13 de agosto de 2018, Segunda-feira: Quando chegaram a Cafarnaum, os cobradores do imposto do Templo aproximaram-se de Pedro e perguntaram: “O vosso mestre não paga o imposto do Templo?” Pedro respondeu: “Sim, paga”

Leitura: Ez 1,2-5.24-28c

Nesta semana e na próxima ouvimos textos do profeta Ezequiel cujo nome significa “Deus fortaleça” ou “Deus é forte”. Era um sacerdote de Jerusalém que pertenceu ao grupo dos primeiros deportados para Babilônia (597 a.C.; cf. 2Rs 24,10-15). Assentados nos canais dos rios Eufrates e Tigre para trabalhar na manutenção da irrigação na Mesopotâmia (Entre Rios), eles choravam a saudade de Jerusalém (Sl 137). Uns nabis (profetas ligadas à instituição) profetizaram a volta em breve (cf. Jr 29), mas, igual a Jeremias entre os remanescentes em Jerusalém, Ezequiel anuncia aos exilados que a maior destruição da cidade e do templo ainda há de vir (aconteceu em 587 a.C.). O texto de hoje sobre a sua vocação utiliza o gênero literário da teofania (manifestação de Deus).

A Bíblia do Peregrino (p. 2015) comenta o contexto histórico: No ano 593 os habitantes de Judá e Jerusalém têm um rei e o culto: a casa de Davi e casa do Senhor. Têm também a palavra de Deus que ressoa na boca de Jeremias. Os desterrados em território babilônico não têm monarquia: Jeconias, seu rei, definha no cárcere; não têm um profeta que lhes anuncie a palavra de Deus. São ainda povo eleito? Voltarão à pátria? De repente, o Senhor se apresenta no céu de Babilônia e escolhe para si um profeta, mensageiro da sua palavra.

No dia cinco do mês – esse era o quinto ano do exílio do rei Joaquim – a palavra do Senhor foi dirigida a Ezequiel, filho do sacerdote Buzi, na terra dos caldeus, junto ao rio Cobar. Foi ali que a mão do Senhor esteve sobre ele (vv. 2-3).

O livro de Ezequiel, como o de Jeremias, se abre com uma notícia autobiográfica. Os vv. 1-3 parecem justapor duas introduções distintas. Depois da primeira (pessoal: “eu”; cf. v. 1), os vv. 2-3 são uma nova introdução impessoal, com fórmula profética: “A palavra do Senhor foi dirigida a Ezequiel”. Ele é sacerdote, porém, fora do templo de Jerusalém, não podia haver culto de sacrifícios, apenas reuniões com orações e a palavra de Deus (as sinagogas e seu culto da palavra nasceram no exílio). Menciona “Joaquim” (Jeconias) como rei legítimo. O “quinto ano do exílio” é o ano 593/592 a.C.

Chama de “caldeus” os babilônicos do segundo império. O rio Cobar (= Grande) é um afluente do Eufrates ou talvez um canal próximo a Nipur.

“A mão do Senhor”, como o espírito de Javé (cf. 2,2; 3,12.14 etc.), designa a esfera da influência divina. A mão do Senhor se apodera do profeta e o dirige na atividade (3,14.22; 8,1; 33,22; 40,1). A expressão é frequente em Ezequiel para designar o êxtase (cf. 3,22; 8,1; 33,22; 37,1; 40,1) e já se encontra nos relatos sobre os profetas Elias (1Rs 18,46) e Eliseu (2Rs 3,15). As versões lêem “sobre mim” em vez de “sobre ele”; deve-se então ligar 3b a 4.

Eu vi que um vento impetuoso vinha do norte, uma grande nuvem envolta em claridade e relâmpagos; no meio brilhava algo como se fosse ouro incandescente. No centro aparecia a figura de quatro seres vivos. Este era o seu aspecto: cada um tinha a figura de homem (vv. 4-5).

“Eu vi…”; esta visão é destinada, por certo, aos exilados. Alguns pormenores são obscuros, porém o sentido geral é claro; trata-se da “mobilidade” espiritual de Javé, que não está preso ao Templo de Jerusalém, mas acompanha seus fiéis, até mesmo em seu exílio.

Um carro grandioso (cf. as rodas em vv. 15-20 e a assunção de Elias em 2Rs 2,11; 6,17) está se aproximando, cujo motor é a Ruah (“vento” ou espírito) de Javé (cf. Gn 1,2; Ex 14,21; cf. At 2,2: “vento impetuoso”). A nuvem revela velando. Na mesma época do exílio, a tradição sacerdotal do Pentateuco escreveu como a “nuvem” acompanhava o povo no deserto (Ex 13,21; 14,19s; 16,10; 19,16; 24,15-18; 40,34-38; Nm 16,19; 17,7; é a “glória de Javé” que depois toma posse do templo em Jerusalém, 1Rs 8,10-12).

