (cf. Mt 13,52). Mt e Lc omitem a resposta e o elogio deste mestre da lei, provavelmente porque ambos escrevem 10 a 15 anos depois de Mc e da destruição do templo (70 d.C.), Na época de Mt e Lc já não há mais holocaustos nem sacrifícios num templo destruído e a classe dos sacerdotes (saduceus) sumiu, mas os fariseus tornam-se os opositores principais dos cristãos (cf. Mt 23; Jo 9,22; 12,42).

Em todos os quatro evangelhos, Jesus coloca o amor como critério soberano (cf. ainda Jo 13,34s; 15,12s17). Quem ama, não está mais longe de Deus, porque “Deus é amor” (1Jo 4,8.16; cf. 1Jo 3,11-24; 4,20-21).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas acham que para serem salvas, é suficiente cumprir todas as suas obrigações de ordem religiosa como a participação nas celebrações e atos devocionais. O escriba do Evangelho de hoje afirma que amar a Deus e ao próximo é melhor do que as práticas religiosas, no caso os holocaustos e os sacrifícios, e Jesus confirma isso ao afirmar que ele não está longe do reino de Deus. A nossa vida religiosa só tem sentido enquanto é um reflexo do amor vivido concretamente, ou seja, enquanto é manifestação da nossa solidariedade. Caso contrário, a religião se reduz a práticas mágicas, bruxarias, rituais vazios, que nada acrescentam a ninguém e não nos aproxima de Deus.

A Bíblia Pastoral comenta: Jesus resume a essência e o espírito da vida humana num ato único com duas faces inseparáveis: amar a Deus com entrega total de si mesmo, porque o Deus verdadeiro e absoluto é um só e, entregando-se a Deus, o homem desabsolutiza a si mesmo, o próximo e as coisas; amar ao próximo como a si mesmo, isto é, a relação num espírito de fraternidade e não de opressão ou de submissão. O dinamismo da vida é o amor que tece as relações entre os homens, levando todos aos encontros, confrontos e conflitos que geram uma sociedade cada vez mais justa e mais próxima do Reino de Deus.

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