11 de junho de 2017 – Domingo, Santíssima Trindade – Ano A

1ª Leitura: Ex 34,4b-6.8-9

O contexto da 1ª leitura de hoje é aliança rompida pelo pecado da idolatria do bezerro de ouro (cap. 32). Pela intercessão de Moisés, Javé Deus se mostra disposto a perdoar o povo. Moisés queria ainda ver a glória de Deus, mas seu pedido é negado, poderia ver Deus apenas pelas costas (33,18-23), porque o rosto de Deus permanece invisível no Antigo Testamento (AT).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 145) comenta: Ao pedido de Moisés, que quer se aproximar tanto quanto possível da realidade de Deus, o texto dá três respostas justapostas, como se o autor não se sentisse autorizado a simplificar o problema: 1. Não é possível conhecer a própria “glória” de Deus (isto é, sua realidade intima), mas os efeitos de sua bondade, sua graça e sua ternura, que não são anônimos, mas vêm de Alguém que deu seu nome: o Senhor … 2 Deus mesmo permanece incognoscível, enquanto o homem vive sobre a terra (v. 20). É possível ver Deus “de costas”, quer dizer, depois que ele passa, podem-se constatar os efeitos de sua glória na história e na criação. Mas não é possível vê-lo “na face”, isto é, de frente: seria prever a sua ação, fixar-lhe um programa, ao passo que ele é soberanamente livre (vv. 21-23).

Na leitura de hoje, Javé realiza o que havia prometido e releva os seus atributos divinos, especialmente a sua misericórdia.

A redação final de Ex 24,12-40,38 acontece no pós-exílio quando os sacerdotes buscavam enraizar suas instituições, leis e hierarquias nas tradições mais antigas de Israel. A Nova Bíblia Pastoral comenta nossa leitura: Nesta narrativa, os exilados, após três ou quatro gerações no exilio (v. 7; cf. 20,5; Nm 14,18; Dt 5,9), apresentam-se como povo perdoado e como herança de Javé (v. 9), e preparam a integração de suas próprias leis na Aliança.

Moisés levantou-se, quando ainda fazia noite, e subiu ao monte Sinai, como o Senhor lhe havia mandado, levando consigo as duas tábuas de pedra (v. 4b)

A subida e descida de Moisés marcaram toda a narração da aliança no Sinai. As duas tábuas de pedra contém os dez mandamentos “escritos pelo dedo de Deus” (31,18; cf. 24,12). Moisés quebrou as primeiras tábuas quando viu o pecado da idolatria (bezerro de ouro, cf. 32,19). Agora a aliança (24,1-11) será renovada. Moisés é chamado novamente para subir ao monte Sinai (Horeb) e receber uma nova edição destes mandamentos (34,1). Os novos mandamentos (34,10-28) não coincidem plenamente com os anteriores de 20,1-17 e 23,14-19; supõem-nos. Desta vez Moisés tinha que fabricar as tábuas (v. 4a), e o Senhor escreverá de novo.

O Senhor desceu na nuvem e permaneceu com Moisés, e este invocou o nome do Senhor. Enquanto o Senhor passava diante dele, Moisés gritou: “Senhor, Senhor! Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (vv. 5-6).

Como a conclusão da aliança (cap. 19) a sua renovação (cf. v. 10) também é precedida de uma manifestação de Deus. Passando diante de Moisés, Javé realiza a promessa de 33,19-23 e revela que Deus é Senhor, porque é amor e perdão.

Como no cap. 19,16-20, “Javé sobre a montanha de Sinai”, mas desta vez sem fogo, sem tempestade, sem terremoto, apenas “na nuvem”, símbolo da sua presença (e da sua glória cf. 16,10; 24,15s) durante a caminhada desde a saída do Egito (13,21s; 14,19s) e na tenda da reunião (33,9s; 40,34-38; cf. Nm 9,15-23; 10,34; 11,25), e depois no templo de Jerusalém (1Rs 8,10-12).

