10 de novembro de 2017 – Sexta-feira, 31ª semana

 

Leitura: Rm 15,14-21

Na parte final da sua carta, Paulo fala sobre sua missão e seus planos para o futuro.

De minha parte, estou convencido, a vosso respeito, de que tendes bastante bondade e ciência, de tal maneira que podeis admoestar-vos uns aos outros. No entanto, em algumas passagens, eu vos escrevo com certa ousadia, como para reavivar a vossa memória, em razão da graça que Deus me deu (vv. 14-15).

Os elogios do v. 14 causam estranheza, após as advertências severas de Rm 14, 4.10.13.15. A linguagem agora é cortês e moderada. Parece que Paulo quisesse desculpar sua intromissão (“certa ousadia”) numa igreja alheia que ele não fundou (cf. 1,5-6.13) e justificar sua projetada visita em Roma. Paulo, lembrando seus leitores o ensinamento que receberam, quer manifestar sua confiança.

Por esta graça eu fui feito ministro de Jesus Cristo entre os pagãos e consagrado servidor do Evangelho de Deus, para que os pagãos se tornem uma oferenda bem aceite santificada no Espírito Santo (v. 16).

Paulo reconhece sua missão de conduzir os pagãos ao verdadeiro Deus e torna-los adeptos do seu Filho Jesus Cristo. Compara este ministério com o serviço de um sacerdote da época que coloca um animal no altar para este pertencer completamente a Deus. Assim todos os pagãos devem pertencer a Deus. O ministério apostólico de Paulo tem por finalidade colocar os pagãos em estado de oferenda, de sacrifício espiritual que é a vida cristã (cf. 12,1; cf. Fl 2,17). O apostolado é um “culto espiritual” (1,9; 12,1), como uma liturgia em que o apóstolo – mais exatamente Cristo através dele (v. 18) oferece os homens a Deus.

Anunciar o evangelho não é somente transmitir um ensinamento moral, mas elevar de tal modo a vida pessoal que se torne um “culto”, uma oferenda a Deus. Trata-se de um modo de viver que não se deve conformar aos comportamentos deste mundo (12,1), focalizado no interesse pessoal. Para viver a doação de si como Cristo Jesus, é preciso que os povos conheçam a Boa Nova.

Tenho, pois, esta glória em Jesus Cristo no que se refere ao serviço de Deus: Não ouso falar senão daquilo que Cristo realizou por meu intermédio, para trazer os pagãos à obediência da fé, pela palavra e pela ação, por sinais e prodígios, no poder do Espírito de Deus (vv. 17-19a).

Paulo só se gloria de Deus ou da própria fraqueza (cf. 3,27; 2Cor 10,15-17; 11,16-12,10), mas pode estar orgulhoso do que recebeu: ser instrumento de Jesus Cristo e do Espírito como evangelizador de pagãos e trazê-los à “obediência da fé“ (cf. 1,5; 16,26), “pela palavra e pela ação, por sinais e prodígios” (2Cor 12,12; Mc 16,15-17).

Assim, eu preguei o Evangelho de Cristo, desde Jerusalém e arredores até a Ilíria, tendo o cuidado de pregar somente onde Cristo ainda não fora anunciado, para não acontecer de eu construir sobre alicerce alheio (vv. 19b-20).

Paulo marca os dois pontos extremos das suas viagens apostólicas até esta data: “desde Jerusalém e arredores até a Ilíria”. O primeiro é o centro de onde irradia a pregação do Evangelho (cf. At 1,8). O segundo, IIíria (atual Croácia), fica incluído ou excluído, de acordo com as interpretações (sem dúvida, Paulo chegou perto, até Macedônia ao norte da Grécia). Paulo desenvolve a mesma ideia em 2Cor 10,15s: “…levando mesmo o evangelho para além dos limites da nossa região” A Tradução Ecumênica da Bíblia (2198) comenta: De conformidade com um dos aspectos da pregação do Evangelho, o seu caráter de proclamação oficial é quase jurídica. Paulo considera o evangelho como já anunciado, depois de ele ter sido proclamado nas principais cidades. A partir daí, sua missão fica concluída (v. 23) e ele confia a seus discípulos o cuidado de prosseguir e ampliar sua obra. Cf. 1Cor 1,12-17; 3,10-16).

Agindo desta maneira, eu estou de acordo com o que está escrito: “Aqueles aos quais ele nunca fora anunciado, verão; aqueles que não tinham ouvido falar dele, compreenderão” (v. 21).

Paulo cita aqui, bastante livremente, do último cântico do Servo Sofredor de Javé (Is 52,15, versão grega), ainda sem saber que chegará a Roma não como homem livre, mas preso (cf. At 21-28) e sofrerá o martírio junto com Pedro durante a perseguição do César Nero (65 ou 67 d.C.).

