15 de Dezembro de 2018, Sábado: Ao descerem do monte, os discípulos perguntaram a Jesus: “Por que os mestres da Lei dizem que Elias deve vir primeiro?” (v. 9a.10).

Leitura: Eclo 48,1-4.9-11

Desde o início do Advento ouvimos a leitura do livro de Isaías, hoje, porém, do livro do Eclesiástico sobre o profeta Elias, cuja volta, antes da chegada do messias, o povo judeu esperava (Ml 3,23s; cf. evangelho de hoje). Este livro Eclo é um dos sete que não se encontram na Bíblia Hebraica nem na Bíblia dos protestantes (Obs.: Não confundir com Ecl, ou seja, o livro de Eclesiastes que se encontra em todas as Bíblias).

O nome “Eclesiástico” provém do uso oficial que a Igreja (em grego e latim: ekklésia) faz desse livro, em contraposição à Sinagoga judaica, que não o aceita como Palavra de Deus e por isso também não foi aceito pelos protestantes. Eclo é uma obra escrita em hebraico entre 190-124 a.C. por Jesus Ben Sirac (50,27; 51,30), e chegou até nós graças à tradução grega (chamada “Sirácida”) feita pelo seu neto em 132 a.C., como escreveu num prólogo. Partes do texto hebraico foram encontrados no Egito em 1894 e em Israel em 1964. Ben Sirac pertence ao “grupo dos assideus, que eram israelitas fortes, corajosos e fiéis à Lei” (1Mc 2,42) e viveu nas vésperas da revolta dos macabeus contra o helenismo (a cultura grega que se impunha no Oriente depois das conquistas de Alexandre Magno). No início do século II a.C., a Palestina passou do domínio dos Ptolomeus (Egito) para o dos Selêucidas (Síria) que promoveram uma política de assimilação e procuraram impor a cultura, a religião e os costumes gregos – um imperialismo cultural que ameaçava destruir a identidade cultural e religiosa dos dominados. Ben Sirac escreveu então este livro, uma longa meditação no estilo sapiencial sobre a fidelidade hebraica, a consciência histórica do seu povo e o valor perene de suas tradições. O autor, porém, não é intransigente, pois em seu livro mostra ter já assimilado diversos aspectos da cultura grega (iniciando o caminho de uma síntese que culminará no Livro da Sabedoria escrito em Alexandria em 50 a.C.). Esta obra do autor Ben Sirac está impregnada do tema da “sabedoria”; destacam-se poesias sobre a sabedoria no início (1,1-10), no meio (cap. 24) e no fim (51,13-30; na outra contagem de versículos: vv. 18-38).

Na primeira grande parte, Ben Sirac dá conselhos a respeito de vários temas, até da vida cotidiana. Na segunda parte, faz considerações sobre a glória de Deus na natureza (42,15-43,33) e na história (44,1-50,24). Nesta, faz um elogio aos antepassados, iniciando por Henoc (44,16) até chegar ao sumo sacerdote Simão do tempo do autor (50,1-21). Na leitura de hoje, ouvimos seu elogio do profeta Elias baseado com dados dos livros dos Reis (1Rs 17-19; 21: 2Rs 1-2) e do profeta Malaquias (Ml 3). É enérgico e sugestivo: o autor fica quase arrebatado ao descrevê-lo. O poder de Elias domina a chuva e a tempestade no céu (vv. 2-3), reis e dinastias na terra (vv. 6-7) e atinge até o Abismo (v. 5).

O profeta Elias surgiu como um fogo, e sua palavra queimava como uma tocha (v. 1)

O fogo é símbolo da presença divina (cf. Gn 15,17s; Ex 13,14; 19,6-18) e do Espírito Santo (At 2,3s). Elias encheu-se de espírito profético, “ardente zelo” (1Rs 19,10.14) e dedicação à Palavra de Javé (cf. Jr 20,90; 69,10; Jo 2,17). João Batista anuncia o julgamento do Senhor com fogo (Mt 3,10-12p).

Fez vir a fome sobre eles e, no seu zelo, reduziu-os a pouca gente. Pela palavra do Senhor fechou o céu e de lá fez cair fogo por três vezes (vv. 2-3).

“Fez vir a fome sobre eles”; hebraico: “quebrou para eles bastão de pão”. A tradução grega

“Fechou o céu”. Elias anunciou ao rei Acab (874-853 a.C.) uma seca que só terminou depois de três anos (2Rs 17,1; 18,41-45; cf. Lc 4,25; Tg 5,17s).

Samuel já repreendeu Saul (1Sm 15) e Natã corrigiu Davi (2Sm 11-12), mas Elias é o primeiro grande profeta, cuja missão consiste permanentemente na oposição do profeta contra o rei (cf. v. 6, omitido), porque Acab se entregou a idolatria e injustiça por influência da sua esposa Jezabel, uma princesa da Fenícia que promoveu o culto ao deus Baal e perseguiu os profetas de Javé (cf. 1Rs 16,30-34; caps. 19 e 21).

