12 de dezembro de 2017 – Terça-feira, dia de Nossa Senhora de Guadalupe

Nossa Senhora de Guadalupe é uma imagem milagrosamente impressa no manto de um índio a quem a Virgem apareceu no México em 1531.

A Virgem de Guadalupe é representada por um ícone da Virgem Maria como mestiça grávida, assim teria aparecido a um índio idoso da tribo Nahua, Juan Diego Cuauhtlatoatzin (1474-1548). Juan Diego era um dos poucos índios que se tinham convertidos das suas crenças astecas. O relato na língua indígena náuatle (Nicān Mopōhua, cf. Liturgia da Horas de hoje) narra que em 9 de Dezembro de 1531, Juan passou em Tepeyac, colina no noroeste da Cidade, quando ia à missa na cidade do México. De repente, uma “Senhora do Céu” apareceu, identificou-se como a “mãe do verdadeiro Deus, por quem vivemos” e o instruiu a dizer ao bispo que construísse um templo neste lugar de Tepeyac. Mas o bispo exigiu provas de que efetivamente a Virgem havia aparecido.

Em 12 de dezembro, quando Juan passou outra vez em Tepeyac, viu flores nesta colina semidesértica em pleno inverno, as quais Juan Diego devia recolher no seu “tilma” (manto tradicional feito a partir do cacto) e levar ao bispo. Quando foi recebido pelo bispo, abriu seu tilma para mostrar as rosas, e a imagem da virgem apareceu impressa milagrosamente no tilma. Apesar de ser um tecido de pouca qualidade feito a partir do cacto, que deveria se deteriorar em 20 anos, a imagem impressa não mostra sinais de deterioração até ao presente. Atualmente está depositada no Santuário de Guadalupe construído no Tepeyac, hoje periferia da Cidade do México, destino de peregrinações de milhões de devotos.

Sobre a autenticidade da imagem da virgem há uma polêmica semelhante à do Santo Sudário em Turim. Pe. Oscar Quevedo SJ, crítico de muitos fenômenos parapsicológicos, defende a autenticidade da imagem de Guadalupe. Fato indubitável, porém, é que o relato da aparição da virgem numa colina sagrada dos índios astecas (Tepeyac), e sua imagem com rosto indígena ajudaram aos índios do México a se identificarem com a fé católica, após certa resistência devido à conquista violenta pelos espanhóis em 1521. O que Nossa Senhora Aparecida é para o Brasil, é Nossa Senhora de Guadalupe para o México e os outros países da América Latina. Mostra que a religião cristã, embora trazida pelos patrões brancos europeus à América, é sobretudo uma opção preferencial de Deus pelo pobres (índios, negros) da periferia.

O nome de “Guadalupe” se deve à devoção espanhola à uma imagem que é parecida: uma virgem morena (mas com o menino Jesus nos braços) no Real Monastério de Santa Maria de Guadalupe na província Extremadura, onde Cristóvão Colombo teria rezado antes de ir à América (em 1493, ele deu a uma ilha no Caribe o nome Guadalupe).

No cerro de Tepeyac, após a construção sucessiva de três capelas, uma basílica foi erguida em 1709. A festa litúrgica de Nossa Senhora de Guadalupe em 12 de dezembro é celebrada desde 1754, quando o Papa Bento XIV oficializou o título mariano. Além de ser padroeira do México, ela é também reverenciada como padroeira da América Latina (desde 1910) e “Imperatriz da América” (desde 1945). João XXIII declarou um ano mariano de 12.12.1960 a 12.12.1961. Em 2002, João Paulo II canonizou Juan Diego como primeiro santo católico indígena americano.

 

Leitura: Gl 4,4-7

A leitura que se apresenta na festa de hoje, é a única menção de Maria nas cartas de Paulo. Ele não conheceu Jesus na carne como os doze apóstolos que acompanhavam Jesus desde o batismo até a ressurreição (cf. At 1,21s). Paulo encontrou Jesus na sua visão de Damasco já como Senhor exaltado no céu (cf. At 9,3-5; 1Cor 15,8; Gl 1,15-17) e depois dedicou sua vida para pregar Jesus crucificado como messias (Cristo) e Senhor aos gentios (cf. Gl 1,16; 2,7; 5,11; 1Cor 1,23). Antes, como fariseu, Paulo achava que a salvação viria pela Lei (judaica), depois da sua conversão declara que a salvação vem pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei (Gl 2,26). Este tema, Paulo tratou em Rm, sua carta maior, e também na carta aos Gálatas, escrita provavelmente em Éfeso no inverno de 56-57. Paulo defende o seu apostolado contra judeu-cristãos que queriam impor aos pagãos convertidos da comunidade a circuncisão e a observância da Lei. Esta carta de Gl é um manifesto de liberdade cristã e universalidade da Igreja contra a imposição da lei judaica e da circuncisão: para os pagãos, basta ter fé em Cristo e batizar para serem salvos.

Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva (vv. 4-5).

“Completou-se o tempo previsto”; esta expressão designa a chegada dos tempos messiânicos, ou escatológicos, que levam a termo a longa espera dos séculos, como uma medida finalmente plena (cf. Mc 1,15, At 1,7; Rm 13,11; 1Cor 10,11; 2Cor 6,2; Ef 1,10; Hb 1,2; 9,26; 1Pd 1,20). Nos vv. anteriores, Paulo comparou o papel da Lei do Antigo Testamento (AT) com um “pedagogo” (3,23-4,3) que, conforme o costume grego, guarda o filho do dono sob sua tutela, até o pai determinar a data da maioridade e o menino adquirir sua liberdade e seu direito como filho e herdeiro.

Paulo nem menciona o nome de Maria, só diz “nascido de uma mulher” (cf. Jó 14,1) para designar a encarnação pela qual o Filho de Deus se torna um ser humano (cf. Fl 2,7; Jo 1,14). A encarnação interessa a Paulo em vista da cruz, onde foi pago o preço da nossa liberdade (3,13; 5,1; Rm 8,3; Fl 2,8).

Se o Filho de Deus vem viver e morrer assim na carne, é porque Deus o envia para nos “resgatar” da escravidão do pecado. Libertando-nos do pecado, liberta-nos também da Lei que só tem poder sobre o pecador que ela condena; ela não tem mais poder sobre aquele que o Espírito faz viver como Filho de Deus (5,18; Rm 6,14; cf. Gl 3,13).

A imagem da adoção substitui a de maioridade legal, pois exprime melhor a nossa nova condição; participar por pura graça da vida do Filho único de Deus (cf. Rm 8,15; Jo 1,12). Tornando-se filho, o “escravo” (o menino sob tutela) adquire liberdade. O escravo libertado é adotado como filho não só pelo acesso legal à herança (cf. 3,29), mas pelo dom real da vida divina, ao qual estão associadas as três pessoas da Trindade (v. 6; 2Cor 13,13).

E porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abá – ó Pai! Assim já não és mais escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro: tudo isso, por graça de Deus (vv. 6-7).

O Espírito é enviado aos nossos corações como o Filho foi enviado à nossa terra. Pela fé (e sua expressão sacramental, o batismo) recebemos este Espírito como guia, “mestre interior” (cf. Rm 8,23-27; 1Cor 3,10-16). Ele nos revela no mais profundo do nosso ser, a nossa condição e, portanto, a nossa vida nova. O Espírito é o princípio de uma vida propriamente divina em Cristo (cf. Gl 2,20), não é um “espírito de escravidão”, mas um “espírito de adoção filial” (Rm 8,15).

Paulo não convoca para uma revolta de escravos como Spartacus fez na Itália (73-71 a.C.; terminou com a derrota e a crucificação de 6000 escravos!). Paulo quer libertar o homem de dentro, do seu egoísmo (carne), dos vícios pagãos, da rigidez da lei judaica, superando as divisões de nação, raça, gênero e classe para uma vida de fraternidade e partilha (cf. Gl 3,26-28; 1Cor 11, 17-34; Fm). O lema da revolução francesa (1789 d.C.) foi “liberdade, igualdade, fraternidade”; são palavras chaves já nas cartas de Paulo, porém, para ele são consequências do dom de Deus, a filiação divina.

“Abá – ó Pai!” (lit. Abba: pai, papai) é termo aramaico, umas das poucas palavras apresentadas na língua original (outras p. ex.: Amém, Aleluia, Hosana), o que mostra sua originalidade. É uma expressão filial, cheia de familiaridade e ternura de Jesus e de seu Pai (Mc 14,36; cf. Mt 11,25; Lc 22,42 etc.). A nossa filiação adotiva nos faz participar dela (cf. Rm 8,15). Paulo talvez aluda ao começo do Pai-nosso (Lc 11,2p). A invocação Abba contém tudo em germe: maturidade depois da infância, consciência depois da ignorância, liberdade depois da escravidão, esperança de uma herança transcendente.

“Se és filho, és também herdeiro” (cf. Rm 8,17). No AT, a herança designa a posse da Terra prometida (cf. a menção de Abraão em Gl 3,29); Dt 4,21 traduz por “patrimônio”). No NT, a Terra prometida se torna o conjunto dos bens divinos: o Reino (Mt 25,34), a vida eterna (Mt 19,29). O Pai comunica todos os seus bens ao seu Filho ressuscitado dos mortos e, por ele, aos que acreditam nele.

 

Evangelho: Lc 1,39-47

O evangelho foi escolhido, provavelmente, porque Maria veio ao encontro (no caminho) do índio Juan Diego que já tinha 60 anos. Zacarias e sua esposa Isabel também eram de idade avançada (vv. 7.18). A imagem de N. Sra. de Guadalupe no México mostra uma mestiça grávida.

