11 de junho de 2018, segunda-feira: Muitas pessoas acreditaram no Evangelho e se converteram ao Senhor

S. Barnabé, apóstolo

  1. Barnabé recebeu o título de “apóstolo” apesar de não ser um dos doze apóstolos. Nas primeiras comunidades havia um uso mais amplo deste título (cf. Rm 16,7), mas havia abuso por “falsos apóstolos” (2Cor 11,13). Por isso, Lc que escreveu os At por volta de 85 d.C. restringe o título apóstolo somente aos doze que acompanhavam Jesus antes da sua ressurreição e a Matias que foi eleito no lugar de Judas segundo este critério (At 1,21-26). Em At, nem Paulo é chamado de apóstolo, sim de “testemunha escolhida” (cf. At 9,15; 22,15; 26,16). Mas o próprio Paulo insistiu nas suas cartas neste título de apóstolo, portanto fazemos uma exceção por seus méritos (cf. 1Cor 15,9-10) e costumamos chamá-lo assim. Mas porque Barnabé também?

Barnabé aparece na Bíblia após o retrato ideal da comunidade em Jerusalém em At 4,36-37: José Barnabé vendeu seu campo e depositou o dinheiro “aos pés dos apóstolos”, quer dizer colocou à disposição deles. Isso deve ter merecido o apelido “Barnabé que significa filho da consolação”, porque a comunidade era “um só coração e uma só alma” (4,32), mas precisava de doadores generosos e coletas por fora. Ele “era levita e natural de Chipre” (4,36). Barnabé soube descobrir e apoiar Saulo-Paulo (9,27; 11,25; 13-14) cujas idéias missionárias compartilhavam (15,2.12; cf. 1Cor 9,6) embora havia opiniões diferentes a respeito de João Marcos (15,35-39). Evangelizaram juntos na ilha de Chipre e na Ásia Menor (13-14) qualificados mais adiante de “apóstolos” (14,4.14), só nestas duas vezes os At concedem este título a homens que não são dos doze! Mas deve ser entendido como “enviados” em missão pela Igreja de Antioquia (nossa leitura de hoje: 13,2-3; cf. Jo 13,16: 2Cor 8,23). Deve ser por isso que Barnabé também é “apóstolo” na liturgia da Igreja.

 

Leitura: At 11,21b-26; 13,1-3

A leitura de hoje nos apresenta o início da missão sistemática aos pagãos. A conversão do eunuco da Etiópia (8,26-40) e do centurião romano Cornélio (cap. 10) foram fatos individuais, embora significativos. A fundação e a consolidação da igreja da Antioquia significa uma abertura e erradicação institucional. Antioquia fica no sul da atual Turquia, a margem do rio Orontes, era capital da província romana da Síria, terceira maior cidade do império depois de Roma e Alexandria do Egito.

Muitas pessoas acreditaram no Evangelho e se converteram ao Senhor (11,21b).

Por seu pluralismo cultural e religioso, a cidade de Antioquia oferece um campo de operações oportuno para novas experiências. Inicialmente gerada pela igreja de Jerusalém, converte-se logo no grande centro de irradiação do “Evangelho” (Boa Nova).

Nos vv. anteriores se mencionam brevemente duas fases da evangelização, a primeira a dos  (cristãos) helenistas, dirigida exclusivamente aos judeus (v. 19; cf. Mt 10,5s). Não diz que êxito tiveram. A outra audaz de cipriotas e cirenaicos, dirigida aos pagãos, aos “gregos” (v. 20; var: “helenistas”, cf. 9,29); em oposição a “judeus” (v. 19) designa os incircuncisos (pagãos) em geral. Deus os apóia, “a mão do Senhor estava com eles” (v. 20; cf. Lc 1,66) e o êxito é notável. Isso significa que em Antioquia começa a existir uma numerosa comunidade cristã sem vínculos precedentes com o judaísmo.

O titulo “Cristo” correspondia à expectativa particular dos judeus, mas a pregação aos gentios (pagãos) prefere dar a Jesus o título de “Senhor” (cf. o título aplicado ao imperador em 25,26). Jesus é “Senhor”, pela sua exaltação à direita de Deus tornou-se o soberano do reino do fim dos tempos (cf. 2,21.36; 7,59-60; 10,36; 1Ts 4,15-17; 2Ts 1,7-12; Rm 10,9-13).

A notícia chegou aos ouvidos da Igreja que estava em Jerusalém. Então enviaram Barnabé até Antioquia. Quando Barnabé chegou e viu a graça que Deus havia concedido, ficou muito alegre e exortou a todos para que permanecessem fiéis ao Senhor, com firmeza de coração. É que ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé. E uma grande multidão aderiu ao Senhor (11,22-24).