“E este (lit. ele) invocou o nome do Senhor”; não estando expresso o sujeito, poderíamos também entender que Deus mesmo proclamou o seu nome (cf. 3,14-16). A maioria das Bíblias entende assim, p. ex. a Bíblia de Jerusalém traduz o v. 6a: “Iahweh (Javé, o Senhor) passou diante dele, e ele exclamou”

A Bíblia do Peregrino (p. 169) comenta: Deus mesmo fala, pronunciando um texto litúrgico, síntese de revelação. (Paralelos: Sl 86,15; 103,8; 145,8; Jl 2,13; Jn 1,14; Ne 9,17; etc.). Moisés escuta a voz de Deus, que se apresenta pelo nome e enuncia as próprias qualidades.

No final, verá um dorso que se afasta: é a revelação do mistério. Forma que esconde o rosto, proximidade que se oferece no afastar-se, sempre incitante e intangível. “Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1,18). Compara-se com a luta de Jacó (Gn 32) e com a visão de Elias no Horeb (1Rs 19): três grandes símbolos da ânsia humana de penetrar no mistério de Deus.

O Senhor descreve para Moisés, para o homem, seu próprio modo de agir. Não menciona aqui a onipotência nem a onipresença, tampouco a justiça. Menciona qualidades que englobam e superam a relação de aliança. Por pura misericórdia, o Senhor se dispõe a renovar uma aliança violada pela outra parte. Os capítulos 19-20 necessitam destes três versículos.

Nossa liturgia omite o v. 7 que fala que o amor de Deus é tolerante para milhares de gerações, mas não deixa ninguém impune e castiga até a quarta geração (cf. 20,5s).

Imediatamente, Moisés curvou-se até o chão e, prostrado por terra, disse: “Senhor, se é verdade que gozo de teu favor, peço-te, caminha conosco; embora este seja um povo de cabeça dura, perdoa nossas culpas e nossos pecados e acolhe-nos como propriedade tua” (vv. 8-9).

Moisés faz o devido geste de humilde adoração que convém diante de Deus. A intercessão de Moisés serve para prepara a aliança que ele deseja e aceita de antemão: “toma-nos como tua herança”, ou seja “acolhe-nos como propriedade tua”.

 

2ª Leitura: 2Cor 13,11-13

Esta leitura é o final de 2Cor.

Irmãos: Alegrai-vos, trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, cultivai a concórdia, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco. Saudai-vos uns aos outros com o beijo santo. Todos os santos vos saúdam (vv. 11-12).

Nas outras cartas, Paulo saúda várias pessoas concretas, mas aqui a despedida é breve e não nomeia ninguém.

“Cultivai a concórdia”, lit. pensai do mesmo modo. O “beijo santo” (ósculo litúrgico) é símbolo da união e da fraternidade cristã (Rm 16,16; 1Cor 16,20; 1Ts 5,26).

A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós (v. 13).

A última frase é a fórmula trinitária mais clara do Novo Testamento, nascida provavelmente de alguma fórmula litúrgica, que entrou como saudação no início das missas ou cultos católicos. Nos cultos protestantes, é usada para o encerramento (benção final).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2187) comenta: Essa formula trinitária, provavelmente de origem litúrgica (cf. também Mt 28,19), tem seu eco em numerosas passagens das epístolas, em que a ação respectiva das três Pessoas divinas é apresentada em função dos contextos diversos (Rm 1,4; 15,16.30; 1Cor 2,10-16; 6,11.14.15.19; 12,4-6; 2Cor 1,21s; Gl 4,6; Fl 2,1; Ef 1,3-14; 2,18.22; 4,4-6; 2Ts 2,13; Tt 3,5s; Hb 9,14; 1Pd 1,2; 3,18; 1Jo 4,2; Jd 20.21; Ap 1,4s; 22,1; cf. At 10,38; 20-28; Jo 14,16.18.23). Observem-se em 1Cor 6,11; Ef 4,4-6 as formulações ternarias, que reforçam o pensamento trinitário. Comparar também com a tríade das virtudes teológicas (1Cor 13,13).