Na disputa com os profetas do Baal, o deus fenício de tempestade (raios) e fecundidade (chuva), Elias ganhou porque Javé respondeu do céu, “de lá fez cair fogo por três vezes” (1Rs 18,38; cf. Lc 9,54).

Ó Elias, como te tornaste glorioso por teus prodígios! Quem poderia gloriar-se de ser semelhante a ti (v. 4).

“Por teus prodígios” (grego), em hebraico: “Como eras temível!”

Tu foste arrebatado num turbilhão de fogo, num carro de cavalos também de fogo (v. 9).

Pulando os vv. 5-8, nossa leitura de hoje descreve o final do ciclo de Elias, seu arrebatamento ou ascensão ao céu num carro de fogo (2Rs 2,11s).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1804) comenta: O gr. elimina as palavras “para o alto” (9a) “ao céu” (9b: vocábulo incompleto e incerto em hebr.), que determinam em hebr. e sir. para onde Elias foi arrebatado. Este abrandamento é semelhante ao da Septuaginta a propósito de Henoc (Gn 5,24) e de Elias (2Rs 2,11). Seu objetivo é não chocar a mentalidade do mundo helenístico.

O espiritismo cardecista considera João Batista uma “reencarnação de Elias”. Mas na Bíblia, Elias não desencarnou, foi arrebatado (cf. Henoc em Gn 5,24), portanto, não reencarna (ideia alheia à Bíblia que fala da ressurreição, não de reencarnação).

Tu, nas ameaças para os tempos futuros, foste designado para acalmar a ira do Senhor antes do furor, para reconduzir o coração do pai ao filho, e restabelecer as tribos de Jacó (v. 10).

Quatro séculos depois de Elias, Malaquias anuncia um “mensageiro” que prepara um caminho para o Senhor “antes do dia de Javé” (Ml 3,1.23). Este seria Elias voltando com uma missão pacífica: “reconciliar os pais com os filhos e os filhos com os pais” (Ml 3,24; cf. o anjo Gabriel falando a Zacarias sobre a missão de João Batista em Lc 1,17), e “restabelecer as tribos de Jacó” (linha provavelmente de Is 49,6).

Este v. atesta a tradição judaica que aguardava, para os tempos messiânicos, a volta de Elias, arrebatado para junto de Deus. Ele voltará como precursor do messias para introduzir a libertação. Ainda hoje, na ceia pascal, os judeus devotos reservam uma cadeira livre porque Elias poderia chegar para anunciar a vinda do messias.

Felizes os que te viram, e os que adormeceram na tua amizade! (v. 11).

Este versículo é difícil, o texto é incerto. O texto grego introduziu o v. 12 (falta no hebraico) e sua fé na vida futura: “é nós também viveremos”, o que não se encaixa no contexto.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1322) comenta: O autor, após ter feito o elogio do profeta, afirma que os outros, os que o verão quando de seu retorno, bem como os que morreram no amor (de Deus?), viverão eternamente. Mas o hebr. Infelizmente corrompido (“feliz aquele que te vê”), talvez simplesmente faça alusão a Eliseu que viu desaparecer (2Rs 2,10.12). Então teríamos aqui uma simples transição para o trecho seguinte.

Note-se a insistência na sucessão (v. 8, omitido pela leitura de hoje: “ungistes reis vingadores e profetas para suceder-te”, cf. 1Rs 19,15-21).

Elias era invocado como advogado dos pobres e intercessor nos maiores apertos e na última hora (cf. o mal-entendido “Eli” na cruz de Jesus em Mc 15,35p). Elias é considerado o maior dos profetas (junto com João Batista em Mt 11,7-14). Em Ml 3,22s e Mc 9,4p Moisés representa a Lei e Elias os profetas (apesar de não existirem escritos do próprio Elias).

 

Evangelho: Mt 17,10-13

Na transfiguração de Jesus, Pedro, Tiago e João viram Moisés e Elias aparecerem conversando com Jesus, e depois os discípulos desceram da montanha só com Jesus (17,1-9). Mt copiou este texto de Mc 9,2-13, bem como a conversa em seguida.

Ao descerem do monte, os discípulos perguntaram a Jesus: “Por que os mestres da Lei dizem que Elias deve vir primeiro?” (v. 9a.10).

