10 de agosto de 2017 – Quinta-feira, São Lourenço

Lourenço era diácono da Igreja no século III. Aos diáconos cabia a administração dos bens da igreja. O imperador romano perseguia os cristãos, porque estes se negavam de adorá-lo como deus. Quando exigia a entrega dos bens da igreja, Lourenço distribuiu-os entre os pobres, carregou os pobres numas carroças e apresentou os pobres ao imperador como verdadeiro tesouro de igreja. O imperador enfurecido condenou-o a morte na grelha. A lenda do santo nos diz que “virou churrasco”. Mas ele não perdeu a ousadia nem o bom humor, avisando seus algozes que poderiam virá-lo porque um lado do seu corpo já estava bem passado.

O Evangelho de Jo 12,24-26 refere-se ao santo com as palavras de Jesus: “Quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para vida eterna… Onde eu estou, estará também o meu servo (lit.: meu diácono)”.

O diácono Lourenço é um dos grandes diáconos, ao lado de Estevão, que foi o primeiro mártir da Igreja (cf. At 6-7). A palavra “diácono” significa “servo, ministro”. O sacramento da ordem tem três graus/ministérios: diácono, presbítero (padre), bispo. Até o século IX, havia também mulheres diaconisas. No início da Idade Média, o diaconato perdeu sua importância tornando-se apenas uma fase preparatória para o sacerdócio. No documento Lumen Gentium (LG 29), o Concilio Vaticano II (1962-1965) devolveu ao diaconato sua característica recriando os “diáconos permanentes”: homens casados, aprovados pela comunidade, servindo nas pastorais e na liturgia (batismo, casamentos e pregação).

Em nossa diocese de Barreiras, D. Ricardo ordenou os primeiros doze diáconos em 22.03.2002. Em 10.08.2013, D. Josafá ordenou outros sete diáconos. Mais dois foram ordenados em outras datas. Rezemos por nossos diáconos, para que sirvam com a alegria e a coragem de São Lourenço. Rezemos por todos nós, para que reconheçamos os pobres como pessoas valiosas (tesouros) da Igreja.

 

Leitura: 2Cor 9,6-11

Na festa de São Lourenço ouvimos a leitura de 2Cor 9,6-10. São Paulo tenta motivar os coríntios para serem generosos na sua coleta para ajudar os pobres em Jerusalém, citando já frases conhecidas do Antigo Testamento, cf. Pr 11,24-25; 22,8; e Sl 112(111): “Distribuiu generosamente, deu aos pobres, sua justiça permanece para sempre” (v. 9).

No cap. 9, Paulo voltou ao tema da coleta pelos pobres de Jerusalém, como se nada tivesse sido falado no capítulo anterior. Na opinião de alguns peritos, Paulo escreveu também um bilhete dirigido às igrejas da região de Corinto. É possível que 2Cor 9 seja esse bilhete, colocado aqui por tratar o mesmo assunto do cap. 8.

Paulo quer estimular sem forçar, acumula argumentos e os repete. Com toda exposição recompõe o grande círculo do dar: Deus é o “doador”, por excelência: dá o bom desejo (cf. Ex 35,29; 36,3-7) e os meios de onde dar; no Antigo Testamento (AT), a terra é o dom primário de Deus. O ser humano que possui dá ao necessitado (Dt 15,1-11; Sl 112; Eclo 14,3-6). Os que dão e os que recebem dão graças a Deus.

“Quem semeia pouco colherá também pouco e quem semeia com largueza colherá também com largueza”. Dê cada um conforme tiver decidido em seu coração, sem pesar nem constrangimento; pois Deus “ama quem dá com alegria” (vv. 6-7).

Paulo cita livremente do AT, segundo a versão grega de alguns provérbios. Os textos no original hebraico dizem: “Há quem presenteia e aumente seus bens; há quem retêm o que deve e empobrece” (Pr 11,24); “quem se compadece do pobre empresta ao Senhor” (19,17); “quem semeia maldade colhe desgraça” (22,8). Não só inculca o dar, mas ainda o espírito com o qual se dá (cf. Eclo 18,5-18): “sem pesar nem constrangimento”, mas “com alegria”.

Deus é poderoso para vos cumular de toda sorte de graças, para que, em tudo, tenhais sempre o necessário e ainda tenhais de sobra para toda obra boa, como está escrito: “Distribuiu generosamente, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre” (vv. 8-9).

Na instrução sobre a remissão de dividas (Dt 15,1-11) há uma promessa para a generosidade em cumprir a lei: “Dá-lhe, e não de má vontade, pois por esta ação o Senhor teu Deus abençoará todas as tuas obras e todos os teus empreendimentos”. Paulo cita aqui Sl 112,9. Esse Sl aplica ao homem qualidades que o salmo precedente atribui a Deus.

Aquele que dá a semente ao semeador e lhe dará o pão como alimento, ele mesmo multiplicará as vossas sementes e aumentará os frutos da vossa justiça (v. 10).

Aqui, Paulo recorda o final da mensagem do Segundo Isaias aos exilados, que exprime em imagem agrária a fecundidade da palavra de Deus (Is 55,10). A generosidade humana participa de fecundidade semelhante.

