08 de novembro de 2017 – Quarta-feira, 31ª semana

 

Leitura: Rm 13,8-10

Continuamos na segunda parte da carta, a exortação prática. No cap. 13, Paulo falou sobre a submissão necessária à autoridade civil (vv. 1-7). No ano da carta (57/58) já reinava César Nero (54-68), mas ainda não havia estourado a primeira perseguição violenta contra os cristãos em Roma da qual Pedro e o próprio Paulo seriam vítimas. Na carta, Paulo supõe que as autoridades são legítimas e honestas.

Como Jesus (Mc 12,13-17p), Paulo não nega o direito da autoridade de cobrar impostos: “Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto a quem é devido; a taxa a quem é devida; a reverência a quem é devida; a honra a quem é devida” (v. 7). Depois continua falando do que estamos devendo em geral, é o amor ao próximo.

Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo – pois quem ama o próximo está cumprindo a Lei (v. 8).

A Bíblia do Peregrino (p. 2730) comenta: A formulação é aguda e paradoxal pelo contraste que o uso do próprio termo provoca. Pois, se a obrigação é como dívida que se deve pagar, o amor deixa de ser amor se é pagamento de dívida. Dever sim, dívida não; o amor vai mais longe que o agradecimento.

De fato, os mandamentos: “Não cometerás adultério”, “Não matarás”, “Não roubarás”, “Não cobiçarás”, e qualquer outro mandamento se resumem neste: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”. O amor não faz nenhum mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da Lei (vv. 9-10).

Como Jesus nos evangelhos (Mc 12,28-34; Mt 22,39; Lc 10,26s; cf. Mt 19,19; Jo 13,34; 15,12.17; cf. 1Jo 2,7-11), Paulo também resume toda a Lei de Moisés no amor, aqui no amor ao próximo que resume a segunda tábua do decálogo (10 mandamentos). O que o decálogo articula (Ex 20 e Dt 5) é resumido num versículo: Lv 19,18. Em Mt 5,43, é citado com um acréscimo (odiar os inimigos); em Lc 10,29-37 provoca uma pergunta à qual responde a parábola do bom samaritano). Sobre o amor-caridade, cf. ainda o hino 1Cor 13,4-7 e Cl 3,14.

Por mais simples que soa este mandamento do amor, nem sempre é fácil praticá-lo. Amor-caridade não é só cumprir preceitos, mas exige criatividade, coragem e certo êxodo de si (sair do próprio egoísmo). S. Tomás de Aquino definiu amor como “querer o bem do outro” (cf. a regra de ouro, um outro resumo da Lei em Mt 7,12). Isto é mais do que mero sentimento ou emoção (cf. Jo 15,13), inclui também ações sociais e políticas e pode custar a própria vida (cf. Jo 15,13).

Não basta para um cristão guardar os dez mandamentos (assim seria só um bom judeu), tem que amar como Jesus amou (cf. o novo mandamento em Jo 13,34: “uns aos outros”, ou Mt 5,44: “amai os inimigos”). Não basta dizer: “Não roubei, não matei, logo sou bom para meu próximo”. Quem não pratica o mal, mas se omite ou negligencia a responsabilidade pelo outro, não ama verdadeiramente o seu próximo. Na família e na comunidade somos responsáveis uns pelos outros, não devemos ficar no comodismo, mas ajudar-nos a crescer juntos e ser alguém melhor.

 

Evangelho: Lc 14,25-33

Depois das parábolas sobre convites a banquetes (cf. vv. 1-24), Lc escreve sobre a renúncia no chamado, sobre umas exigências de vocação que se pode juntar com as três frases de 9,57-62. Jesus caminha para Jerusalém a fim de padecer e morrer na cruz. Nesse contexto soam as condições radicais para o seguimento.

Grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo (v. 26).

Depois do banquete na casa do fariseu, “grandes multidões acompanhavam” de novo Jesus. Jesus dirige-se a elas, ou seja, a todos os discípulos, presentes e futuros. Muitos querem fazer parte do banquete do reino, mas as exigências do seguimento não são pequenas (cf. 13,22-24). O acesso ao banquete do Reino de Deus, do qual se falava antes (vv. 15-24, evangelho de ontem), está condicionado ao seguimento de Jesus. Ele não é só o fim da lei judaica (Rm 10,4), mas questiona também os laços naturais da família.

“Desapegar”, lit. “odiar” seu pai e sua mãe, é um exagero do estilo hebraico (cf. 9,60; Mt 5,29s). Como a língua do AT não tem comparativo, este verbo significa aqui “amar menos” (cf. Gn 29,30s.33; Dt 21,15s; Jz 14,16; Is 60,15; Ml 1,3; Lc 16,13). Jesus não exige ódio, mas “desapego” completo e imediato (cf. 9,57-62).

A Bíblia do Peregrino (p. 2506) comenta: Os vínculos puramente humanos de família e o interesse pessoal interferem muitas vezes e contrastam com o chamado de Jesus. Por isso os seguidores ou discípulos de Jesus têm que rejeitar, “odiar” esses impedimentos (cf. Dt 33,9). Se não está disposto a isso, não reúne as condições para rematar o projeto.

