13 de Dezembro de 2018, Quinta-feira: Santa Luzia

Leitura: Is 41,13-20

Na leitura de hoje, o Segundo Isaías usa imagens ousadas que nos deixam entrever a situação e os sentimentos dos judeus exilados na Babilônia.

Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tomo pela mão e te digo: “Não temas; eu te ajudarei. Não tenhas medo, Jacó, pobre verme, não temais, homens de Israel. Eu vos ajudarei”, diz o Senhor e Salvador, o Santo de Israel (vv. 13-14).

Os exilados se sentem fracos, insignificantes, ameaçados, com medo de serem pisados. A presença do Senhor toma a forma de um contato robusto e caloroso. “Não tenha medo”, este imperativo aparece muitas vezes no Segundo Isaías (cf. 41,10.13-14; 43,1.5;44,2.8;51,7;54,4).

A realidade do exílio faz o povo se sentir pequeno e frágil como “verme” (cf. Sl 22,7; Nm 13,33). “Homens de Israel”, a vocalização do texto masorético (entre 750 e 1000 d.C.) indica varões de Israel; mas outra vocalização é possível: “cadáveres (mortos) de Israel” (assim o texto de Qumran, as versões gregas e a Vulgata em latim) como paralelo ao “verme” (cf. 66,24). Em Ez 37,1-14 este povo “morto” no exílio ressuscitará.

O termo hebraico go’el é traduzido por “salvador”, “redentor” ou “aquele que resgata”. É frequente em Is 40-66 (17 vezes nos caps. 40-55, 6 vezes nos caps. 56-66), mas não ocorre em Is 1-39 (Primeiro Isaías). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 669) comenta: Exprime a intervenção de um parente em favor de um membro da sua família, morto ou vivo. Em relação a um morto assassinado, o “redentor” é o vingador do sangue (Nm 35,19-27). Em relação a um morto sem filhos, o redentor lhe dá uma posteridade desposando-lhe a viúva (Rt 3,12-4,14). Em relação a um vivo que caiu na miséria ou na escravidão, o redentor paga as dívidas dele ou o resgata ele mesmo (Lv 25,23-28.47-49). Estas diversas intervenções são aqui atribuídas a Deus: ele “vinga” a sua nação (49,26); suscita-lhe uma descendência (54,1-8); liberta-a mediante resgate (43,3-4; 45,14). Tais metáforas sugerem que Deus se considera como nosso parente; lembram a primeira “redenção”, a do Egito (51,10; Ex 6,6; Sl 74,2 etc.).

Este título “redentor, libertador, salvador” designa, portanto, Deus como protetor do oprimido e libertador do povo. Neste sentido, é muito frequente nos Salmos (Sl 19,15; 78,35 etc.; cf. Jó 19,25; Jr 50,34) e na segunda parte de Isaías (43,14; 44,6.24; 47,4; 48,17; 59,20; cf. Jr 50,34). O NT e a teologia cristã retomarão a ideia para aplicá-la a Jesus, que é também o “redentor” que nos resgata, liberta, salva (cf. Mt 1,23; Mc 10,45p; Jo 4,42; Rm 3,24 etc.).

O título “Santo de Israel” (vv. 14.16.20), já usado no Primeiro Isaías (1,4; 5,19.24 etc.; cf. 6,3), continua presente no Segundo (cf. 43,3.14; 45,4; 48,17; 54,5).

Eis que te transformei num carro novo de triturar, guarnecido de dentes de serra. Hás de triturar e despedaçar os montes, e reduzirás as colinas a poeira. Ao expô-los ao vento, o vento os levará e o temporal os dispersará; exultarás no Senhor e te alegrarás no Santo de Israel (vv. 15-16).

O pobre vermezinho que rasteja se transforma num “carro novo de triturar, guarnecido de dentes de serra” que se estende e cresce até ter debaixo de si a terra com seus montes e outeiros (cf. 2,14), uma agressiva máquina debulhadora usada na agricultura do Oriente ainda hoje: uma tábua de madeira dobrada pela frente e com dentes de ferro na parte de baixo para triturar. Tornou-se símbolo de ações cruéis numa guerra (cf. Mq 4,13). Aqui, porém, Israel irá triturar montes e colinas, ou seja, as dificuldades e os obstáculos que se amontoaram (cf. 40,4) diante da possível volta a Jerusalém. Pelo caminho há de enfrentar também regiões desertas sem água e sem sombras (vv. 17-19).