Lucas conta paralelamente a história dos nascimentos de João Batista (seis meses mais velho) e de Jesus. Depois dos anúncios do arcanjo Gabriel, a Zacarias em Jerusalém e a Maria em Nazaré, as duas linhas paralelas se cruzam numa interseção transcendental: A reclusão de Isabel (v. 24) se abre para receber a visita de sua prima. O novo episódio, o encontro das duas parentes em sua primeira gravidez, se polariza para o encontro misterioso de Jesus e João e para o hino de Maria (vv. 47-55, chamado “Magnificat”).

Maria é representante da comunidade dos pobres que esperam pela libertação. Dela nascerá o Filho de Deus. O anjo Gabriel tinha falado a Maria da gravidez da sua prima Isabel “apesar da sua velhice… já faz seis meses que está grávida” (v. 36).

Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judéia (v. 39).

Nazaré fica na Galileia; a região montanhosa é Judeia com nível mais alto do mar (Jerusalém: 800 m). É um caminho cerca de 100 km de Nazaré à casa de Isabel, hoje identificada no lugarejo de Ain Karim, 6 km a oeste Jerusalém, onde seu marido Zacarias trabalhava no templo como sacerdote (v. 8).

Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo (vv. 40-41).

A saudação de Maria é medianeira de alegria e inspiração celeste. João recebe o Espírito anunciado em 1,15; como profeta é chamado antes de nascer, “antes de se formar no ventre eu te escolhi; antes de saíres do seio materno eu te consagrei” (Jr 1,5; Is 49,1; cf. Gl 1,15). Estremecendo diante do messias secretamente presente em Maria, João inaugura sua missão no ventre de Isabel e impressa sua alegria inconsciente (de sinal contrário os gêmeos de Gn 25,22). Assim João anuncia o messias já no ventre materno; antecipa-se o encontro dos dois adultos no Rio Jordão (cf. o batismo de Jesus em 3,21p). Isabel fala profetizando “cheia do Espírito Santo”. Na ladainha, Maria é invocada como “arca da aliança”, com base em 2Sm 6 (cf. Ap 11,19-12,1), porque dentro dela está a Palavra encarnada de Deus (cf. Jo 1,14).

Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (v. 42).

A interpretação profética de Isabel menciona três elementos conjugados: a fé (v. 45.), a maternidade (v. 42), o Messias (v. 43). Maria é “bendita” embora possa recordar mulheres ilustres (Jael em Jz 5,24; Judite em Jt 13,18; Abgail em 1Sm 25,33); o contexto próximo nos convida na pensar na benção da fecundidade à Eva e Sara (Gn 1,28; 9,1; 17,16; Dt 28,4). Nenhuma maternidade da história pode ser comparada com a de Maria; a ela estavam direcionadas muitas maternidades procedentes.

“Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” (v. 43).

Isabel como esposa de um sacerdote estava numa posição superior do que a de Maria, mulher de carpinteiro. No entanto, Isabel chama o filho de Maria de “meu Senhor”, como que reconhecendo o messias (Cristo). Não sabemos se o autor alude ao Sl 110,1. No AT, Senhor é tradução do nome divino de Javé (cf. Ex 3,14). Para os cristãos, é título divino de Jesus Cristo ressuscitado (At 2,36; Fl 2,11 etc.) que Lc lhe atribui desde a vida terrestre, com mais frequência que Mt e Mc (cf. Lc 2,11; 7,13; 10,1.39.41; 11,39 etc.).

Cristo é o Senhor, ele é Deus junto com o Pai (“consubstancial”, cf. Concílio de Niceia em 425), portanto, Maria pode ser chamada “Mãe de Deus” (Concílio de Éfeso em 431; lógico que Maria não é a Mãe do Pai nem do Espírito). As saudações do anjo (v. 28) e de Isabel (v. 42) formam a primeira parte da oração “Ave Maria” e a segunda parte inicia usando o título “Mãe de Deus”.

“Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu” (vv. 44-45).

A benção acrescenta a felicitação (“bem-aventurada”), a primeira: de uma série sem fim: a fé é mérito principal: crendo tornou possível o cumprimento. Em contraste com Zacarias (v. 20), Maria é a crente.

Então Maria disse: “A minha alma engrandece o Senhor, e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador” (vv. 46-47).

Maria responde com um cântico em estilo de salmo (versos paralelos). Este cântico (vv. 46-55; nossa liturgia só apresentou o início) é chamado “Magnificat” (a primeira palavra em latim: “engrandece”) e inspira-se no cântico de Ana (1Sm 2,1-10) e em muitas outras passagens do AT, antecipando as bem-aventuranças de 6,20-26 (felicidades, venturas). Lc deve ter encontrado esse cântico no ambiente dos pobres onde era talvez atribuída a filha de Sião; julgou conveniente colocá-lo nos lábios de Maria inserindo-o em sua narrativa que é em prosa.

Maria permaneceu provavelmente com Isabel até o nascimento e a circuncisão de João (cf. vv. 56-66).

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