Segundo o autor dos Atos, Lucas, a igreja de Jerusalém conservava a alta direção e a responsabilidade última (cf. a necessidade da justificação de Pedro em 11,1-18) pela transmissão da fé autêntica. Esta igreja, como origem e centro da Igreja primitiva, usa de um direito de vigilância sobre as outras igrejas (cf. 8,14; 11,1; Gl 2,2). Diante a nova situação em Antioquia, tem de tomar partido, informando-se e agindo.

Aqui o narrador introduz dois personagens que já apareceram no livro: Barnabé e Paulo. O primeiro, embora cipriota helenista, não pertence ao grupo de Estevão, mas colaborou com os apóstolos. Foi um dos protagonistas na experiência da comunidade de bens (4,36s). Parece uma pessoa apta para conduzir as relações entre Jerusalém e Antioquia. “Exortou a todos”, jogo de palavras, parecido com o nome de Barnabé, “filho de exortação” ou da “consolação/profecia” (4,36). O texto de hoje o elogia (v. 24): “homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé”, dotes que lhe permitem apreciar e discernir os fatos e planejar para o futuro.

Então Barnabé partiu para Tarso, à procura de Saulo. Tendo encontrado Saulo, levou-o a Antioquia. Passaram um ano inteiro trabalhando juntos naquela Igreja, e instruíram uma numerosa multidão (11,25-26b).

O segundo personagem é Saulo (o cognome Paulo já tinha antes da sua conversão, cf. 13,9) cujos dotes Barnabé parece conhecer ou intuir. Ele busca Saulo-Paulo na cidade natal dele, Tarso (no sul da atual Turquia) para onde se havia refugiado (cf. 9,11.30; 22,3). E ambos “trabalharam juntos”, sentido incerto; poder-se-ia entender: agiram de acordo, juntos ou: “foram ambos recebidos (pela igreja)”, isto é foram hospedes dessa igreja local..

Notemos que no começo é Barnabé que dirige. Sua colaboração durante “um ano inteiro” em terreno privilegiado deve ter incluído dois aspectos: a pregação direta do evangelho a grupos diversos, e a elaboração de novas formas de pregação para os pagãos.

Em Antioquia os discípulos foram, pela primeira vez, chamados com o nome de cristãos (11,26c).

O grupo dos fieis recebe dos de fora um nome que é todo um símbolo. O conteúdo judaico chamado Messias (=Ungido) é traduzido livremente para o grego com o particípio passivo Christós; e os romanos lhe acrescentam o morfema latino de adjetivo e resulta christianos= “cristão”, isto é partidário ou sectário de Cristo. Ao criarem esta alcunha, os gentios de Antioquia tomaram o titulo de “Cristo” (ungido, Messias) por um nome próprio.

A perseguição depois da morte de Estevão (cf. 8,1-4) tinha efeito de semeadura: os cristãos espalhados eram sementes jogadas sobre a terra, germinando em todos os campos e terrenos. A intenção inicial dos apóstolos era ficar somente em Jerusalém, pelas perseguições é que eles saíram, como que obrigados. E ficaram surpreendidos, porque eles não esperavam tanto sucesso. É que a evangelização não é obra nossa, é obra da “mão do Senhor” (v. 21a).

Na igreja de Antioquia, havia profetas e doutores. Eram eles: Barnabé, Simeão, chamado o Negro, Lúcio de Cirene, Manaém, que fora criado junto com Herodes, e Saulo (13,1).

Nossa leitura de hoje saltou o capítulo 12 com a perseguição que causou a morte de Tiago e a prisão de Pedro que foi libertado por um anjo, “saiu e se pôs a caminho para outro lugar” (12,17). Não ouvimos mais de Pedro nos Atos dos Apóstolos. A segunda parte do livro trata sobre a expansão da Igreja no mundo pagão (cf. 1,8: “até os confins do mundo”). O protagonista agora é “Paulo”, a partir de 13,9 este nome romano substitui o hebraico Saulo e aparece em primeiro lugar antes de Barnabé. Ponto de partida, porém, não é Jerusalém, mas Antioquia.

Barnabé e Saulo-Paulo voltaram a Antioquia “tendo concluído seu ministério”, tinham levado uma coleta para os irmãos em Jerusalém (11,29-30; Paulo sempre levava coletas para os irmãos mais pobres da Palestina; cf. 2Cor 8-9). De Jerusalém trouxeram consigo “João, chamado Marcos” (12,12), “primo de Barnabé” (Cl 4,10) e suposto autor do Evangelho mais antigo que foi escrito por volta de 70 d.C.