Pobres e necessitados procuram água, mas não há, estão com a língua seca de sede. Eu, o Senhor, os atenderei, eu, Deus de Israel, não os abandonarei. Farei nascer rios nas colinas escalvadas e fontes no meio dos vales; transformarei o deserto em lagos e a terra seca em nascentes d’água. Plantarei no deserto o cedro, a acácia e a murta e a oliveira; crescerão no ermo o pinheiro, o olmo e o cipreste juntamente, para que os homens vejam e saibam, considerem e compreendam que a mão do Senhor fez essas coisas e o Santo de Israel tudo criou (vv. 17-20).

O Segundo Isaías apresenta com frequência temas do êxodo, aqui a sede e a água (Ex 17; Nm 20,1-11), questão de vida ou morte no caminho pelo deserto. Da mesma forma como Deus por meio de Moisés fizera jorrar água da rocha para dessedentar o povo (Ex 17,1-7), novamente providenciará água para seu povo. Os rios brotarão das montanhas e transformarão o deserto numa planície fértil (cf. Sl 107,35). Através das maravilhas do regresso do Exílio, o profeta entrevê determinados traços da era messiânica (cf. 11,6; Ez 47,1-12).  O deserto se transforma em paraíso portentoso, com quatro torrentes de água e sete espécies de árvores frondosas. Aos poucos, o povo reconstrói o sonho de retornar à pátria, certo de que Javé caminha à sua frente (cf. 52,11-12).

No v. 20 pronuncia-se a meta de tudo isso, “para que os homens vejam e saibam, considerem e compreendam que a mão do Senhor fez essas coisas e o Santo de Israel tudo criou”. A Bíblia do Peregrino (p. 1780) comenta: A consequência da ação de Deus é o reconhecimento. Os olhos veem a história, a fé reconhece o protagonista. Deus está “criando” de novo, porque salvar é uma criação superior.

 

Evangelho: Mt 11,11-15

Nas primeiras duas semanas de Advento, os evangelhos são escolhidos em vista da leitura de cada dia. Ouvimos hoje na leitura sobre a transformação de Israel, de um pobre vermezinho para uma debulhadora agressiva (Is 41,14s). O evangelho de hoje fala dos “violentos” que conquistam o Reino dos Céus. Ao mesmo tempo nos apresenta João Batista, o profeta do Advento (“vinda” do messias). Jesus esclarece a identidade de João e seu grande valor, como profeta que com seu exemplo e palavra denuncia o luxo e a arrogância dos poderosos.

Naquele tempo, disse Jesus à multidão (cf. v. 7):

No cap. 11, o João Batista ainda se encontra na prisão e, através de seus discípulos, pergunta a Jesus: “Es tu aquele que há de vir ou devemos esperar um outro?” (vv. 2-3). Jesus responde alegando suas curas como sinais do reino (vv. 4-6; cf. Is 29,18; 35,5s; 61,1). Em seguida, começa a falar “a respeito de João Batista às multidões” (v. 7). João atraiu o povo pela sua pregação e estilo austero de vida, contrário ao luxo ostensivo ou à volubilidade caprichosa de Herodes Antipas (vv. 7-8). Para Jesus, João Batista é “mais do que um profeta. É dele que está escrito: ‘Eis que envio meu mensageiro à tua frente; ele preparará o teu cominho diante de ti’” (vv. 9b-10; cf. Ml 3,1).

Em verdade eu vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele (v. 11).

A atividade do Batista supera todos os anúncios dos profetas anteriores, mas não se iguala a pertencer ao novo reino (cf. a segunda parte do Benedictus, Lc 1,76-79). Em 3,2, João já anunciou a proximidade do Reino de Deus, mas o Reino é inaugurado em Jesus (4,17p). João, como Precursor que era, parou no limiar (cf. Jo 3,28-30). Entre ele e Jesus com seus discípulos há uma ruptura, uma novidade radical (cf. 9,14-17p).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1858) comenta: Essas palavras opõem duas épocas da obra divina, duas “economias”, sem depreciar em nada a pessoa de João: os tempos do Reino transcendem inteiramente aqueles que o procederam e prepararam.

Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e são os violentos que o conquistam (v. 12).

