09 de Dezembro de 2018, Domingo: E assim ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo, cheios do fruto da justiça que nos vem por Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus (vv. 10b-11).

1ª Leitura:Br 5,1-9

O livro de Baruc só veio a nós na versão grega do AT, não consta na Bíblia Hebraica (e, por isso, tampouco na Bíblia dos protestantes). Foi escrito (ou concluído) na diáspora (dispersão) judaica na segunda metade do século II a.C., mas o autor o atribui ao secretário do profeta Jeremias (1,1.3), confessando o pecado de Jerusalém e anunciando a restauração depois do exílio babilônico (séc. VI a.C.).

O texto de Br 5,1-9 pertence à parte final do livro de Baruc (4,5-5,9; o cap. 6 é um anexo posterior) que contém maldições contra os que afligiram Jerusalém e súplicas de Jerusalém a Deus pelo perdão e pela libertação dos exilados na Babilônia (4,5-29), às quais se seguem duas palavras proféticas que prometem a restauração da cidade santa (4,30-37; 5,1-9), à luz das profecias de Is 40-55. O texto da liturgia de hoje corresponde à segunda palavra profética. São palavras de consolo, que descrevem a glória da cidade de Jerusalém restaurada e a volta jubilosa dos exilados.

Despe ó Jerusalém, a veste de luto e de aflição, e reveste, para sempre, os adornos da glória vinda de Deus. Cobre-te com o manto da justiça que vem de Deus e põe na cabeça o diadema da glória do Eterno. Deus mostrará teu esplendor, ó Jerusalém, a todos os que estão debaixo do céu. Receberás de Deus este nome para sempre: “Paz-da-justiça e glória-da-piedade” (vv. 1-4).

A primeira parte do texto (v. 1-4) apresenta a mudança da sorte de Jerusalém (do exílio babilônico para a volta à terra). A transformação aparece primeiramente em duas imagens: despir os sinais de luto de “luto e de aflição” e revestir os sinais da “glória”.

Este convite para que a cidade tira os trajes de lutoestá em linguagem muito próxima da profecia de restauração em Is 40-55.Mudar a veste simboliza o começo da libertação (Jt 10,3; Is 52,1).

“Glória” é uma realidade própria de Deus que transparece no mundo criado (cf. Sl19,2: “os céus narram a glória de Deus”) e na história: é a santidade de Deus tornada visível (Ex 16,7; 24,16; 33,18.21; Is 6,3; Ez 1,28 etc.), Jerusalém será reflexo do próprio “esplendor” (v. 3) de Deus (Br4,24; cf. Is 60,1-2; 62,1-4).

Na Vida Pastoral (2015) Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta:

Que Jerusalém se revestirá de glória significa, assim, que a santidade de Deus se manifestará tão plenamente na cidade eleita, que, por meio dela, será contemplado algo da santidade de Deus. Deus faz Jerusalém participar de sua própria santidade. Essa realidade é retomada na imagem do “manto de justiça”.

Justiça, no Antigo Testamento, é, em última instância, a correspondência entre uma realidade e sua medida. Vestir o manto de justiça indica então que Israel corresponderá totalmente à medida que Deus tem para ele em seu desígnio, seu plano de salvação. Isso se concretizará na vivência dos mandamentos. Glória e justiça não serão fruto do empenho dos fiéis, mas exclusivamente dons de Deus (v. 1.2.4: “vem de Deus”).

“Cobre-te o manto da justiça que vem de Deus” (cf. Is 61,10); Deus comunica sua justiça a Jerusalém: ele a defendeu e a restabeleceu nos direitos que ela tem.