Na bênção a Levi, Moisés declarou: “Disse a seus pais: Não faço caso de vós; a seus irmãos: Não vos reconheço; a seus filhos: Não vos conheço”, porque antepuseram o mandamento de Deus (Dt 33,9, referindo-se aos idólatras do bezerro de ouro em Ex 32,26-29).

Diferentemente de Mt 10,37, Lc menciona aqui o amor da “mulher” que também deve ceder a prioridade ao amor do Cristo; assim o evangelista exprime sua tendência ascética (cf. v. 20; 18,29; cf. 20,35s; 1Cor 7).

Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo (v. 27).

Este desapego à família significa renúncia e sacrifício; faz parte do sofrimento “por causa de mim” e de carregar a cruz “cada dia” (9,23-24p). O discípulo deve estar disposto a seguir Jesus até a morte em Jerusalém. Esta renúncia do discípulo inclui também os bens materiais (v. 33). O apego à família é emocional, para superá-lo precisa usar também a razão como mostram as duas parábolas da torre e da guerra, ambas próprias de Lc.

Com efeito: qual de vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai lançar o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a caçoar, dizendo: ‘Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!’ (vv. 28-30).

Os inícios interrogativos “qual de vós” são frequentes nas parábolas de Lc (cf. 11,5; 14,28.31; 15,4.8; 17,7; cf. 11,11; 12,25s; 14,5). Aqui pode se tratar de uma dessas torres que se construíam nos pomares para vigiar ou como abrigo contra o mau tempo (Is 5,2), mais sólidas e cômodas que uma cabana (Is 1,8). O seguimento de Jesus não é coisa fácil, é preciso pensar, refletir e planejar bem, se pode assumi-lo para não fracassar e tornar-se ridículo depois.

Ou ainda: Qual rei que, ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que não pode, enquanto o outro rei ainda está longe, envia mensageiros para negociar as condições de paz (vv. 31-32).

Em 2Sm 8,9s, temos um caso concreto de um rei prudente que procura negociar a paz.

A Bíblia do Peregrino (p. 2507) comenta: As duas parábolas insistem no conhecimento das condições e na plena consciência com que se deve tomar a decisão de seguir Jesus. Diferente parece o caso dos pescadores e de Levi, a quem uma palavra soberana de Jesus ilumina e move (5,1-11.27-28); ou o caso de Paulo, cegado e iluminado (At 9). Talvez se inspirem nas normas de prudência que a sabedoria ordena: “Com sensatez constrói-se uma casa… Com estratagemas ganha-se a guerra” (Pr 24,3.6).

Lc gosta de pares de parábolas (cf. 5,36-38; 13,18-21; 14,28-32; 15,4-10; cf. 13,1-5; talvez 11,5-8 estava junto com 18,2-5). Aqui, as duas são um exemplo de refletir antes de um empreendimento importante, sem dúvida o de engajar-se no seguimento de Jesus. Representam uma parte dos destinatários greco-romanos de Lc: empresários, funcionários públicos, soldados (cf. as categorias em 3,10-14; 8,3; 19,1-10 etc.).

Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” (v. 33)

Lc não parece estabelecer distinção entre os discípulos: “qualquer um de vós”. A advertência vale para todos.

Este v. retoma a conclusão dos vv. 26-27 e dá uma aplicação nova às duas parábolas precedentes. Faz delas um apelo a “renunciar” a todos os bens próprios. É um ensinamento predileto de Lc (12,13-34; 16,1-13; 18,24-30; cf. 5,11.28; 18,22).

Esta conclusão contém um paradoxo na aplicação: Para construir ou fazer guerra é preciso contar com meios, mas, para seguir Jesus, o essencial é não possuí-los. Os discípulos não precisam de meios materiais, mas de espirituais (cf. a missão deles em 9,1-3; 10,4). O rei “mais forte” é Deus ou Jesus que vem ao nosso encontro (parusia); é preciso “reconciliar-se” com ele (cf. 3,16s; 2Cor 5,19-20). Sem Deus, o nosso projeto humano não haverá êxito (cf. a torre de Babel em Gn 11).

O que vale como moral das parábolas vale também para o seguimento de Jesus e para a formação vocacional nos seminários. É preciso discernir a própria vocação e usar a razão para a maior glória de Deus.

O site da CNBB comenta: O nome de cristão é motivo de orgulho para muita gente e muitos usam esse nome e fazem propaganda do fato de serem cristãos. Mas muitos são cristãos de apenas de nome e de conversa, porque quando surgem as exigências da vivência coerente com o evangelho, são os primeiros a recuarem e a ficarem teorizando formas de religião que justifiquem a sua incoerência evangélica e outros valores nada cristãos que marcam as suas vidas. A exigência de Jesus é clara: renunciar a todos os valores que são contrários ao evangelho e fazer do seu seguimento o centro da própria vida. O resto é conversa fiada de quem quer usar do discurso para legitimar os próprios erros.

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