15 de julho de 2018: Domingo, Ano B: Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo

1ª Leitura: Am 7,12-15

Em vista do evangelho de hoje que fala do envio dos apóstolos a Israel, a 1ª leitura foi escolhida porque mostra um homem simples, Amós, enviado por Deus (a palavra grega apóstolos significa enviado). Apesar de cumprir sua missão, não é bem recebido em todo lugar.

O livro de Amós é o mais antigo dos livros proféticos. É o terceiro colocado na Bíblia hebraica e latina (o segundo na Bíblia grega) dentro dos 12 profetas menores (menores não em importância, mas em volume; cf. Eclo 49,10).

Depois de Salomão, no ano de 931, o reino se dividiu em dois, o reino do Sul (Judá) com a capital e o templo de Jerusalém e o reino do Norte (Israel) com a capital Samaria e dois santuários, um em Betel e outro em Dã (cf. 1Rs 12). Em Betel, o patriarca Jacó havia erguido uma estela como memorial da visão da escada para o céu (Gn 28,19). Jerobeão I estabeleceu ali um santuário e um culto novo, para se opor aos privilégios de Jerusalém (1Rs 12,26-33).

Amos viveu por volta do ano de 750, pouco antes de Oseias, e foi chamado a profetizar no reino próspero de Jeroboão II (783-743 a.C.), no qual o luxo da elite insultava a miséria dos oprimidos e o esplendor do culto disfarçava a ausência de uma religião verdadeira (2,6-8; 4,1-3; 5,11-12.21-27; 6,4-6). Com a rudeza simples e a riqueza de imagens do homem do campo, Amós condena em nome de Javé a vida corrupta nas cidades, as injustiças sociais, a falsa segurança nos ritos descomprometidos. Avisa que Javé, soberano Senhor do mundo, que castiga as nações pagãs, punirá duramente a Israel, obrigado por sua eleição a uma justiça maior (3,2), num “dia de Javé“ (esta expressão aparece pela primeira vez em Am 5,18s) “que será trevas, não luz”: a vingança será terrível, executada por um povo que Deus chama: os assírios invadirão Israel em 722-721 pondo fim ao reino do Norte (2Rs 17,5s). Amós deixa uma pequena esperança (9,8-15) para um pequeno “resto” (5,12; primeira vez desta profecia sobre um resto salvo, cf. Is 4,3).

Nossa leitura é uma narrativa escrita por discípulos de Amós que relatam um episódio da vida do profeta: a denúncia por Amasias, sacerdote de Betel, acusando Amós diante do rei (vv. 10-11), expulsando-o do santuário e do país (vv. 12-13) e a réplica de Amós invocando o apelo irresistível de Deus. Talvez este conflito tenha posto fim ao ministério de Amós em Betel.

Disse Amasias, sacerdote de Betel, a Amós: “Vidente, sai e procura refúgio em Judá, onde possas ganhar teu pão e exercer a profecia; mas em Betel não deverás insistir em profetizar, porque aí fica o santuário do rei e a corte do reino” (vv. 12-13).

O controle da religião no Antigo Israel estava nas mãos do rei (Jerobeão II) e o sacerdote oficial (Amasias) era o administrador do santuário real (Betel). Amasias denunciou a pregação de Amos em Betel resumindo-a assim: “Pela espada morrerá Jerobeão, e Israel será toda deportado pra longe de sua terra” (vv.10-11; cf. 7,9; 9,4.10 e 5,27; 6,7). Mas a denúncia quer fazer Amós passar por um agitador político, envolvendo em silêncio, aquele em cujo nome o profeta anuncia essas desgraças.

O termo ”vidente, visionário” comporta provavelmente um matiz de desprezo. Amasias iguala Amós aos profetas profissionais que viviam de sua profissão (cf. 1Sm 9,7-11), mas não o acusava de ser um falso profeta; ao contrário, por sua intervenção e sua acusação de conspiração (v. 10), mostra que ele teme as consequências da pregação do profeta: a palavra de Amós, eficaz, é considerada como a causa direta das desgraças que ele anuncia.