Completa essa descrição a mudança de nome por Deus. A imposição de nome é tradicional para fazer dela sua cidade e dar-lhe a entender sua vocação (Is 1,26; 60,14.18; 62,4.12; Jr 33,16; Ez 48,35; Zc 8,3; Sl 87,5). A nova Bíblia Pastoral (p.1031) comenta: O novo nome da cidade é o grande tema desta profecia, que se fundamenta em outros textos jerusalemitas, tais como Is 1,21-26; Jr 33,16; Is60,14.18; 62,4.12; Ez 48,35 e Salmos de Salomão 11,1-9. O autor faz um jogo com as palavras Shalom (paz); yeru-shalem (cidade da paz); çedeq (justiça); doxa (glória/esplendor) e theosebeia (temor de Deus), dando a seguinte conotação: a glória (esplendor) da cidade está no temor de Deus, e a prática da justiça garantirá a paz.

Levanta-te, Jerusalém, põe-te no alto e olha para o Oriente! Vê teus filhos reunidos pela voz do Santo, desde o poente até o levante, jubilosos por Deus ter-se lembrado deles. Saíram de ti, caminhando a pé, levados pelos inimigos. Deus os devolve a ti, conduzidos com honras, como príncipes reais. Deus ordenou que se abaixassem todos os altos montes e as colinas eternas, e se enchessem os vales, para aplainar a terra, a fim de que Israel caminhe com segurança, sob a glória de Deus (vv. 5-7).

A segunda parte do texto descreve o retorno dos exilados (vv. 5-7). Jerusalém é chamada a olhar para o oriente e ver sua população retornando. O retorno é marcado pela alegria (v. 5) e pela glória (v. 6). Jerusalém estava estendida por causa da dor: “levanta-te” para sair do seu fechamento e olhar do alto. “Vê teus filhos…jubilosos por Deus ter-se lembrado deles”; lit.: “alegres pela lembrança de Deus” (aqui está a resposta à suplica de 3,5).

Saíram como cativos pobres e voltarão “como príncipes reais” segundo o texto grego; a versão latina reza: “como filhos reais”. Alguns traduzem, supondo um original semítico: “como sobre um trono real”. O retorno glorioso dos exilados transfigura o caminho, como em Is 40; 55,12: Abaixa o montes, enche os vales para aplainar a terra formando uma avenida de procissão (cf. o eixo central da cidade de Babilônia)

É Deus mesmo que prepara o caminho para que Israel possa voltar “com segurança e na glória de Deus” (v. 7). Deus é guia dos que retornam, como a nuvem luminosa o foi para o povo do êxodo (cf. Is 40,3-5; 35,2s). Assim, neste caminho de volta do exílio, a glória de Deus substitui a presença de Deus na nuvem e fogueira do êxodo (Ex 13,21s).

Nos vv. 5-9, o autor, bem como o Segundo Isaias, descreve a volta dos exilados como um novo Êxodo. O 11° Salmo de Salomão (livro apócrifo do judaísmo)é muito parecido com este trecho.

8As florestas e todas as árvores odoríferas, darão sombra a Israel, por ordem de Deus. 9Sim, Deus guiará Israel, com alegria, à luz de sua glória, manifestando a misericórdia e a justiça que dele procedem (vv. 8-9).

Na Vida Pastoral (2015) Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A terceira parte (v. 8-9) indica que o caminho do retorno contará com a proteção de Deus, que aparece na imagem da sombra (cf. Sl 90/91,1) de árvores que, obedecendo ao Senhor, evitarão que os exilados sejam molestados pelo sol (v. 8). Isso se explica (v. 9) porque Deus conduzirá Israel. Quatro qualificativos marcam seu agir: de um lado, a alegria e a luz da glória (que retomam o início do texto) e, de outro, a misericórdia e a justiça que ele outorga.

O texto, anunciando assim a restauração do povo eleito, mostra que o grande protagonista é Deus. É ele quem realiza a salvação, e o faz de modo glorioso. Todo passado foi superado (v. 1.6); haverá somente júbilo. Os próprios atributos divinos (glória e justiça) serão dados a Jerusalém. Deus prepara o caminho, cria as condições e restaura Israel. Tudo se concentra na ação divina.