A Bíblia do Peregrino (2733) comenta: A visita de Paulo a Roma, como ele pensava na carta, seria etapa de uma viagem mais longa, para uma região ainda não evangelizada, é uma espécie de férias espirituais (vv. 24.32). A viagem seria adiada só um pouco porque está pendente a viagem a Jerusalém para entregar o produto da coleta (v. 25). A viagem à Espanha (v. 24) provavelmente não se realizou; a viagem a Roma terá outro caráter e itinerário: a alegria da companhia será limitada pela prisão. Apenas a carta chegará para mais longe da cidade de Roma, à Espanha e a todos os países do mundo.

 

Evangelho: Lc 16,1-8

O cap. 16 reúne duas parábolas e diversas palavras de Jesus sobre o uso do dinheiro (com exceção dos vv. 16-18). A primeira parábola se dirige aos discípulos e apresenta um caso bastante comum no mundo do comércio e do trabalho: um administrador corrupto (talvez um caso concreto da época?). O patrão descobre as falcatruas e decide de mandá-lo embora. O gerente começa a pensar o modo de superar a crise. Calcula bem as alternativas e encontra uma saída para ele. E Jesus? “Elogia” a esperteza do administrador “desonesto” (v. 8)! Portanto, esta parábola do gerente espertalhão pode soar desconcertante e é difícil de interpretar.

(Naquele tempo, Jesus) dizia aos discípulos: “Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar os seus bens. Ele o chamou e lhe disse: ‘Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não podes mais administrar meus bens’ (vv. 1b-2).

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) comenta: É o administrador de um rico abastado. Acusam-no de má administração, e pela ação do amo pode-se deduzir que a acusação foi comprovada. O castigo lógico é demiti-lo imediatamente.

Não há possibilidade de se defender da acusação. Mas porque ainda prestar conta, a não ser para comprovar o contrário, sua honestidade, ou para preparar a transição para um sucessor? De qualquer modo tem que ser afastado da administração, por enquanto ou permanentemente, para não causar um rombo maior.

O administrador então começou a refletir: ‘O senhor vai me tirar a administração. Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado da administração’ (vv. 3-4).

Aquele administrador que vivia folgadamente enfrenta uma emergência e começa refletir. Monólogos são frequentes em Lc (12,17; 15,17-19; 18,4s). Não tem força para trabalho braçal nem para mendigar. “É melhor morrer que andar mendigando; quem depende da mesa alheia tem de saber que não vive” (Eclo 40,28-30). Enquanto ainda está no cargo, tem que se aproveitar da última oportunidade.

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) comenta: Como homem entendido em negócios se detém a calcular e buscar saídas para a emergência, dentro do sistema econômico em que se move e conhece por dentro. Descarta duas saídas razoáveis, que ele não é capaz de enfrentar, e planeja outra astuta: criar interesses, buscando cúmplices. Em outros termos, dos devedores do patrão fazer devedores de favores seus.

Então ele chamou cada um dos que estavam devendo ao seu patrão. E perguntou ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu patrão?’ Ele respondeu: ‘Cem barris de óleo!’ O administrador disse: ‘Pega a tua conta, senta-te, depressa, e escreve cinquenta!’ Depois ele perguntou a outro: ‘E tu, quanto deves?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. O administrador disse: ‘Pega tua conta e escreve oitenta’ (vv. 5-7).

Cem barris de óleo correspondem à colheita de 140 oliveiras; cem medidas de trigo correspondem à colheita de 42 hectares.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1961) comenta: Segundo o costume tolerado na Palestina naquela época, o administrador tinha direito de conceder empréstimos com os bens do seu senhor. E, como não era remunerado, ele se indenizava aumentando, no recibo, a importância dos empréstimos. Assim, na hora do reembolso, ficava com a diferença como um acréscimo que era o seu juro. No presente caso, ele não havia emprestado, na realidade, senão cinquenta barris de óleo e oitenta medidas de trigo. Colocando no recibo a quantia real, ele estava se privando apenas do benefício – para dizer a verdade, usurário – que havia subtraído. Sua “desonestidade” (v. 8) não consiste, pois, na redução dos recibos – o que não é senão um sacrifício dos seus interesses imediatos, manobra hábil que o senhor pode louvar – mas antes nas malversações anteriores que motivaram sua demissão.

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) discorda: Alguns comentadores dizem que o tanto por cento perdoado cabia a ele; mas o relato não parece apoiar isso. Afinal de contas, o patrão era rico e a perda global de uns mil denários não era excessiva para ele. Maior prejuízo tinha sido a má administração precedente.

E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza (v. 8a).