A comunidade de Antioquia, tendo acolhido a palavra, agora dispõe de muitos ministros. São citados dois: “profetas e doutores” (13,1), eram dois carismas de interpretação das escrituras e direção da comunidade. O profeta recebe a luz do Espírito para resolver casos concretos, o mestre explica a doutrina do evangelho. Na lista dos dirigentes (cf. a dos doze apóstolos em 1,13 e a dos sete diáconos em 6,5) estão cinco homens, provavelmente judeus helenistas: Barnabé em primeiro lugar, Saulo ainda em último (cf. 1Cor 15,8-9).

Um dia, enquanto celebravam a liturgia, em honra do Senhor, e jejuavam, o Espírito Santo disse: “Separai para mim Barnabé e Saulo, a fim de fazerem o trabalho para o qual eu os chamei”. Então eles jejuaram e rezaram, impuseram as mãos sobre Barnabé e Saulo, e deixaram-nos partir (13,2-3).

O envio de Saulo e Barnabé acontece num contexto em que a comunidade reza e jejua. Duas vezes aparece a expressão: rezavam e jejuavam. “Jejum” porque se o coração só deseja e procura atender às nossas necessidades egoístas, se limita somente aos interesses da vida material, não tem espaço para fazer germinar e crescer a Palavra de Deus. A palavra não é percebida. A “oração” coloca-nos diretamente em contato com Deus, atentos e disponíveis à sua presença, confortados pela sua força. A oração e o jejum são como o ventre onde nascem a fé, as vocações e a missão. É a vida interior e a oração que permitem o testemunho e a missão. Assim a comunidade está consciente de que a evangelização não é uma obra humana, mas é ação do Espírito Santo que, neste livro, mais de uma vez, dá ordens: escolhe as pessoas, indica as tarefas.

“Separai para mim” – indica uma consagração total, como os levitas (Nm 16,9). “Enviados, pois, pelo Espírito Santo, eles desceram para Seleucida e daí navegaram para Chipre” (v. 4); serão chamados, a partir de agora, de “apóstolos” (= enviados) em 14,4.14.

A imposição das mãos parece ser o gesto da comunidade para enviar e encomendar os eleitos à graça de Deus para as obras a realizar (13,3; cf. 14,26; 15,40; 6,6; 12,23; 1Tm 4,14; 5,22; 2Tm 1,6). Neste contexto, lembramo-nos do gesto de Papa Francisco pedindo a benção do povo após sua eleição, antes de iniciar sua missão.

Aqui, no texto, o dado fundamental é que a segunda igreja em importância, Antioquia, envia dois de seus membros em missão para evangelizar. A norma é começar a “anunciar a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus” (13,5). Levaram João Marcos como “ajudante” e partiram para ilha de Chipre, talvez por ser a pátria de Barnabé, e vão evangelizar a região da atual Turquia ao norte da ilha (13,4-14,26). Uma viagem notável para os missionários a pé, notável, mero ensaio para as futuras viagens de Paulo. Na sua segunda viagem missionária, Paulo não queria mais levar Marcos e por isso se separou de Barnabé, que “levou Marcos consigo e embarcou para Chipre“ (15,40), sua terra natal (4,36). Depois Barnabé não aparece mais nos At, mas existe uma carta apócrifa atribuída erroneamente a ele, a Carta de Barnabé que é uma interpretação alegórica do Antigo Testamento para os cristãos do século II.

 

Evangelho: Mt 10,7-13

O evangelho do dia do apóstolo Barnabé é tirado do segundo discurso de Jesus em Mt que trata sobre a missão dos apóstolos (cap. 10). Para este discurso, Mt combinou a chamada dos Doze de Mc 3,13-19 com seu envio em missão relatado em Mc 6,7-13 e em Q (coleção perdida com palavras de Jesus, que Lc usa também, cf. Lc 9,1-6; 10,1-12), acrescentando depois outras palavras sobre a perseguição (vv. 16-42: cf. Mc 13,9-13; Lc 12,2-9.51-53; 14,26-27; 21,12-19).

Depois de chamar os Doze (vv. 1-4; doze é o número das tribos de Israel, cf. Ex 1,1-5; 24,4; Ap 7,4-8), Jesus dá recomendações concretas aos apóstolos. A ordem própria de Mt 10,5-6, de ir para as ovelhas perdidas de Israel e não para os samaritanos e gentios, é omitida no texto de hoje, porque é revogada depois da ressurreição: em Mt 28,19 Jesus envia os onze apóstolos a todos os povos, como depois Paulo e Barnabé (cf. leitura de hoje).