Sempre a obra de Deus em nossa vida é absoluta iniciativa e gratuidade sua. No evangelho de hoje, contudo, é posto em maior evidência que essa obra gratuita de Deus usa e exige a generosa cooperação da criatura agraciada. Embora tudo tenha iniciativa na ação de Deus, que, enviando sua Palavra a João, cria as condições para que a conversão se realize, o Batista deve, por sua pregação e pelo batismo, preparar os corações. Exige-se o empenho humano. O povo deve se converter e o pode fazer porque Deus está aberto a recebê-lo de novo.

2ª Leitura:Fl 1,4-6.8-11

A 2ª leitura é tirada da carta de Paulo aos filipenses, uma das cartas escritas na prisão (vv. 7.13-14.17; cf. Fm; Ef; Cl; 2Tm). A Bíblia Pastoral a introduz:

Filipos foi a primeira cidade europeia que recebeu a mensagem cristã (At 16,6-40). Paulo aí chegou na primavera do ano 50 durante a segunda viagem missionária. O primeiro núcleo da comunidade por ele fundada formou-se através de reuniões na casa de Lídia, uma negociante de púrpura, que acolhera Paulo por ocasião de sua visita. O Apóstolo voltou a Filipos outras vezes, durante suas várias passagens pela Macedônia. Os cristãos de Filipos foram sempre os mais ligados ao Apóstolo e diversas vezes o socorreram com auxílio material (Fl 4,16; 2Cor 11,9).

A carta aos Filipenses foi escrita na prisão, provavelmente em Éfeso, entre os anos 55-57 (At 19). Paulo está incerto sobre o rumo que sua situação tornará: poderá ser morto ou posto em liberdade. Mas ele tem grande confiança de que será solto e que poderá visitar de novo, pessoalmente, a comunidade de Filipos.

A Bíblia do Peregrino (p.2817) comenta sobre a leitura de hoje: A costumeira ação de graças se entremeia com a súplica, num tom afetuoso e cordial, expressão de sentimentos. Alegria, carinho, saudade e confiança dominam as relações de Paulo com os filipenses. A carta é desde o princípio muito pessoal e nos ilustra um aspecto humano importante do apóstolo, que segue de fato o exemplo de Jesus: “eu vos chamei amigos” (Jo 15,15).

Nesta carta não há marcas de tristeza, mesmo estando no ambiente da prisão. Paulo tem saudades e lembra a ternura de Jesus. Agradece a sua comunidade preferida, não só porque acatou o evangelho, mas também porque colaborou na evangelização “desde o primeiro dia” (At 16,12-40).

Sempre em todas as minhas orações rezo por vós, com alegria, por causa da vossa comunhão conosco na divulgação do evangelho, desde o primeiro dia até agora (vv. 3b-5).

Depois da saudação costumeira (vv. 1-2, omitidos na nossa liturgia), segue-se a ação de graças que se refere aos benefícios do passado; aqui é muito calorosa e pessoal. Ela se transforma aqui em oração em prol do futuro (cf. 4,6; Rm 1,9-10).

A “alegria” é uma das notas características desta carta (cf. vv. 18.25; 2,2.17.18.28.29; 3,1; 4,1.4.10.), impressionante porque Paulo está na prisão, ameaçado duma condição à morte, assaltado pelas preocupações que tem a respeito de todas as Igrejas. Mas a fonte da sua alegria está em Cristo.

“A vossa comunhão conosco na divulgação do evangelho” (lit. a vossa comunhão no evangelho). Os filipenses participaram na “obra” de Deus que é o Evangelho (v. 6; cf. Rm 1,1), confiado a Paulo e aos seus colaboradores (2,22; 4,3), acolhendo-o com a fé viva, lutando e sofrendo por Cristo (1,27-30), ajudando o apóstolo nas necessidades (4,15-18). Não só participaram por socorros pecuniários (4,15-16), mas ainda pela sua contribuição para o seu testemunho apostólico (1,7; cf. 2,15-16), quando eles sofreram com ele pelo evangelho (1,29-30). Portanto, mais adiante, a palavra “comunhão” (cf. At 2,42; 1Cor 1,9) significará a união aos sofrimentos de Cristo (3,10) e os intercâmbios de toda espécie entre Paulo e a Igreja de Filipos (2,1; 4,14).