Assim, ficareis enriquecidos em tudo e podereis praticar toda espécie de liberalidade, que, através de nós, resultará em ação de graças a Deus (v. 11).

A palavra grega para “ação de graças” é eucaristia. Paulo já está pensando numa parte da liturgia da “fração do pão” como foi chamada a missa primeiramente (cf. Lc 24,30.35; At 2,42.46; 20,7.11)? “Quanto à coleta em favor dos santos, … no primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de lado o que conseguir poupar; deste modo não se esperará a minha chegada para se fazerem coletas” (1Cor 16,1-2). Ao chamar os pobres de Jerusalém de “santos”, “consagrados” (v. 1; cf. 8,4; Rm 15,25s), eleva este assunto a um plano superior; também a tarefa fica consagrada.

Toda essa preocupação pela coleta em favor dos necessitados da comunidade de Jerusalém demonstra que, desde o início, o econômico também fazia parte do testemunho cristão. A partilha e a solidariedade em favor dos mais pobres não se manifestavam somente na própria comunidade, mas eram sinal de unidade entre as diversas comunidades. Esse intercâmbio material não era questão periférica da fé, mas autêntico veículo de comunicação do “dom (graça) extraordinário” de Deus (v. 15) e “obediência ao Evangelho de Cristo” (v. 13). Esta partilha entre as comunidades, depois entre paróquias, dioceses, igrejas nacionais e continentais trouxe frutos abundantes que se transformam em “ação de graças” para quem doa e para quem recebe.

Evangelho: Jo 12,24-26

No cap. 12 de João, Jesus faz suas últimas considerações em público na cidade de Jerusalém (no cap. 13 já começa o discurso de despedida na última ceia com os discípulos). Alguns gregos aproximam-se de Filipe dizendo: “Senhor, queremos ver Jesus” (v. 21). Os gregos querem ver (para crer? cf. Tomé em 20,25). A cultura grega é dominada pelo ver (arte), enquanto a fé judaica pelo ouvir (a palavra de Deus invisível). A fé cristã reunirá a palavra pessoal com a visão (o rosto de Jesus; cf. 14,9), como afirma a encíclica do Papa Bento XVI (concluída por Papa Francisco), Lumen Fidei (n.º 29-31).

Jesus responde revelando-se também aos pagãos. “É chegada a hora em que será glorificado o Filho do Homem” (v. 23); cf. a “hora” (2,4; 7,30; 31,1; 17,1) da “glorificação” (11,41; 13,31; 16,14; 17,1.5). Como os pagãos verão a glória? É pela paixão e morte na cruz que chegará a glória como ilustra aqui a comparação do grão do trigo:

Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto (v. 24).

O quarto evangelho não transmite a instituição da Eucaristia na última ceia (no cap. 13 só o lava-pés), mas no cap. 6 já apresentou o discurso sobre o pão da vida. Aqui esta frase do v. 24 tem função eucarística, falando da morte da matéria do pão (grão de trigo) que dará vida, sepultado na terra para dar fruto (cf. um importante desenvolvimento da imagem em 1Cor 15,36-44). Aqui “muito fruto” pode se referir à evangelização das nações a partir da ressurreição (cf. Mt 28,19 e o milagre da pesca em Jo 21,11).

A mesma sorte cabe a seus seguidores, como explica um aforismo paradoxal (repetidos nos evangelhos sinóticos que falam explicitamente da cruz (Mc 8,34-35p).

Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna (v. 25).

O instinto de conservação a todo custo, ou seja, o egoísmo puro “perde” e destrói o sentido da vida e a dimensão da vida, ao circunscrevê-la apenas “neste mundo” (idiota em grego é uma pessoa que só consegue pensar em si, enxergar seu pequeno círculo, seu umbigo; cf. Lc 12,13-21). Quem submete a esta vida um valor superior, enche-a de sentido e a salva mais além de seu segmento terreno, em forma de “vida eterna”.

Se alguém me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará (v. 26).

Portanto o servo há de “seguir”, ou seja, acompanhar Jesus aonde quer que ele vá: à cruz (vv. 32s) e à glória, ou seja, pelo caminho único que leva ao Pai (cf. 14,6; 17,24). “Onde eu estou, estará também o meu servo” (lit.: “meu diácono”). Tal é a honra que o Pai lhe concederá, honra autêntica e suprema.

O site da CNBB comenta: Hoje em dia, mais do que nunca, o testemunho dos valores do Evangelho se faz necessário até às últimas consequências. A partir daí percebemos uma das maiores responsabilidades do discipulado: a vivência de forma radical dos valores evangélicos e o testemunho da verdade anunciada por Jesus. Todas as pessoas que assumem esta radicalidade do Evangelho mostram ao mundo que existe a verdadeira esperança de superar todos os males que marcam o nosso tempo e construir uma nova realidade, fundamentada nos valores evangélicos, que pode trazer às pessoas humanas a verdadeira felicidade, e que, na sua busca, vale a pena o sacrifício até mesmo da própria vida.

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