11 de Novembro de 2018, Domingo: O destino de todo homem é morrer uma só vez, e depois vem o julgamento (v. 27).

1ª Leitura: 1Rs 17,10-16

A 1ª leitura foi escolhida em vista da pobre viúva que Jesus elogia no evangelho. Em 1Rs 17 começa o cíclo de Elias. O profeta havia anunciado uma seca pela região e se escondido na Transjordânia (vv. 1-6). A seca serve para castigar Israel pelo culto a Baal (16,30-33) introduzido pela esposa do rei Acab, Jezabel, que era princesa de Sidônia na Fenícia (atual Líbano).

Elias pôs-se a caminho e foi para Sarepta (v. 10a).

Depois de secar a torrente do lugar onde Elias estava escondido, Javé Deus o enviou a “Sarepta dos sidônios”, onde uma viúva lhe daria sustento (vv. 7-8). Sarepta (hoje Sarafand) é um pequeno povoado na Fenícia, perto da costa mediterrânea do Líbano, 15 km ao sul de Sidônia (cf. Ab 20). Jesus destacou em Nazaré que Elias foi enviado a uma viúva na região pagã de Sidônia, enquanto havia muitas viúvas em Israel (Lc 4,25s).

É justamente a região de onde veio Jezabel com o seu culto estrangeiro (16,31s) para onde Elias é enviado. Mas o poder do verdadeiro Deus Yhwh (Javé, Senhor) se estende também a essa terra, e o profeta leva aí a sua presença.

Ao chegar à porta da cidade, viu uma viúva apanhando lenha. Ele chamou-a e disse: “Por favor, traze-me um pouco de água numa vasilha para eu beber”. Quando ela ia buscar água, Elias gritou-lhe: “Por favor, traze-me também um pedaço de pão em tua mão!” Ela respondeu: “Pela vida do Senhor, teu Deus, não tenho pão. Só tenho um punhado de farinha numa vasilha e um pouco de azeite na jarra. Eu estava apanhando dois pedaços de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho, para comermos e depois esperar a morte” (vv. 10b-12).

A viúva jura “pela vida do Senhor, teu Deus”, como se ela cresse no Deus de Israel. Jurar pelo nome do Senhor era profissão de fé. “Não tenho pão”, lit. “não tenho bolo”: enquanto o termo pão (v. 11), que tem um sentido geral, indica o alimento básico de uma população agrícola, o termo “bolo” especifica o modo costumeiro de preparar o “pão”.

Deve-se escutar no original a série regular e inexorável dos verbos: “Irei e o cozinharei, e o comeremos e morreremos”: a última refeição dos condenados a morrer de fome. A viúva e os órfãos, privados da presença do chefe de família, eram, por este fato os oprimidos da sociedade de então (cf. Is 1,23; 10,2). Muitas vezes só podiam viver de esmolas, que eram mesquinhas nas épocas de fome.

Elias replicou-lhe: “Não te preocupes! Vai e faze como disseste. Mas, primeiro, prepara-me com isso um pãozinho, e traze-o. Depois farás o mesmo para ti e teu filho. Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: “A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até ao dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra“ (vv. 13-14).

“Não te preocupes” lit. não temas. Acha-se aqui uma promessa de Deus (cf. Gn 15,1; 26,24; 46,3; Js 8,1; Jz 6,23; Is 7,4; Jr 1,8; Lc 1,30; 2,10 etc.)

A mulher foi e fez como Elias lhe tinha dito. E comeram, ele e ela e sua casa, durante muito tempo. A farinha da vasilha não acabou nem diminuiu o óleo da jarra, conforme o que o Senhor tinha dito por intermédio de Elias (vv. 15-16).

Por meio do seu profeta, o Senhor traz o pão de que vive o homem (e a mulher), vinculado ao mandato que dá vida (cf. Dt 8,3: “O homem não vive somente do pão, mas de tudo o que sai da boca de Deus”). É uma espécie de repetição do milagre do maná para a mulher confiante na palavra de Deus (cf. v. 6; Ex 16,21; Js 5,12); “ela e sua casa” (texto hebraico), o texto grego traz “e seu filho” e omite “por muito tempo”.

 

2ª Leitura: Hb 9,24-28

Na 2ª leitura continuamos na carta (melhor: sermão) aos Hebreus. Ainda na parte central da sua exposição (7,1-10,18), o autor anônimo explicita como a “nova aliança” se realizou pela mediação de Cristo, precisamente por seu próprio sangue, sua oferta de si mesmo, em vez de oferecer o sangue alheio de animais como faziam os sacerdotes no templo em Jerusalém. Para Hb, Jesus é o “sumo sacerdote” (cf. 2,17; 3,1; 4,14 etc.) mais perfeito e eficiente porque conseguiu “tirar os pecados da multidão” (v. 28) e “destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (v. 26), e isso definitivamente: “uma vez por todas” (7,27; 9,12.26.28; 10,10; cf. Rm 6,10; 1Pd 3,18).