A Bíblia do Peregrina (p. 2219) comenta:

Estamos diante de um episódio capital para entender a missão do profeta neste e em outros casos. Quase todo o relato discorre em intervenções orais, com citações dentro de citações. Para entender a questão, começamos por observar os personagens e suas funções: Jeroboão rei, Amasias sacerdote, Amós profeta, e Yhwh. É um triangulo de funções, competências e relações.

  1. a) O sacerdote é um funcionário real, encarregado do santuário nacional, que o rei controla (1Rs 12,25-33).
  2. b) O sacerdote controla a competência em seu terreno, o templo, e, por ordem do rei, em todo o território.
  3. c) O profeta, como porta-voz do Senhor, é a instância suprema (Dt 17-18); um profeta pode legitimar e condenar dinastias.

Israel se constitui como espaço geográfico fechado, controlado; é um “reino” cujo centro está em Betel. Betel é centro cultural, fechado, controlado pelo rei e pelo sacerdote. A palavra de Deus irrompe nesse espaço cultural, tornando-o caixa de ressonância, até que as palavras encham e excedam o espaço do seu templo, protegendo assim o espaço do seu reino; mas a palavra de Deus penetra, instala-se, até expulsar os culpados para o espaço estranho, impuro.

Para o sacerdote oficial, a pregação de Amós é conjuração, não palavra profética. Mas descobre um perigo real nessas palavras e procura neutralizá-las, primeiro com a denúncia, depois com a expulsão; mas não se atreve a matá-lo.

Respondeu Amós a Amasias, dizendo: “Não sou profeta nem sou filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros. O Senhor chamou-me, quando eu tangia o rebanho, e o Senhor me disse: ‘Vai profetizar para Israel, meu povo’” (vv. 14-15).

Amós recusa tanto o título como a função de profeta (nabi) que trabalhavam nas cortes ou santuários oficiais a serviço do rei. Também é alheio às confrarias de profetas (2Rs 2,3) que havia em certos santuários (cf. 1Sm 10,10; 1Rs 20,35; 2Rs 2,3) cujos membros se chamavam “filhos de profeta”.

A profissão de Amos é criador de animais (“pastor de gado”, vaqueiro, dois termos diferentes em 1,1 e 7,14) e de Técua, 9 km a sudeste de Belém em Judá (reino do Sul). O fruto do sicômoro serve de alimento para o gado, pinçava-se o caule, a fim de apressar o amadurecimento.

Para Amós, profetizar não é profissão, é missão divina. O Senhor, que considera Israel povo seu, o chamou e enviou. Sua presença e pregação em Betel respondem, sem possibilidade de recusa, a missão divina que ele não escolheu (cf. Jo 15,16; Paulo em 1Cor 9,16s). Portanto, é mesmo profeta, pois fala em nome de Deus que é o Senhor de Israel.

Após um curto ministério, que teve como ambiente principal o santuário cismático de Betel, e provavelmente também em Samaria, capital do Norte (3,9; 4,1; 6,1), Amos é expulso de Israel e deve retomar suas ocupações anteriores.

 

2ª leitura: Ef 1,3-14 (versão breve 1,3-10)

Nos próximos domingos, como segundo leitura é nos apresentada a carta aso Efésios que começa com um hino de rara beleza e grande profundidade.

A Carta aos Efésios faz parte das cartas do cativeiro (Ef, Fl, Cl, Fm). Paulo está preso (Ef 3,1; 4,1; 6,20; cf. Fm 9.10.13.27; Cl 4,3.10.18); rodeado dos mesmos companheiros, encarrega Tíquico de idêntica missão (Cl 4,7-8; Ef 6,21-22). Enquanto Fl e Fm foram escritos pelo próprio Paulo, as cartas Ef e Cl apresentam estilo e teologia diferentes e uma situação posterior. Por isso, muitos peritos consideram estas duas cartas Deuteropaulinas, ou seja, escritas por discípulos de Paulo (talvez por Epafras, cf. Cl 1,7; 4,12?) em nome dele por volta de 80 d.C.. Ef retoma várias expressões de Cl e depende dela.