Em vosso caminho, anunciai: “O Reino dos Céus está próximo” (v. 7).

É o mesmo anúncio de João Batista e de Jesus (3,2; 4,17). Conforme o costume dos seus leitores judeu-cristãos, Mt evitar pronunciar o nome de Deus e prefere a expressão “Reino dos céus” (em vez de Reino de Deus); não designa um reino celeste, mas que Aquele que está no céu (5,48; 6,9; 7,21) reina sobre o mundo.  O reino sempre pertence ao Senhor (Sl 22,29; 103,19; 145,11-13;…), mas este reinado de sempre “se aproximou” dos seres humanos na pessoa de Jesus.

Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios (v. 8a).

Estas quatro ações abraçam toda atividade de Jesus na séria dos capítulos anteriores (8-9), até o poder sobre a morte. A lepra é mencionada à parte, porque contamina (os envios paralelos de Mc 6,7.13 e Lc 9,1-2.6; 10,9 só falam da cura de doentes e espíritos maus).

De graça recebestes, de graça deveis dar! (v. 8b).

Parece que muitos curandeiros da época cobraram caro por seus serviços. Mas o poder dos discípulos vem de Deus, então devem fazer diferença imitando a atitude de Jesus (gratuidade; para Paulo: somos salvos pela “graça”, não pelas obras da lei, cf. Rm 5,15-20 etc.).

Não leveis ouro nem prata nem dinheiro nos vossos cintos; nem sacola para o caminho, nem duas túnicas nem sandálias nem bastão, porque o operário tem direito ao seu sustento (vv. 9-10).

As recomendações de não levar quase nada pelo caminho (levar duas túnicas já era considerado certo luxo, cf. Lc 3,10) já estavam em Mc 6,8-9 (lá, pelo menos sandálias e um cajado são permitidos) e na coleção de palavras chamada Q (fonte perdida; cf. Lc 9,3; 10,3), mas Q afirmou ainda a razão: ”porque o operário tem direito a seu sustento” (lit. alimentação, cf.  Lc 10,7b: digno do seu “salário”), ou seja, o missionário pode contar com o sustento pela comunidade (cf. 1Tm 5,17-18 que estabelece dois salários para presbíteros; em 1Cor 9, 14, Paulo afirma estas palavras de Jesus, mas não se vale deste direito nos vv. 15-18 para não ser confundido com exploradores). Confiando em Deus, o missionário não tem preocupações materiais (cf. 6,11; 25-33).

Em qualquer cidade ou povoado onde entrardes, informai-vos para saber quem ali seja digno. Hospedai-vos com ele até a vossa partida (v. 11).

“Informai-vos para saber quem ali seja digno” (v. 11). Além da prudência, esta recomendação pode se referir à precaução dos judeus que não entram em casa de pagãos, publicanos ou pecadores (8,8; 9,10s; Jo 18,28; At 11,2s; mas cf. Mt 5,46-47; 9,10-13; 21,32).

A hospedagem numa única casa (v. 11) já foi recomendada por Mc 6,10. Havia missionários ociosos vivendo à custa do povo mudando de casa em casa (cf. 2Ts 3,6-11). No século VI, contra monges vagabundos, S. Bento estabeleceu a “estabilidade do local” (mosteiro) e o trabalho além da oração como eixo da vida religiosa (reze e trabalhe).

Ao entrardes numa casa, saudai-a. Se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; se ela não for digna, volte para vós a vossa paz (vv. 12-13).

“Shalom” (“Paz” em hebraico) é a saudação comum em Israel até hoje; significa não só o silêncio das armas, mas a plenitude dos bens (saúde, educação, trabalho, prosperidade; cf. Jo 20,19.21.26; Nm 6,26).

Também a ordem de desejar a paz, que voltaria se não for um amigo da paz (vv. 12-13), foi transmitida pela fonte Q (Lc 10,5-6). Os apóstolos levam a paz do messias que os amantes da paz saberão reconhecer (cf. 5,9; Sl 120; 122). Mas a rejeição será fatal (cf. Lc 19,42-44), acarretará o castigo exemplar das cidades que violaram a hospitalidade (cf. Gn 18-19; Sb 19,13-17).

Os discípulos-missionários devem seguir o exemplo de Cristo, levar uma vida simples junto com o povo sofrido, confiando em Deus e não nas coisas materiais nem na violência, ao final deve-se anunciar a paz e o reino de Deus, não o estilo de vida consumista.

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