“Desde o primeiro dia”, ou seja,quando os filipenses se tornaram cristãos, o dia da conversão deles (cf. At 16,12-40).

Tenho a certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra, há de levá-la à perfeição até ao dia de Cristo Jesus (v. 6).

“Aquele que começou em vós uma boa obra”. A “obra” da evangelização confiada aos apóstolos (v. 5) é “boa” por ser a obra de Deus. Deus e Cristo atuam na vida da Igreja e de seus fieis (1,11.28; 2,.13; 3,10; 4,13.19). Esta “certeza” ilumina esta oração (vv. 3-11; cf. 2,13-30).

Os filipenses aceitaram o evangelho e colaboram com Paulo na sua difusão (v. 5); falta que Deus complete neles a obra começada (cf. 2Cor 8,6), até ao “dia de Cristo Jesus” (v. 10; 2,16; 1 Cor 1,8 etc.), ou seja, até a parusia (volta de Cristo glorioso). Neste dia do juízo, como o “dia do Senhor” no AT (cf. Am 5,18), estará plenamente efetuada a obra de Deus (1,6) e de Cristo (2,30). Nas primeiras cartas de Paulo (1 Ts 4,15), ele é esperado com ardor, e os cristãos se preparam para ele no “crescimento do amor” (v. 9; cf. 2,16; 3,20; 4,5).

A Bíblia do Peregrino (p.2817) comenta: “Não abandones a obra de tuas mãos” é a conclusão de um salmo (138,8): o pedido se enriquece aqui com a projeção escatológica do “dia” de Cristo Jesus. Será um dia de plenitude e alegria: não como o que anunciam Amós e Sofonias (Am 5,18; Sf 1,15-18), e sim como o que discurso escatológico anuncia (Lc 21,28).

Deus é testemunha de que tenho saudade de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus (v. 8).

Nossa liturgia omitiu o v. 7 (talvez por mencionar a prisão não seja conveniente para o tempo do Advento). Mas é na solidão ou na hostilidade da “prisão” (vv. 7.13-14.17; cf. At 16,16-40) que brota com força a “saudade”: sentimento humano transfigurado pela união com Cristo.

“Tenho saudade de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus” (lit. as entranhas de Cristo Jesus).Isto completa e fundamenta a expressão anterior, “no coração”. Esses sentimentos calorosos não se confundem com sentimentalismo, pois o amor de Paulo (cf. “bem-amados” 2,12; 4,1) decorre do amor mesmo de Jesus.

E isto eu peço a Deus: que o vosso amor cresça sempre mais, em todo o conhecimento e experiência, para discernirdes o que é o melhor (vv. 9-10a).

O discernimento da conduta em qualquer situação concreta depende do crescimento de um amor clarividente (Rm 12,2).

A Bíblia do Peregrino (p.2817) comenta sobre “amor” e “experiência” (percepção): Dizem que o amor cega: a caridade cristã também? O impulso radical pode desencaminhar ou extrapolar seu dinamismo. É preciso colocar a caridade à luz do “conhecimento e percepção”, para poder “discernir”. Eis aqui a “discreta caridade” (de Santo Inácio). Discernir: não entre o bem e o mal, mas entre o bom e o melhor (o autor de dispõe a um ato de discernimento transcendental, 1,21-25). A mesma caridade estimula a afinar a percepção.

E assim ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo, cheios do fruto da justiça que nos vem por Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus (vv. 10b-11).

A oração estende de novo o olhar para a parusia, “o dia de Cristo” (v. 6; 2,16; 1Cor 1,8 etc.) e conclui com uma breve doxologia (fórmula de louvor): “para a glória e o louvor de Deus”. Esta doxologia (que comporta diversas variantes textuais) destaca ainda a preeminência absoluta de Deus, origem (1,6) e meta de toda “obra” (cf. 2,11; 1Cor 15,28.57).

O “fruto” do “amor que cresce” (v. 9) é um “conhecimento” e um “discernimento” do que é importante, “do que é melhor” (v. 10a; Rm 2,18), que cresce até a maturidade (v. 11): “justiça” além de toda determinação legislativa (cf. Gl 5,23).