Em Ml 3,22s e Mc 9,4p, Moisés representa a Lei e Elias os profetas (apesar de não existirem escritos do próprio Elias). Elias era considerado o maior dos profetas. Mt 11,11-13 e Lc 7,28 afirmam que João Batista foi “o maior dentre os nascidos de mulher”; Mt 11,14 já o identificou com Elias: “Se quiserdes dar crédito, ele é o Elias que deve vir”. Em Mt 11,10p cita-se Ml 3,1: “Eis que envio o meu mensageiro a tua frente, ele preparará o teu caminho diante de ti”. A especulação sobre a volta de Elias se alimenta do relato sobre seu arrebatamento celeste (2Rs 2,11s) e desta nota de Ml 3,23 que identifica o mensageiro de Ml 3,1 com Elias.

Ben Sirac, o mestre de Lei que escreveu Eclo, já recolhe a lenda como coisa aceita (cf. Eclo 48,9). Na doutrina judaica, Elias voltaria como precursor do messias para introduzir a libertação. Na devoção popular judaica, ainda hoje, reserva-se uma cadeira livre na ceia pascal porque Elias poderia chegar para anunciar a vinda do messias. Na época, o argumento podia ser dos adversários: Se Elias não voltou ainda, então Jesus não pode ser o messias.

Jesus respondeu: “Elias vem e colocará tudo em ordem” (v. 11).

A tarefa de Elias será restaurar, reconciliar as gerações divididas, para que a terra não seja destruída (cf. Ml 3,24; Lc 1,17). Ele deve preparar o povo para o encontro com o messias, reunindo-o na unidade e fidelidade.

“Ora, eu vos digo: Elias já veio, mas eles não o reconheceram. Ao contrário, fizeram com ele tudo o que quiseram. Assim também o Filho do Homem será maltratado por eles” (v. 12).

Com voz própria (cf. as antíteses do cap. 5: “Eu, porém, vos digo”), Jesus apresenta Elias como já vindo, mas rejeitado pelo seu povo (sofrer violência é destino dos profetas, cf. 21,33-39; 23,29-37). Às palavras de Mc, Mt acrescenta “assim também o Filho do homem será maltratado”. Havia um primeiro anúncio da paixão em 16,21, antes da transfiguração. Depois, no segundo anúncio em 17,22s, Mt fala do “Filho do homem” (título omitido em 16,21; cf. Mc 8,31). A paixão do Batista, a mercê do “capricho” deles (cf. 14,3,12), prefigura a de Jesus, e essa é outra preparação mais profunda. Um mesmo destino reúne Jesus e seu precursor; os mestres da lei e demais adversários deviam ter sabido; por isso não tem desculpas. Mataram o maior profeta, matarão ainda o messias e futuro juiz do mundo! O uso do título “Filho do homem” não significa aqui somente “eu como ser humano” (Ez 2,1 etc.). Neste título, Mt sempre pensa naquele que ressuscitará e julgará o mundo (cf. Dn 7,13s; Mt 8,20; 11,19; 17,9.12.22; 20,28; 24,30; 25,31).

Então os discípulos compreenderam que Jesus lhes falava de João Batista (v. 13).

Em 11,14, Jesus acabou de responder a pergunta do Batista que se encontrava na prisão (11,2s) e ainda não havia certeza, “se quiserdes dar credito, ele é o Elias que deve vir”. Mas depois, em 14,3-12 contou-se a execução do profeta por Herodes. Os discípulos entendem agora, porque Elias deve vir, mas já veio como precursor do messias na vida e na morte.

No Brasil, o espiritismo cardecista considera João Batista uma “reencarnação de Elias”. Mas na Bíblia, Elias não desencarnou, foi arrebatado (2Rs 2,11s; cf. Henoc em Gn 5,24), portanto, não reencarna. Na Bíblia não existe reencarnação (cf. Hb 9,27), só uma nova vida aqui na terra através da conversão e do batismo (cf. Rm 6,4s; Jo 3,3-5). João Batista não assume a carne, mas o papel de Elias: com roupa igual a Elias (Mc 3,6p; 1Rs 19,19; 2Rs 1,7; 2,8) anuncia o messias (Ml 3,1.19.23-24; Eclo 48,1-10; Lc 1,17; Mt 17,10-12) e denuncia o rei injusto que se deixa influenciar pela sua mulher fatal (Acab/Herodes e Jezabel/Herodias em Mc 6,14-29p; cf. 1Rs 16,30-34; 21).

O site da CNBB resume: O Profeta Elias foi aquele que, na sua época, lutou contra os profetas de Baal na tentativa de restabelecer o culto a Javé e reconduzir os corações do povo para Deus. Assim também era a função de João Batista, que deveria pregar a conversão para preparar um povo disposto para a vinda de Jesus. Neste sentido, João Batista realiza a promessa da volta de Elias, que não foi a sua ressurreição ou reencarnação ou ainda a carruagem de fogo o trouxe de volta do alto, mas o profetismo segundo o espírito de Elias se fez presente em João Batista.

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