O conteúdo de Ef é uma longa meditação sobre o mistério da igreja como plenificação da obra de Deus (Ef 1-3) e uma exortação aos batizados (Ef 4-6). As palavras “em Éfeso” faltavam, sem dúvida, no endereço do texto primitivo. Levantou-se a hipótese de um espaço em branco, destinado ao nome desta ou aquela Igreja à qual seria enviada a carta.

A Bíblia do Peregrino (p. 2804) comenta o hino que se segue em vv. 3-14 (os vv. 11-14 ouviremos amanhã):

Parágrafo dificílimo, provavelmente o mais difícil no NT. Tem apenas seis verbos em forma finita… É como se o autor respirasse fundo para pronunciar sua complexa benção num só fôlego, numa única frase gramatical. Para orientar-nos nessa demonstração (ou emaranhado) gramatical, observamos três ondas que concluem em três menções de “louvor” (vv. 6.12.14)…

O texto pertence ao gênero das bênçãos, frequente na liturgia judaica: o homem “bendiz” a Deus agradecendo as “bênçãos” recebidas. O texto é trinitário. No princípio Deus, identificado com o “Pai de Jesus Cristo” (v. 3) e nosso pela adoção (v. 5); ele é o agente de tudo “segundo seu desígnio e decisão” (vv. 5.9.11). Realiza tudo “por meio de Cristo” (mencionado nos vv. 3.5.10.12). Termina o parágrafo com a referência ao Espírito, “selo e garantia” (vv. 13.14).

Vários temas são transposição de “tipos” do AT: escolha, filiação, resgate, sabedoria, herança. A razão é que a consumação ou plenitude presente estava prevista e decidida de antemão (vv. 4.5.9.11).

O hino celebra a expansão da graça de Deus e pertence ao gênero literário da bênção (cf. 2Cor 1,3; 1Pd 1,3), muito difundido na liturgia judaica.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p.2266) comenta: Deus é sujeito dos verbos: a sua ação fica ritmada pelos em “Cristo (nele)”, e batizada por fórmulas de louvor (cf. os vv. 6.12.14). A benção de Deus é considerada sob os seus aspectos sucessivos, mas inseparáveis: eleição (4-5), libertação (redenção) (6-7), recapitulação (8-10), herança prometida (11-12), dom do Espírito (13-14). Esses temas pertencem ao vocabulário da aliança no AT. Ef realiza uma fusão notável entre a perspectiva bíblica do povo de Deus e a ideia nova da Igreja corpo de Cristo.

Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele nos abençoou com toda a bênção do seu Espírito em virtude de nossa união com Cristo, no céu. Em Cristo, ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor. Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo, conforme a decisão da sua vontade, para o louvor da sua glória e da graça com que ele nos cumulou no seu Bem-amado (vv. 3-6).

A primeira estrofe (vv. 3-6) começa com o título de “Cristo” = Messias = Ungido, o esperado. Termina com o título “Bem-amado (predileto)”: outrora título de Israel (Dt 32,15; Is 44,2); agora título de Jesus Cristo, pronunciado no batismo e na transfiguração (Mc 1,11; 9,7p; cf. Cl 1,13).

A 1ª benção é o chamado dos eleitos à vida santa, aliás já iniciada de maneira mística pela união dos que creem no Cristo glorioso. O “amor” designa primeiro o amor de Deus por nós, que inspira a sua “eleição” e o seu chamado para a “santidade” (cf. Cl 3,12; 1Ts 1,4; 2Ts 2,13; Rm 11,28), mas dele não se poderia excluir o nosso amor a Deus, que dele deriva e a ele responde (cf. Rm 5,5).

“Abençoou-nos” (v. 3) retoma a grande tradição do AT: a de Isaac, paterna, testamentária e limitada (Gn 27); a de Jacó, paterna e distribuída às doze tribos (Gn 49); a de Moisés, profética, para as tribos (Dt 33). Isaac abençoou Jacó e não lhe restou outra benção; o Pai celeste em Cristo abençoa todos.