“Ficareis… cheios do fruto da justiça” exprime ao mesmo tempo a plenitude atual e a realização final (cf. 2,2; 4,18-19). “O fruto da justiça (honradez)” é metáfora corrente na literatura sapiencial (Pr 1,31; 12,14; 13,2 etc.). O “fruto”, no singular, evoca uma totalidade de preferência a uma enumeração (cf. Gl 5,22; Ef 5,9). A “justiça” é, no sentido em que os judeus o entendiam, a vida conforme à vontade de Deus; para um cristão ela resulta da ação de Jesus Cristo (cf. 3,6-10).

Examinando bem a imagem, pode-se concluir que as obras são “fruto”, não condição, e que a fertilidade é o que Jesus Cristo procura (cf. Os 14,9 “de mim procedem teus frutos”; Jo 15,16).

Na Vida Pastoral (2015) Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta nossa leitura: No início da carta aos Filipenses, são Paulo reza pela comunidade. O motivo de sua oração é a alegre constatação de que os filipenses têm colaborado fielmente na difusão do evangelho, desde que o acolheram (v. 5), seja por sua atividade missionária, seja pela ajuda material que deram a Paulo (cf. 4,15-16). Tal fato leva o Apóstolo à convicção de que o Senhor, que é fiel, não deixará cair no vazio o empenho até agora feito. Ele dará ainda a graça de perseverar até o fim, quando o Cristo consumar sua obra (o “dia de Cristo Jesus”), num crescendo que a levará à perfeição (v. 6).

Paulo invoca então o testemunho de Deus para afirmar sua estima pelos filipenses. Para com aqueles que se dedicam ao mesmo ideal da evangelização, Paulo nutre uma religiosa e profunda estima, que tem sua origem, seu modelo e seu motor no próprio coração de Jesus Cristo (v. 8). Sua prece (v. 4) concretiza-se, então, na súplica para que o amor que move a comunidade cresça sempre mais. Conhecimento e sensibilidade (v. 9) são duas características do amor que o impedem de ser simples afeição passageira e superficial. O amor deve ser iluminado pelo conhecimento e por delicado sentimento, que o façam a um só tempo reflexivo e cheio de ternura espiritual. Esse amor conduz ao discernimento, torna mais sutil a capacidade de avaliar e distinguir entre o bem e o mal (v. 10). Crescendo nesse amor cristão, os filipenses chegarão ao dia do Senhor “puros e irrepreensíveis”, ricos de frutos de santidade, de boas obras. Desse modo, chega à perfeição a obra que Deus iniciou (v. 6) e que é realizada por Cristo Jesus (v. 11).

A oração do Apóstolo desemboca, então, numa doxologia: tudo isso é para a glória e o louvor de Deus. A salvação final e a glorificação de Deus, realizadas por meio de Jesus Cristo, são a meta para a qual tendem os fiéis.

Colocado no segundo domingo do Advento, esse trecho da carta aos Filipenses indica como, vivendo em atitude de constante conversão, podemos preparar o caminho para o Senhor que vem (cf. evangelho).

Evangelho: Lc 3,1-6

No 2º e 3º Domingo de Advento ouvimos evangelhos sobre João Batista, o profeta que anunciava a vinda iminente do messias (conforme a profecia de Isaías). Ele é uma figura austera (em contraste com a figura de Papai Noel, que era um bispo católico, S. Nicolas de Mira, e foi transformado em garoto de propaganda do comércio).Em Lc, ele é o primo de Jesus (cf. Lc 1,36). No deserto, foi chamado para preparar o povo através de conversão e purificação (batismo).

No décimo quinto ano do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes administrava a Galiléia, seu irmão Filipe, as regiões da Ituréia e Traconítide, e Lisânias a Abilene; quando Anás e Caifás eram sumos sacerdotes, foi então que a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias, no deserto (vv. 1-2).