O “norte” representa a esfera celeste onde habita o Senhor (Jó 37,22; Is 14,13; cf. Sl 48,2). Em outros textos, o Senhor vem do sul (do deserto: Sl 68,8; Hab 3,3s). “Relâmpagos” de tempestades acompanham a teofania (Ex 19,16-20; Zc 9,14; Hab 3,4.11). “Algo como se fosse ouro incandescente”, lit. “electro”, liga metálica famosa por seus reflexos.

Os “quatro seres vivos” têm “asas” (vv. 6-9) e “rodas” (vv. 15-20) para mover o carro de Deus em todas as direções. “Quatro” é número de totalidade cósmica. Em 10,18 e 11,22 são chamados de “querubins”. Eles têm quatro rostos (v. 10: homem, leão, touro, águia; cf. Ap 4-5; posteriormente serão os símbolos dos quatro evangelistas, originalmente talvez designem os quatro pontos cardiais: leste, sul, oeste, norte). Eles carregam uma plataforma (v. 22ss; chamada de “firmamento”) onde está o trono divino.

A leitura de hoje omite muitos detalhes das descrições (melhor: comparações) que poderiam ser acréscimos de discípulos que queriam comparar a carruagem de Javé com a arca da aliança, carregada no deserto e depositada no templo de Jerusalém onde desapareceu na invasão do rei da Babilônia (cf. 2Rs 24,13; 25,9.13-17; Jr 3,16s). A arca era considerada como pedestal para o trono de Javé e na sua tampa havia “querubins” (Ex 25,10-22; cf. Gn 3,24 e os serafins na visão de Is 6,2). Se a plataforma sustenta o trono do Senhor, é preciso relacioná-la com a arca, que levava uns querubins sobre a tampa e era transportada em carruagem processional. A especulação sacerdotal tinha uma intenção prática: dar ao povo uma explicação da arca desaparecida (cf. Ap 11,19).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 807) comenta: Esta descrição dos “seres vivos” – expressão bíblica para “animais” – é influenciada pelas imagens murais, pelos motivos decorativos, pelas esculturas que o profeta pôde ver, seja na Palestina (como os marfins representando animais fantásticos, com corpo de leão, cabeça de cordeiro ou de homem, asas de águia, encontrados na costa mediterrânea), seja sobretudo em terra de exílio. A descoberta, na Mesopotâmia, de estátuas de personagem divinas dotadas de quatro rostos torna menos surpreendente a visão de Ez.

E eu ouvi o rumor de suas asas: Era como um estrondo de muitas águas, como a voz do Poderoso. Quando se moviam, o seu ruído era como o barulho de um acampamento; quando paravam, eles deixavam pender as asas. O ruído vinha de cima do firmamento, que estava sobre suas cabeças (vv. 24-25).

Na audição, o profeta ouve um rumor, um “estrondo” e faz duas comparações clássicas (Sl 93,3s; 65,8; Is 17,12), como de “muitas águas”, como “a voz do poderoso”. Ez emprega aqui o velho nome divino de (El) Shadai (Gn 17,1; Nm 24,4; Is 13,6).

A Bíblia do Peregrino (p. 2015) comenta sobre possíveis acréscimos: Os seus autores são provavelmente sacerdotes que oficiaram no templo de Jerusalém. Assim, pois, os comentaristas se detêm a descrever por um lado o movimento das rodas da carruagem; e acrescentam ruídos à visão. Nem as patas dos animais nem umas supostas rodas interessavam ao profeta, já que na sua visão tudo vinha voando pelo céu, a favor do vento e em silêncio.

Acima do firmamento que estava sobre as cabeças, havia algo parecido com safira, uma espécie de trono, e sobre essa espécie de trono, bem no alto, uma figura com aparência humana. E eu vi como que um brilho de ouro incandescente, envolvendo essa figura como se fosse fogo, acima daquilo que parecia ser a cintura; abaixo daquilo que parecia ser a cintura, vi algo como fogo e, em sua volta, um círculo luminoso (vv. 26-27).

Continua o profeta: “eu vi” A descrição se torna cada vez mais aproximativa, por temor e respeito; as comparações não procuram precisar, mas esfumar. O personagem entronizado é fonte de resplendor, irradia luz e centelhas, mal tem figura (cf. o “pavimento de safira” em Ex 24,10).

Esse círculo luminoso tinha o mesmo aspecto do arco-íris, que se forma nas nuvens em dia de chuva. Tal era a aparência visível da glória do Senhor. Ao vê-la, caí com o rosto no chão (v. 28).