A expressão “no céu” (v. 3), que em sua forma grega é peculiar à carta (Ef 1,20; 2,6; 3,10; 6,12), situa sucessivamente no mundo celeste: Cristo, a Igreja, os cristãos, mas também os espíritos do mal (cf. 6,12). Aqui a expressão associa estreitamente os eleitos ao triunfo do Cristo, vencedor das potencias celestes. Neste plano celeste se manterá toda a carta. É do céu que, desde toda eternidade, partiram e é lá que se realizam, até o fim dos tempos, as “bênçãos espirituais”, que serão expostas nos vv. seguintes.

“Antes da fundação do mundo (da criação)” (v. 4): ou seja, antes da primeira palavra da Bíblia, Gn 1,1: “No princípio, Deus criou”. Jeremias foi escolhido pelo Senhor “antes de te formar no ventre” (Jr 1,5); os cristãos, antes da criação do mundo (cf. Rm 8,28s); o projeto de Deus abrange o tempo inteiro (Is 43,13).

“Santos” ou consagrados: como Israel, “um povo santo” (Ex 19,6), “os santos do Altíssimo” (Dn 7,22.27); “No amor” (infundido, não por mero rito), fórmula conclusiva nas bênçãos judaicas. No entanto, alguns a ligam “a ele nos predestinou” (v. 5). O autor da carta só fala da predestinação para o bem, não para o mal. Os verbos formados com o prefixo “pré –“ (de antemão, desde sempre) não cessam de sublinhar a iniciativa absoluta da graça de Deus. “Eleição” e “predestinação” constituem a boa nova de nossa “adoção filial” (cf. Rm 8,15s); elas não atenuam, mas, pelo contrário, comprometem a nossa responsabilidade (cf. o fim da benção, vv. 11-14).

A 2ª benção é o modo escolhido para essa santidade, isto é, o de uma filiação divina, cuja fonte e cujo modelo é Jesus Cristo, o filho Unigênito (cf. Rm 8,29). “Filhos” (v. 5): título coletivo de Israel (Ex 4,23; Is 1,2; Os 11,1 etc), agora dos cristãos (Jo 1,12; 1 Jo 3,1-10). “Glória” e “graça”, lit. gloriosa graça (v. 6), é o favor que revela sua glória. A benção faz da glória de Deus a finalidade de toda a sua obra, como o seu livre desígnio (graça) é a fonte da mesma.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2196) comenta: O termo grego “cháris” designa aqui o favor divino em sua gratuidade, noção que inclui e, até, ultrapassa a “graça” em seu sentido de dom santificador e intrínseco ao homem. Ela manifesta a “glória” mesma de Deus (cf. Ex 24,16 etc.). Aqui temos os dois refrões que escandem toda a exposição das bênçãos divinas: elas não têm outra fonte que a liberdade de Deus, outro fim que a exaltação da sua gloria pelas criaturas. Tudo vem dele e a ele tudo deve conduzir.

Pelo seu sangue, nós somos libertados. Nele, as nossas faltas são perdoadas, segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou profusamente sobre nós, abrindo-nos a toda a sabedoria e prudência. Ele nos fez conhecer o mistério da sua vontade, o desígnio benevolente que de antemão determinou em si mesmo, para levar à plenitude o tempo estabelecido e recapitular em Cristo, o universo inteiro: tudo o que está nos céus e tudo o que está sobre a terra (vv. 7-10).

Os vv. 7-12 formam a segunda estrofe (cf. o hino em Cl 1,14-20). A 3ª benção e a obra histórica da redenção pela cruz de Cristo, “pelo seu sangue…” (v. 7) O antigo resgate começou no Egito com o sangue pascal (Ex 12) e se perpetua no culto, especialmente pelos sacrifícios de expiação (Lv 4 e 16). Era uma libertação de escravos para a liberdade: o nosso é um resgate de pecadores para o perdão, também com sangue, o da cruz (Hb 9,22).

A “sabedoria e prudência” (v. 8) não são aqui qualidades ou aquisições humanas (Pr 3,13), e sim dom, revelação (Eclo 24; Sb 9) de Deus que nos capacita para compreendermos o “mistério da sua vontade, o desígnio benevolente…” (v. 9). Em 3,3-12, o autor da carta descreve qual é este mistério que foi revelado a Paulo. Esta revelação do mistério (cf. Rm 16,25) é a 4ª benção.