O v. 8a já poderia ser o final original da parábola. O recurso é tão engenhoso quanto desonesto. Quem é este “senhor” que elogia? É o patrão que admira o engenho (cf. Pr 22,3; 27,12)? Para nossa liturgia, escrevendo em minúscula “senhor”, é o dono, o homem rico de v. 1 (na antiguidade até o século IX d.C., porém, não existiam minúsculas, apenas maiúsculas). Não se deve esperar que o dono comente seu prejuízo assim. É o próprio Jesus (portanto deve ser escrito com maiúscula “Senhor”), como se pode verificar em 18,6, onde Jesus também comenta o final de uma parábola! Jesus não elogia a falta de ética deste gerente (qualificado como “desonesto”), mas a determinação dele (cf. 14,28-32: na parábola da torre e da guerra calcula-se os recursos para tomar uma decisão razoável). Deus é o dono da nossa vida que nos é confiada para administração fiel, mas um dia devemos prestar conta dela (cf. a parábola em 19,11-27p, etc.). Diante do juízo que pode chegar de repente, no final da própria vida (cf. 12,20; 16,22) ou no do mundo (17,22-37 etc.), há de reagir com determinação e não se pode ficar parado (cf. a mulher de Ló, 17,32; Gn 19,26).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2012) comenta: Esta parábola traz muitas vezes dificuldades, porque parece propor o exemplo de um espertalhão. Mas Jesus não hesita, em outras parábolas, em comparar o julgamento de Deus com o de um juiz sem justiça (18,1-8), tampouco em convidar os seus discípulos a serem hábeis como as serpentes (Mt 10,16); é claro que ele não exorta os seus à justiça ou à malvadez. Na parábola em foco, ele toma a precação de qualificar o “gerente” como “desonesto” (v. 8). Se este serve de exemplo… não o é senão por sua habilidade.

Com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz (v. 8b).

Hesita-se as vezes, em fixar o ponto onde terminou a parábola original (8a ou 8b) e onde começam os comentários da comunidade e do evangelista. Depois de v. 8a, seguem-se outras conclusões (vv. 8b-13), acrescentadas posteriormente como tentativas para explicar esta parábola desconcertante e evitar mal-entendidos: Jesus não elogia a corrupção nem uma administração infiel. Em v. 8b chama seus discípulos de “filhos da luz” (iluminados pela fé e pelo batismo; cf. 1Ts 5,5; Ef 5,8) e os convida a serem tão hábeis no serviço do Reino quanto os espertalhões deste mundo em seus negócios escusos. Os “filhos deste mundo” são “mais espertos” nas coisas do mundo, enquanto os discípulos, ou seja, nós como Igreja, ficamos, muitas vezes, parados, sem determinação, sem criatividade, sem inteligência, “insensatos e lentos de coração” (24,25). Na ação evangelizadora, precisamos ser muito mais inteligentes, eficientes e rápidos.

A Bíblia do Peregrino comenta (p. 2510): Os bens nos foram confiados por Deus para os administrarmos. Sobrevém uma situação de emergência, e eles vão acabar. Com esse dinheiro ao qual se prendem tantas injustiças grandes e pequenas, é preciso “fazer amigos” o quanto antes (v. 9); perdoando dívidas, fazendo favores a outros mais necessitados. Conclusão não menos desconcertante: o próprio Deus, o patrão “defraudado”, nos recebe em sua “morada eterna” (v. 9). “Quem se compadece do pobre empresta ao Senhor” (Pr 19,17). A parábola se quebra no final. Porque há uma “prudência” cristã que é insensatez aos olhos do mundo, mas à luz do evangelho é suprema, prudência paradoxal… No novo reino da luz e segundo seu regime deveriam desdobrar iniciativa e engenho na administração dos bens recebidos. Talento e engenho também são dons recebidos que administramos.

Podemos refletir sobre semelhanças do administrador desonesto com certos políticos de hoje. Infelizmente é prática comum desviar recursos públicos para fins particulares como também, para não perder as eleições, realizar obras e programas sociais e comprar votos por pequenos benefícios durante a campanha. Assim os pobres reelegem o administrador honesto, dizendo: “Rouba, mas faz”. Corrupção e populismo são os males de um sistema político que precisa ser reformado para servir ao bem comum de todos. O papa Francisco fala da diferença entre pecador e corrupto: O pecador se arrepende e pede perdão, sentindo-se fraco e humilde. O corrupto não se arrepende, continua pecar e finge, escandaliza por sua vida dupla (cf. homilia na Casa St.ª Marta, 11/11/2013).

O site da CNBB comenta: Neste trecho do Evangelho, Jesus nos mostra que os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz. Então podemos perguntar: Por que isso acontece? A resposta é muito simples: é porque os negócios em geral são regidos pelos valores do mundo, que são inaceitáveis para quem quer viver na radicalidade os valores do reino de Deus. Os valores que regem a economia são o lucro desenfreado, a exploração, o egoísmo, a dureza de coração, só se pensa em si próprio e nos seus interesses. Essa esperteza não interessa aos que querem viver como filhos e filhas de Deus.

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