Iniciamos o novo ano litúrgico (C) com Lc já no domingo passado, mas hoje se percebe melhor uma característica dele: ligar a vida de Jesus à história geral, ou seja, dos reis e governadores (cf. 1,5; 2,1-2; 3,1-2; cf. a introdução histórica de Os 1,1 e Jr 1,1-3.). Ele tem a pretensão de historiador que investiga (1,1,1-4) ligando a história da salvação à história profana.

Na Vida Pastoral (2015) Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A referência à história profana, com a qual a narrativa se inicia (v. 1-2a), não é sem significado. A história não é estranha ao agir de Deus. Deus age nela e através dela. Considerando-a atentamente, portanto, pode-se destrinchar, de modo mais ou menos evidente, a providência e o domínio absoluto de Deus. A história humana, porém, por si mesma é ambígua e só pode ser avaliada na profundidade à luz de Deus. Por isso, Deus envia sua Palavra (v. 2b).

O imperador romano César Tibério (14-37 d.C.) sucedeu a César Augusto (2,1) aos 19 de agosto do ano 14 d. C.; o ano décimo quinto vai, pois, de 19 de agosto do ano 28 a 18 de agosto do ano 29, ou, segundo o modo de calcular os anos de reinado em uso na Síria, de setembro a outubro do ano 27 a setembro de outubro do ano 28.

Na época de Jesus, contava-se a partir da fundação de Roma (753 a.C.), não a partir do nascimento de Jesus. Só no séc. VI, quando o Império Romano já tinha se tornado cristão, se pensava de contar os anos a partir de um evento mais importante do que a fundação de Roma, ou seja, o nascimento do Filho de Deus. O monge Dionísio, o Pequeno, que era encarregado de fazer o novo cálculo, contou os anos desde a fundação de Roma até o “15º ano de Tibério” tomou estritamente o número de trinta anos o v. 23: “A ao iniciar seu ministério, Jesus tinha mais ou menos trinta anos”; mas a indicação é aproximativa (“mais ou menos”) e talvez apenas sublinhe que Jesus tinha idade requerida para exercer missão pública.

Este cálculo parece estar encurtado de vários anos, porque Herodes Grande já morreu no ano 4 a.C. e foi sob seu reinado que Jesus ainda nasceu (1,5; Mt 2). Quer dizer que Jesus nasceu “antes de Cristo”, no ano 4 ou 5 ou 6 ou 7 a.C..Mas não mudamos os livros de história (seria um esforço gigantesco e inútil), porque não sabemos a data exata quando Jesus nasceu (nem o ano exato, nem o mês nem o dia, apenas que era noite, cf. 2,8). Temos que viver com esta inexatidão do começo da nossa era.

Pôncio Pilatos foi governador (procurador) romano da Judéia (da Iduméia e da Samaria) de 26 a 36 d.C.; seu título era mais precisamente prefeito, segundo a sua inscrição, descoberta em 1961.

Herodes Antipas (cf. 9,7-9; 13,31-32; 7,12) governou a Galileia e a Peréia do ano 4 a. C. ao ano 39 d. C. Ele era chamado “tetrarca” (9,7; At 13,1), para distingui-lo do seu pai, o “rei” Herodes Magno (1,5).

Seu irmão Filipe governou vários distritos a nordeste do lago de Tiberíades, de 4 a. C. a 34 d. C.. Não se menciona aqui os seus domínios na Gaulanitide, na Batanéia e na Auranítide, parece que Lc queria mencionar só as suas possessões pagãs; ele salienta assim que o anúncio da salvação concerne tanto aos pagãos como aos judeus.

Lisânias, um príncipe obscuro, conhecido por duas inscrições, e mencionado aqui, porque na época do evangelista (80 d.C.) seu território dependia do rei judeu, Herodes Agrippa II (neto de Herodes Grande) e porque seu domínio era pagão (Abiline estava situada no Antilíbano).