O cumprimento dos tempos ou dos prazos neste mistério pode referir-se à encarnação (Gl 4,4) ou à glorificação (cf. Cl 1,15s). “Levar à plenitude o tempo estabelecido” (v. 10), lit. “para a dispensação da plenitude dos tempos” ou “visando à economia da plenitude (pleroma) dos tempos”. Esta expressão foi compreendida de duas maneiras: 1° No sentido de Gl 4,4, “quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu filho”; neste caso ela visa à encarnação ocorrida no término do AT. 2° Num sentido peculiar da carta, a “plenitude dos tempos” designa o tempo da Igreja inaugurado na Ressurreição, e a economia, a maneira com que Deus conduz a história à sua consumação.

“Recapitular em Cristo, o universo inteiro (lit. todas as coisas)”. O verbo grego composto contém duas ideias que a tradução explicita: a de resumir, repetir, reunir (ideia que se encontra no termo “capítulo”) e por outro lado, a ideia de colocar sob a soberania (ideia que se encontra nas palavras “chefe” e “cabeça”, todas da mesma raiz linguística). Este versículo desempenhou um papel considerável na teologia de S. Irineu (tema da recapitulação).

“Céus” e “terra” podem representar as duas partes que compõem o universo criado (Dt 32,1; Is 1,2). Também podem distinguir-se e opor-se como mundo humano e mundo divino, separados (Sl 135,16; Is 55,9). Em Cristo se realiza sua união definitiva, indissolúvel, e por ele começa um longo processo de reunificação da criação despedaçada: é a unidade primordial que fundamenta a unidade do gênero humano (cf. LG 1), da qual falará a carta.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2196) comenta: Toda a carta desenvolverá esta ideia de Cristo regenerando e reunindo sob a sua autoridade, para reconduzi-lo a Deus, o mundo criado, que o pecado tinha corrompido e dissociado: o mundo dos homens, em que judeus e gentios são reunidos numa mesma salvação, e até o mundo dos anjos (cf. 4,10).

Em Cristo nós recebemos a nossa parte. Segundo o projeto daquele que conduz tudo conforme a decisão de sua vontade, nós fomos predestinados a sermos, para o louvor de sua glória, os que de antemão colocaram a sua esperança em Cristo (vv. 11-12).

Aqui começa a distinção “nós = os judeus, que “esperávamos um Messias (Cristo)” (v. 12), e “vós” = os pagãos (v. 13), introduzindo a ideia de Israel e das nações que ocupará um lugar de tanta importância nesta carta.

É a quinta bênção neste hino: a eleição (cf. v. 4) de Israel que se torna “herança” de Deus e sua testemunha na expectativa messiânica. Paulo pertence a este povo; por isso usa aqui “nós’, enquanto os destinatários desta carta eram pagãos, ou seja, gentios, não judeus.

“Em Cristo nós recebemos a nossa parte” lit.: nele também nós fomos designados pela sorte (variação: nele também nós fomos chamados.). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2266) comenta:

À luz do AT, essa expressão pode ser compreendida de dois modos: 1: “nele também nós recebemos a nossa parte”. 2: “nele também nós fomos escolhidos como o seu quinhão”.

A primeira tradução evoca a ideia da terra prometida atribuída por Deus a Israel como parte da herança do povo eleito (Dt 3,18). Esta ideia é transportada para o NT, onde a terra prometida passa a ser o céu (cf. a herança celeste). Ela é familiar a Paulo (Rm 8,17; Gl 3,29; 4,7). Ela será explicada no v. 14 (“o adiantamento da herança”) e no v. 18…

A segunda tradução apoia-se no fato de que o próprio Israel era considerado como a parte que Deus adquire para si para que se tornasse o seu bem próprio, o seu “quinhão” (Ex 34,9).

Nele também vós ouvistes a palavra da verdade, o evangelho que vos salva. Nele, ainda, acreditastes e fostes marcados com o selo do Espírito prometido, o Espírito Santo, o que é o penhor da nossa herança para a redenção do povo que ele adquiriu, para o louvor da sua glória (vv. 13-14).