Evangelho: Jo 3,16-18

O evangelho de hoje pertence ao diálogo de Jesus com o velho conselheiro Nicodemos que se transformou no primeiro discurso típico do quarto evangelho (vv. 1-21).

Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna (v. 16).

“Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho unigênito” (v. 16a). Em Jo, o “mundo” pode significar, como aqui, toda criação amada por Deus (17,5.24; Sb 11,24) ou a terra habitada por seres humanos (17,25; 16,21). Muitas vezes, porém, é o mundo que se afastou de Deus, a humanidade perdida que se fechou à luz e odeia os discípulos de Jesus “porque não pertencem ao mundo” como ele também não (17,14).

Deus ama até as últimas consequências (cf. 13,1), em vez de “deu” talvez seja melhor traduzir “entregou” (palavra-chave da paixão) “o Filho unigênito” (1,18: “o unigênito que é Deus no seio do Pai”); talvez com alusão oblíqua ao sacrifício ao sacrifício de Isaac (Gn 22,2.16; Rm 8,32; 1Jo 4,9-10). Em vez de falar do “Reino de Deus” (exceto em vv. 3.5) como os outros três evangelistas, o quarto evangelista prefere falar da “vida”, eterna ou plena (cf. 1,4; 3,36; 4,14; 5,24.26; 6,27.33 etc., cf. 8,12; 10,10; 11,25; 14,6; 20,31).

De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito (vv. 17-18).

Outra palavra-chave em Jo é “enviar”. Jesus é o enviado do Pai (cf. 4,34; 5,24.36-38; 9,7; 8,42; etc.). “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar, mas para que o mundo seja salvo por ele” (v. 17). Como nas cartas de Paulo é apenas a fé que decide sobre salvação ou condenação (cf. Rm 1,16s; 3,21-26; Gl 2,16 etc.; mas a fé sem obras não é suficiente: Tg 2,14-26; Mt 7,21-23; 25,31-46). Fé é acolher Jesus (1,12; 5,34), conhecer e reconhecê-lo como enviado do Pai (6,29; 12,44; 14,1.10; 17,8,21-25; 20,31). Quem crê, será salvo, terá a vida eterna (vv. 16.18; 5,25; 10,26-28). Como contrário à “salvação”, entende-se aqui o “julgamento” de condenação (vv. 17-19). A incredulidade se fecha ao dom do amor, e com isso fica julgada e condenada. Não é Jesus que condena, mas o ser humano que não o aceita, está condenando a si mesmo estando fora da salvação.

O fato de que Deus quer salvar este mundo que não o merece (1,10), e ainda dar (entregar) o mais precioso que ele tem, o seu Filho unigênito, é o milagre do seu amor. O maior amor é dar a vida pelos amados (15,12s). Em v. 14, a cruz já foi anunciada no símbolo da serpente de bronze. O Papa Francisco falou na sexta-feira santa (2013) no Coliseu: “A Cruz de Jesus é a Palavra com que Deus respondeu ao mal do mundo. Às vezes parece-nos que Deus não responda ao mal, que permaneça calado. Na realidade, Deus falou, respondeu, e a sua resposta é a Cruz de Cristo: uma Palavra que é amor, misericórdia, perdão. É também julgamento: Deus julga amando-nos. Lembremo-nos: Deus julga amando-nos. Se acolho o seu amor, estou salvo; se o recuso, estou condenado, não por Ele, mas por mim mesmo, porque Deus não condena, Ele unicamente ama e salva.”

O site da CNBB comenta: A vinda de Jesus ao mundo é a grande manifestação do amor misericordioso de Deus, que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva, e por isso manda o seu próprio Filho, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele, ou seja, pelo mistério de sua paixão, morte e ressurreição, todas as pessoas que querem viver segundo a luz, realizando as obras de Deus, e fugir das obras das trevas, fugir do pecado e das suas consequências, deixam de ser escravas do pecado e da morte e tornam-se livres, filhos e filhas de Deus, para viver segundo a graça e caminhar na esperança de que viverá eternamente junto de Deus.

 

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