“Anás e Caifás eram sumos sacerdotes”; lit. “sob o sumo sacerdote Anás e Caifás. O sumo sacerdote é mencionado no fim, em antítese com o Cesar pagão, como chefe do povo de Deus. Mas só havia um sumo sacerdote: José, dito Caifás, nos anos 18 a 36. Ele desempenhou papel preponderante na conspiração contra Jesus (cf. Mt 26,3; Jo 11,49; 18,14). Mas Anás, seu sogro, que fora Sumo Sacerdote de 6(?) a 15, foi-lhe associado e figura mesmo em primeiro lugar (cf. At 4,6 e Jo 18,13-24), pois gozava de tal prestigio que de fato era Sumo Sacerdote.

Observa-se uma linha descendente do centro do mundo antigo (Roma) até a província (Judeia) e seus sacerdotes. Mas a palavra do Senhor não foi dirigido a nenhum desses lugares, aconteceu “no deserto” (cf. 1,80).Alguns autores pensam que João foi educado ou viveu algum tempo com os essênios (um grupo de oposição ao templo de Jerusalém), na comunidade de Qumrãonde teria recebido a missão. Do texto decorre que não recebeu o chamado no templo (como Isaías, cf. Is 6) nem em ambiente doméstico (como Jeremias).

João é filho de um sacerdote do baixo clero (Zacarias, cf. 1,5-25), mas sua atuação não será os sacrifícios no templo de Jerusalém, mas no deserto criticando a corrupção política e religiosa. Portanto, é profeta fazendo uso da palavra; é introduzido com a fórmula profética tradicional dbrYhwhhwh l-: “a palavra do Senhor foi dirigida a N.” (cf. Os 1,1 etc.); lit. “esteve sobre João”. Nãoprecisa narrar sua vocação porque é suficiente a predição do anjo e o salto no ventre materno (1,13-17.41-43; cf. Is 49,1; Jr 1,5; Gl 1,15).

Na Vida Pastoral (2015) Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A Palavra de Deus é proclamada no deserto (v. 4a). O deserto é lugar de solidão, de instabilidade, de falta de segurança. É onde, vazia de tudo, a pessoa só pode contar com o auxílio de Deus. Ao mesmo tempo (e por esse fato), é lugar do encontro “face a face” com Deus, sem subterfúgios. É o lugar onde Deus fala e, no silêncio, pode-se fazer ouvir. A partir desse encontro pessoal, é lugar do início de nova relação de comunhão (cf. Os 2,16).

E ele percorreu toda a região do Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, como está escrito no Livro das palavras do profeta Isaías: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados. E todas as pessoas verão a salvação de Deus’” (vv. 3-6).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p.1975) comenta: Enquanto, segundo Mt e Mc, João prega no deserto …, segundo Lc, João deixa o deserto para pregar na região do Jordão, bastante populosa então por causa das construções de Herodes Magno, e de Arquelau. Para Lc, essa região constitui o domínio de João, como a Galileia e a Judéia são o domínio de Jesus (cf. a divisão dos mesmo territórios entre ló e Abraão em Gn 13,10-13).

João pregou um “batismo de conversão”. A palavra grega “batismo” quer dizer mergulho, imersão. O rito de imersão na água corrente do rio sela o perdão de Deus alcançado pelo arrependimento. A água corrente simboliza melhor o perdão na imagem de “lavar” (Sl 51,4; Is 1,16-17; Jr 4,14), melhor que o hissopo (Sl 51,9); arrastando as impurezas do delito, deixa o homem limpo.

João pratica um rito próprio que lhe rendeu o apelido “Batista”. O batismo não é um dos muitos ritos de purificação (cf. o banho dos prosélitos) que se praticavam no templo ou em casa, nem nos banhos rituais de Qumrã. A Bíblia de Jerusalém (p.1841) comenta: Embora se inspirasse nesse precedentes, o batismo de João distinguia-se por três traços importantes: tinha um objetivo já não ritual, mas moral (Mt3,2.6.8.11; Lc 3,10-14); não se repetia o que lhe dava um caráter de iniciação; finalmente, tinha carácter escatológico, introduzindo o batizado no grupo dos que professavam uma espera diligente do Messias que estava para vir…