O “arco-íris” simboliza a nova criação na aliança com Noé. O termo “glória” é usado onze vezes em Ezequiel, sempre para descrever Deus na sua majestade e totalidade (3,12.23; 8,4; 9,3 etc.). Os israelitas temiam ver a face de Javé; por isso, na maioria das vezes, Deus mostrava-lhes sua “glória”, isto é, os sinais exteriores que envolvem e revelam sua pessoa (cf. Ex 33,18-23, etc.). A glória de Javé, por conseguinte, é o sinal de sua presença. Habitualmente, ela tem a aparência de uma nuvem luminosa (cf. Ex 24,15-18), aqui a nuvem brilhante é acompanhada de uma espécie de “figura com aparência humana” brilhante e radiosa (vv. 26s).

A “glória do Senhor” vai ser um tema chave na profecia de Ezequiel: ela abandonará o templo (10,18-22; 11,22s) e voltará a ele (43,1-5).

Em Is 6,1-7, Isaías viu o Senhor no templo em termos semelhantes. A visão de Ez 1, porém, supera todas as visões proféticas anteriores. O texto nos parece bastante estranho (E. Däniken especulou com uma nave espacial de extraterrestres), mas não era tal estranho para os ouvintes de Ez. Na linguagem do culto de Jerusalém já se falava do trono de Javé sobre o firmamento carregado por seres híbridos (meio humano, meio animal; cf. Is 6,2) e se cantava a vinda impetuosa da glória de Javé nas festas do culto (Sl 29). A novidade em Ez é a mobilidade da gloria de Javé. Antes se pensava que Javé vinha com sua glória para assentar-se no seu trono que se ergue sobre Jerusalém (Is 6,1), sua glória podia se irradiar sobre céu e terra, mas tinha seu centro na cidade santa (Sl 24,7ss; 97). Agora em Ez, ela aparece no exílio, numa terra pagã e impura! Sai da sua morada celeste para visitar um desterrado em Babilônia e torná-lo porta-voz (profeta). Não está confinada por fronteiras, pode escolher qualquer território. Finalmente se escuta uma “voz” que se dirige a Ezequiel (o final de v. 29 foi omitido pela leitura de hoje, cf. a de amanhã).

 

Evangelho: Mt 17,22-27

O evangelho de hoje apresenta o segundo anúncio de Jesus da sua paixão e ressurreição, e em seguida uma questão levantada sobre o imposto do templo.

Quando Jesus e os seus discípulos estavam reunidos na Galileia, ele lhes disse: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens. Eles o matarão, mas no terceiro dia ele ressuscitará.” E os discípulos ficaram muito tristes (vv. 22-23).

Voltando de Cesareia Filipe (16,13) que fica ao norte da Galileia, Jesus volta à origem da sua pregação, à Galileia; e antes de deixá-la para sempre (cf. 19,1; 28,16), anuncia pela segunda vez a sua paixão e ressurreição (cf. 16,21; 20,17-19; 26,2). Mt copiou este anúncio de Mc 9,30-32 e o resumiu.

Contrasta aqui o “Filho do Homem”, cuja majestade celeste já foi anunciada aos discípulos, (16,27s) e os “homens” que o matarão (cf. 17,12). Serão os adversários judeus e romanos. Jesus será “entregue” a eles por Judas Iscariotes (10,4; cf. 18,34; 2Rs 21,14; Sl 106,41).

“Ficaram muito tristes”; em vez da incompreensão e discussão dos discípulos (Mc 9,32-34), Mt fala da tristeza deles. Eles entenderam, mas não querem aceitar (cf. Pedro em 16,22s). Ao anúncio da ressurreição, eles não reagem. Esta não se pode entender de antemão, só pode ser experimentada depois (cf. 28,8s.16s).

Quando chegaram a Cafarnaum, os cobradores do imposto do Templo aproximaram-se de Pedro e perguntaram: “O vosso mestre não paga o imposto do Templo?” Pedro respondeu: “Sim, paga” (vv. 24-25a).

Mt transformou o conteúdo da discussão dos discípulos (Mc 9,33-50) num discurso de Jesus sobre a comunidade (cap. 18), mas preservou aqui o mesmo local, “Cafarnaum” (Mc 9,33), onde coloca agora outra questão, a do “imposto do templo”.