O homem pecador necessitava de completa refundição de seu ser, o que só podia se realizar através da sua morte. Assim, era preciso que a morte tomasse sentido positivo, servindo para estabelecer nova relação entre o homem e Deus, bem como nova solidariedade entre os homens. E foi isso o que realizou a morte de Cristo, pois ele constituiu uma oferenda pessoal perfeita. Ela realizou definitivamente aquilo que o culto da primeira aliança só podia esboçar. Ela superou a distância que separava o homem de Deus, transportando a humanidade de Cristo para o nível celeste e introduzindo-a para sempre na intimidade de Deus (A. Vanhoye, p. 77).

Jesus não entrou num santuário feito por mão humana, imagem do verdadeiro, mas no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor (v. 24).

Jesus exerce seu sumo sacerdócio não no Templo de Jerusalém, “santuário feito por mão humana”, mas “no próprio céu” (v. 24, cf. 8,1-2.5; 9,11; 2Cor 5,1) para interceder “em nosso favor”. O Templo em Jerusalém foi destruído pelo exército romano em 70 d.C.  A redação de Hb (90 d.C.?) pode ser um reflexo do fim do culto neste templo.

E não foi para se oferecer a si muitas vezes, como o sumo sacerdote que, cada ano, entra no Santuário com sangue alheio. Porque, se assim fosse, deveria ter sofrido muitas vezes, desde a fundação do mundo. Mas foi agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo (vv. 25-26).

No “Santuário” (santíssimo do Templo), “só o sumo sacerdote entra, uma vez por ano…” (no dia do perdão ou da “expiação,” Yom kippur, cf. Lv 16; e tem de repeti-lo a cada ano), “e não o faz sem oferecer sangue por seus pecados e pelos do povo” (v. 7). O Filho de Deus, porém, não precisa fazer sacrifícios repetidamente como os sacerdotes levitas os fazem com o “sangue alheio” dos animais, porque o sacrifício de si mesmo foi o bastante “para tirar o pecado da multidão” (v. 28), já que ele mesmo não tinha pecado (cf. 4,15; cf. Is 53,11s). Basta um Filho único de Deus (unigênito e preexistente “desde a fundação do mundo” (cf. 1,2; Jo 1,1; 1Pd 1,19s), e seu sacrifício único, “na plenitude dos tempos… uma vez por todas” (v. 26; cf. 10,10; Mc 1,15; Gl 4,4) para conseguir o que os ritos do AT buscavam sem obter: o pecado é perdoado, abre-se o acesso a Deus e a reconciliação se realiza.

O destino de todo homem é morrer uma só vez, e depois vem o julgamento (v. 27).

A Bíblia afirma que após a morte não haverá reencarnação das almas (esta crença é sustentada pelo hinduísmo, budismo e espiritismo), mas “o destino de todo o homem é morrer uma só vez, e depois vem o julgamento” (v. 27; cf. Rm 2,5-10; Jo 5,28s). Nós cristãos acreditamos em um só Deus, um só Senhor, um só Espírito, uma só fé, um só batismo (cf. Ef 4,4-6) e que cada ser humano é único, portanto não vai levar outra vida na terra após a sua morte, mas sua alma continua viva e seu corpo se transformará na ressurreição (cf. 1Cor. 15).

Do mesmo modo, também Cristo, oferecido uma vez por todas, para tirar os pecados da multidão, aparecerá uma segunda vez, fora do pecado, para salvar aqueles que o esperam (v. 28).

Assim Jesus ofereceu sua vida uma única vez, “uma vez por todas”, e este sacrifício foi eficaz e bastante “para tirar os pecados da multidão” (Is 53,12; Mt 26,28; Jo 1,19; 1Pd 2,24); na Oração Eucarística pronuncia-se sobre o cálice: “meu sangue derramado por vós e por todos para remissão dos pecados”, interpretando a “multidão” de Is 53,12 citado por Mt 26,28 como toda humanidade, baseando se em Paulo e João (por ex. Rm 5,15-19; Jo 6,51 etc.). Aliás, na missa não repetimos o sacrifício de Cristo, mas o atualizamos (tornamos presente através da memória). O que Cristo realizou há 2000 anos, “uma vez por todas”, se torna eficiente por todos os tempos.

Agora Jesus ressuscitado está continuamente junto a Deus, intercedendo em favor dos homens. Ele voltará, “aparecerá uma segunda vez, fora do pecado”, não para um novo sacrifício, mas para dar aos fiéis a plenitude da salvação (v. 28; 1Ts 1,10 etc.).

 

Evangelho: Mc 12,38-44

Ouvimos hoje Jesus em Jerusalém terminando seu ensinamento público. Depois de ser desafiado pelos sacerdotes saduceus e fariseus mestres da lei (11,27-12,34), ele adverte sobre esta categoria e apresenta depois um exemplo de humildade e fé.