Na Vida Pastoral (2015) Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: O conteúdo dessa Palavra é o “batismo de conversão para a remissão dos pecados” (v. 3). Trata-se de uma imersão ritual para significar a prontidão para a conversão (cf. v. 8.10-14), para a reestruturação da vida conforme as exigências de Deus. Converter-se não é somente mudar de rumo, mas andar em sentido contrário ao escolhido até então, retornando ao Senhor do qual se estava afastado. Como fruto da conversão, está a remissão dos pecados. A “conversão para a remissão dos pecados” é uma frase muito utilizada por Lucas para falar da obra salvífica de Jesus; é um modo sintético de apresentá-la (cf. Lc 24,47; At 2,38; 10,43; 26,17-18). O ministério de João Batista prepara a obra de Jesus, predispondo seus ouvintes a acolhê-la.

Como profetas precedentes, João denuncia pecados e propõe emendas específicas. Mas é um profeta único: não um na série anunciada (Dt 18,15), mas o anunciado por Is 40,3-5 (citado aqui nos vv. 4-6).Para Isaías, esta imagem do “caminho do Senhor” significava sem dúvida, que Deus rebaixaria as grandezas terrestres (Is 2,2-14; Sl 68,16-17). Lc deve dar-lhe o mesmo sentido (cf. 1,52; 14,11; 18,14).

Na Vida Pastoral (2015) Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A missão de preparar o caminho do Senhor (v. 4; cf. 1,16-17.76-77) é apresentada pela citação de Isaías. Em Is 40,3-5, o Senhor virá para fazer retornar os judeus de Babilônia à sua terra. Ele mesmo os conduzirá e sua vinda coincide com a salvação esperada. Para isso, é necessário abrir os acessos, retirar os obstáculos (v. 4b-5). O caminho a ser preparado é o próprio coração, a própria consciência, a própria vida. Isso anuncia João Batista, à luz do que Deus lhe falou. Onde alguém ouve a Palavra de Deus e se deixa interpelar por ela, ali começa uma missão salvífica para este mundo. Por meio dessa pessoa, Deus opera.

Lcprolonga mais do que Mt e Mc a citação de Is para estendê-la até o anuncio de uma salvação universal: “E todas as pessoas verão a salvação de Deus” (v. 6;lit. “toda carne”, expressão hebraica para dizer “toda criatura” (Gn 6,12 etc.). Lc cita este versículo segundo o AT grego que ele abrevia. Estendendo até aqui a citação de Isaias, contrariamente a Mt e Mc; Lc quer indicar que Jesus vai trazer a salvação a “todos os seres humanos”. Ele tornará a este tema no fim do livro dos Atos (At 28,28).

A Bíblia do Peregrino (p.2460) comenta: Do profeta do exilio, Lucas cita significa significativamente Is 40,3-5: a preparação do caminho comunica seu valor simbólico e desemboca na grande revelação: “todo mortal verá a salvação de Deus”. Salvação será o salvador. Seu caminho ou estrada percorre as consciências das pessoas; veja-se o início da terceira parte do livro de Isaias: “Praticai a justiça, pois minha salvação está para chegar” (Is 56,1). No deserto começará uma restauração dolorosa (Ez 20,35-38; Os 2,16)

Na Vida Pastoral (2015) Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A mensagem de João Batista é, na perspectiva de Lucas, endereçada não somente aos judeus, mas também aos pagãos (v. 6). “Ver a salvação” é experimentá-la realmente; isso ocorre se o caminho foi preparado. A conversão e a consequente salvação são, assim, respectivamente, chamado e oferta de Deus a todo ser humano. Já não há nenhum privilégio religioso: judeus e pagãos estão na mesma condição de destinatários da salvação.

Advento é ir ao encontro do Senhor que vem como salvador, que pede e deseja nosso retorno a ele, para o encontrarmos no deserto da vida e, face a face, sempre de novo, entrarmos em comunhão com ele. É tempo de preparação do caminho de nossas consciências para o Senhor que veio, vem a cada momento e virá.

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