Os cobradores se aproximam de Pedro porque tinha família (sogra, cf. 8,14-15p) e “casa” (v. 25) em Cafarnaum (8,14), e Jesus foi morar lá também (4,13). Este imposto do templo surgiu depois do exílio e costumava-se cobrar no lugar da residência. O valor era duas dracmas (moedas) ou meio siclo (Ne 10,33s; Ex 30,13; 38,26; cf. 2Cr 24,6.9), exigido para o culto do templo uma vez por ano de todos os israelitas de sexo masculino, mesmo daqueles que moravam no exterior. Pagava-se em moeda judaica; isto explica a presença de cambistas na área do templo (21,12; Jo 2,15). Mas a obrigatoriedade deste imposto não foi aceita por todos. Para os essênios em Qumran bastava pagá-lo uma vez na vida (cf. Ex 30,11-16). Os saduceus sustentaram que deveria ser voluntário, como era antigamente obrigação dos reis a financiar as despesas do culto na época persa e grega (cf. 1Mc 10,39s; 2Mc 3,3).

Ao entrar em casa, Jesus adiantou-se, e perguntou: “Simão, que te parece: Os reis da terra cobram impostos ou taxas de quem: dos filhos ou dos estranhos?” Pedro respondeu: “Dos estranhos!” Então Jesus disse: “Logo os filhos são livres (vv. 25b-26).

Estes “filhos” dos “reis da terra” (cf. Sl 2,2) tanto podem ser sua família como a totalidade do seu povo, ou seja, “dos seus súditos” (cf. 13,38). Mas Jesus faz um trocadilho com a metáfora semítica do termo “filho” para referir-se a si mesmo, o Filho (cf. 3,17; 17,5 e 10,32s; 11,25-27 etc.), e com ele, os discípulos são os seus irmãos (12,50) e os filhos do mesmo Pai (5,45 etc.; cf. Mt 3,17; Na 4,3…). Como membro do povo de Deus, mais ainda como Filho de Deus (16,16), Jesus é Senhor do Templo e poderia não pagar imposto. “Os filhos”, então Jesus e seus discípulos, são isentos, “livres” (cf. Rm 8,14-17; Gl 3,25-29; 4,4-6; 5,1.13).

O problema era pagar o imposto do templo (v. 24) e o imposto imperial (v. 25). O imposto implica domínio sobre os bens da pessoa. Esses bens, em primeiro lugar, são de Deus. E os homens são filhos de Deus, antes de ser súditos de qualquer poder. Portanto, eles não têm obrigação de pagar impostos ao templo.

Mas, para não escandalizar essa gente, vai ao mar, lança o anzol, e abre a boca do primeiro peixe que tu pescares. Ali tu encontrarás uma moeda; pega então a moeda e vai entregá-la a eles, por mim e por ti” (v. 27).

A razão para pagar imposto é livre e secundária: evitar escândalo. O confronto e a ruptura entre Jesus e as instituições se dão nesse nível mais profundo e decisivo, que supera a própria instituição do Estado e do Templo (cf. 12,6.8), mas não nega os impostos (cf. Mc 12,13-17; Rm 13,6-7). “Escandalizar” quer dizer “fazer cair” (“escândalo” é um obstáculo no caminho, uma armadilha; cf. Sl 124,7; Is 8,14s; Rm 9,33; 1Pd 2,8), ou seja, fazer desistir da fé em Jesus e seu seguimento.

Pedro vai exercer sua profissão de pescador e encontrar o suficiente para pagar o imposto para dois (lit.: “encontrarás um estáter”, que valia quatro dracmas, ou seja, o valor para duas pessoas). Deus providencia o sustento necessário, suficiente para pagar também o imposto (cf. 6,25-34). Jesus sabe de antemão o que Pedro falou com os cobradores e o que vai encontrar na boca do peixe.

O templo em Jerusalém foi destruído pelos romanos em 70. d.C. e já não existia mais em 80 d.C., quando Mt escreveu. Depois o imposto foi transformado pelos romanos numa contribuição obrigatória de todos os judeus no Império para as despesas do templo de Júpiter (!) em Roma. Para Mt era importante mostrar como Jesus cumpriu a lei dos judeus, apesar de ser Filho de Deus, e mostrar a solidariedade dos primeiros cristãos (cf. 5,17-20; 23,23p; cf. Ap 21,23-26; Rm 3,25; 8,14s; Gl 3,24-27; 4,6s).

O site da CNBB comenta: Uma coisa é termos direito sobre algo e outra coisa é a conveniência do uso desse direito. No nosso dia a dia, muitas vezes acontece que temos que renunciar a um direito em vista de um bem maior. O próprio Jesus nos mostra essa necessidade no evangelho de hoje, quando renuncia ao direito de não parar os impostos do templo para conseguir um bem maior que está no fato de evitar escândalos. Assim, também nós devemos deixar de lado determinados direitos, que podem até demonstrar mesquinhez, quando esses podem se tornar causa de escândalos ou conflitos e fazer com que percamos um bem maior como a paz e a tranquilidade.

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