Jesus dizia, no seu ensinamento a uma grande multidão: “Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação” (vv. 35-40).

Concluindo as discussões com os líderes em Jerusalém, o evangelista reúne algumas críticas contra autoridades corruptas, como já o fizeram os profetas reiteradamente (cf. Jr 21-23; Mq 2-3 etc.). Os “doutores da Lei” arrogavam-se uma autoridade superior e exerciam uma influência dominante entre o povo. Daí a gravidade da denúncia.

Falando contra os doutores da Lei de Moisés (cf. Mt 23), Jesus alerta contra a hipocrisia de quem utiliza a própria saber religioso para encobrir o oportunismo e a exploração dos pobres. A tradição judaica estava cheia de exortação sobre o cuidado para com as viúvas, mas os setores dominantes oprimem. Qualquer semelhança com setores da sociedade de hoje é mera coincidência?

A Bíblia do Peregrino (p. 2433) comenta: O primeiro capítulo de acusação é a vaidade, parente da soberba, fustigada pelos Sapienciais e pelos profetas (Pr 8,13; Is 2,12). O segundo é a exploração de classes indefesas (as viúvas, segundo ampla tradição, Is 1,17.23) sob pretexto de orações que resultam viciadas; abusam ao mesmo tempo das viúvas e do culto. De modo bem diferente, os profetas Elias e Eliseu socorriam as viúvas e os órfãos (1Rs 17; 2Rs 4 e 8). Pelo tema da oração, essa série se une ao capítulo anterior (11,17.26).

“Devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações” (v. 40); outro sentido possível: “e, como dissimulação, oram longamente”.

A atuação pública em Jesus em Jerusalém começou no templo (purificação), para onde a narração se dirige ao final deste capítulo (cf. o Ev de Lc que inicia e termina sua narração inteira no templo).

Jesus estava sentado no Templo, diante do cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava suas moedas no cofre. Muitos ricos depositavam grandes quantias. Então chegou uma pobre viúva que deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada. Jesus chamou os discípulos e disse: “Em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (vv. 41-44).

O lugar do “Tesouro” (cofre) estava no recinto do templo, tinha um gazofilácio (ou cofre) exterior para receber as ofertas da multidão que depositava suas “moedas” (lit. “cobre”; cf. Mc 6,8).

Jesus critica a pratica do sistema religioso da época, que privou os pobres dos bens necessários a sobrevivência. A relação com a palavra anterior, dirigida aos doutores da lei, indica que esta viúva é uma daquelas que têm sua casa “devorada” pelos líderes religiosos (cf. v. 40)!

A Bíblia do Peregrina (p. 2433) comenta: Atraída pela palavra “viúva”, entra aqui esta narração: episódio sucedido ou parábola em ação. Colocada neste contexto próximo, irradia reflexos de contrastes. Seu desprendimento total ante a cobiça dos outros; o último lugar ante a busca dos primeiros; seu conceito puro do culto, vivido como sacrifício da pessoa. Podemos recordar a viúva fenícia que partilhou com Elias a última comida sua e do filho (1Rs 17). Sobre o cofre do templo, ver 2Rs 12,5; no tempo de Jesus se haviam diversificado os cofres, segundo o destino do dinheiro.

Como essas palavras, termina o ministério público de Jesus no evangelho de Marços. Quis conversar para todas as gerações (onde se pregar o evangelho) a figura dessa viúva pobre e anônima: uma lição e uma denúncia. Não precisava conhecer os 613 preceitos para cumpri-los; sabia dar a Deus o que é de Deus, ou seja, em forma de duas moedinhas, toda a sua vida.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1951) especifica as duas moedas “que não valiam quase nada”, lit. “isto é um quadrante” (outros traduzem: “alguns centavos”): Essas moedazinhas eram os mínimos valores monetários (lepton) em circulação. A especificação um “quadrante” destina-se aos leitores greco-romanos. A equivalência dada não é exata, mas exprime bem que se trata de muito pouca coisa

O site da CNBB comenta: Entre as inúmeras motivações que encontramos nos dias de hoje para o seguimento de Jesus, uma delas é a busca de privilégios. Isso não é uma coisa nova. Basta, para nós, a memória dos filhos de Zebedeu, que queriam sentar-se à direita e à esquerda de Jesus na sua glória. De fato, a religião pode tornar-se fonte de privilégios para muitas pessoas, principalmente numa sociedade religiosa e hierarquizada como a nossa. Não é essa a vontade de Jesus para os seus seguidores, pois Jesus não quis privilégios nem mesmo para si próprio. Ele quer de nós a disponibilidade e a entrega de vida, a exemplo da viúva que, com a única moeda que não seria valorizada por ninguém, deu o maior exemplo de total entrega.

 

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