Este versículo é um dos mais difíceis de entender na exegese (interpretação) dos evangelhos. Discute-se o sentido de “os violentos que o conquistam (lit. arrebatam)”. O paralelo em Lc 16,16 já o interpreta como empregar toda sua força para entrar no reino, um esforço, de acordo com Lc 13,24, em que o discípulo é convidado a esforçar-se por entrar pela porta estreita. Na Igreja Oriental, salienta-se a ascese, a renúncia à própria natureza, ou seja, aos impulsos da carne (cf. a motivação para o celibato em Mt 19,12: fazer de si mesmo um “eunuco”).

Em grego, porém, o termo “os violentos” sempre designa os inimigos, os atacantes. Seriam aqui os inimigos do reino que se opõem com violência a seus mensageiros. Herodes, que prendeu o Batista (4,12), e seus partidários querem “arrebatá-lo” (13,19), matando-o depois em 14,3-12. Desde os dias de João Batista, o anúncio do Reino e seus mensageiros, o próprio Jesus e também dos discípulos de Jesus sofrem violência e perseguição, isto é destino dos profetas (21,33-39p; 23,29-37).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1858) comenta: A expressão tem sido interpretada de vários modos. Pode tratar-se: 1. Da santa violência daqueles que se apoderam do Reino à custa das mais duras renúncias; 2. Da violência perversa dos que querem estabelecer o Reino pelas armas (os zelotas); 3. Da tirania dos poderes demoníacos, ou dos seus partidários terrestres, que pretendem conservar o domínio deste mundo e criar obstáculos ao progresso do reino de Deus. Finalmente, há quem traduza: “O Reino dos Céus abre caminho com violência”, isto é, se estabelece com poder, apesar de todos os obstáculos.

Com efeito, todos os profetas e a Lei profetizaram até João. E se quereis aceitar, ele é o Elias que há de vir (vv. 13-14).

É grave declarar que a Lei era profecia, pois equivale a subordiná-la em sua função. No culto das sinagogas, a profecia se subordinava à Lei de Moisés (Torá). João, o Precursor de Jesus, veio pôr termo à economia da aliança antiga, tornando-se sucessor do último dos profetas, Malaquias, cuja última predição dele realiza: “Eis que eu vou enviar o profeta Elias…” (Ml 3,23-24; cf. Mt 11,14). Mt 11,11 cita Ml 3,1 (cf. Mc 1,2). A mesma profecia é lembrada em Mt 17,11-13. O profeta Elias foi arrebatado ao céu num turbilhão e carro de fogo (2Rs 2).Na tradição judaica, espera-se que ele volte para anunciar a chegada do messias. Ainda hoje, na ceia pascal, os judeus reservam uma cadeira para Elias se ele porventura chegar. Na tradição cristã, João Batista assumiu este papel de Elias (cf. a descrição em Mt 3,4p com 1Rs 1,8). Os seus adversários Herodes e Herodíades assemelham-se aos adversários de Elias, Acab e Jezabel (cf. 14,3-12; 1Rs 21)

A Bíblia do Peregrino (p. 2342) comenta: Por sua conduta ascética, João Batista é como o primeiro dos profetas, Elias, que se retirava ao deserto e enfrentava o rei e a sua corte (1Rs 17-18) … Pela sua atividade, devidamente reconhecida, João é o Elias anunciado (Ml 3,1; Eclo 48,10-11) … Todavia, muitos são hostis ao reino, ou olham-no indiferentes, sem entrar no jogo.

Quem tem ouvidos, ouça! (v. 15).

O v. 15 chama à atenção (cf. 13,9.43), porque é tempo de conversão. Israel deve ouvir os apelos do Batista e mais ainda os de Jesus, mas rejeitará os dois (vv. 16-19; 21,23-46; cf. Is 6,10; Jr 5,21; Ez 12,2).

O site da CNBB comenta: Um dos personagens mais importantes para a nossa reflexão durante este tempo do Advento é João Batista, o maior dentre os nascidos de mulher. João é o último profeta do Antigo Testamento, o mensageiro que é enviado por Deus para ser o precursor do Messias, aquele que tem como missão preparar os seus caminhos. Mas quem é do Reino dos céus é maior do que ele, todos aqueles que vivem segundo a nova aliança é maior que João, porque a nova aliança é a aliança perfeita, enquanto a antiga aliança é imperfeita.

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