Terceira estrofe com a sexta bênção: o chamado dos gentios (nações pagãs) a partilharem da redenção antes reservada a Israel. No começo se refere aos pagãos, que, embora não esperassem um messias prometido, acolheram o evangelho como mensagem autêntica, “palavra da verdade”.

O que depois diz o Espírito vale para todos os crentes sem distinção. O Espírito Santo “prometido” concentra todas as promessas e é comunicado no batismo (At 13,26p). É um “selo” (“fostes marcados”, lit.: selados): sinal de autoridade e posse (Gn 28,18; 1Rs 21,8), garantia (Jr 32,10-14); quem o traz gravado mostra a quem pertence e quem o protege (2Cor 1,22). É “garantia” ou “penhor” (2Cor 5,5), adiantamento ou antecipação de uma entrega: de que um dia herdaremos o reino; de que, como posse divina, um dia seremos libertados (Rm 8,23).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2197) comenta: O dom do Espírito coroa a execução do desígnio divino e sua exposição em forma trinitária. Iniciado a partir de agora, de maneira misteriosa, enquanto o mundo antigo dura ainda, atingirá a plenitude quando o reino de Deus se estabelecer de maneira gloriosa e definitiva, na Parusia de Cristo (cf. Lc 24,49; Jo 1,33; 14,26).

Ser “herdeiros” ou ser herança (cf. v. 11). Ambos os sentidos se encontram no AT: Israel herda a terra (Ex 23,30; Dt 19,3; Js 14,1) e é herança de Deus (Dt 9,29; 32,9; Sl 78,71). “Redenção do povo que ele adquiriu”, lit. libertação da aquisição. Expressão ambígua, significa ou a “libertação que consistiria na aquisição” (o povo entra na posse da herança na hora da libertação final), ou a “libertação da aquisição” (que Deus fez, quando adquiriu o povo para si (cf. v. 11; 1Pd 2,9).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2197) comenta: Lit. “do povo da sua propriedade”. Essa expressão que ocorre também em Tt2,14 e 1Pd 2,9; é eco de Ex 19,5 e Dt 14,2. É a propriedade que Deus adquiriu pelo sangue de seu Filho: o povo dos eleitos. Paulo retoma aqui – depois dos termos “benção”, “santos”, “eleição”, “adoção”, “redenção”, “feitos sua herança”, “promessa” – outra noção veterotestamentária, ampliando-a e aperfeiçoando-a pela aplicação ao novo Israel, isto é, a Igreja.

Agora nós cristãos somos herdeiros (Rm 8,17.28-29), “para o louvor da sua glória” que é a meta de todo desígnio de Deus (cf. vv. 6.12).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1427) comenta este hino:

No original grego, trata-se de um período só, com altos conceitos para a vida cristã (Cl 1,15-20). Apresenta uma espécie de síntese da história da salvação. A terminologia é da aliança, com palavras e conteúdos do AT. Pertence ao gênero benção, também chamado “bendito”. O Pai é a fonte de tudo, o Filho é o redentor, e o Espírito é quem confirma a obra da salvação. A igreja é projetada para o ideal do Reino, como sonho de salvação para a humanidade toda. Começa por um bendito ao Pai por ter chamado os cristãos a participarem de sua santidade, no amor (vv. 3-4), e por tê-lo adotado como filhos através de Jesus (v. 5). Segue o louvor pela graça da redenção (vv. 6-8), e por ter dado a conhecer o mistério de sua vontade, que é o seu plano de amor (vv. 9-10). Acrescenta mais um louvor por ter feito o povo de Israel sua herança (vv. 11-12), e também por ter levado de Israel sua herança (vv. 11-12), e também por ter levado o evangelho da salvação às nações (v. 13). O último louvor se dirige ao Pai, pelos dons do Espírito Santo (v. 14).

 

Evangelho: Mc 6,7-13

Vocação (chamado) e missão (envio) são dois momentos complementares (cf. Is 6; Jr 1,5-8.17; Ef 2-3; At 13,2-3). Assim o envio no evangelho de hoje é complemento da escolha dos doze (3,13-19).

Jesus chamou os doze, e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros (v. 7).

Jesus chamou os doze e começou a “enviá-los”, daí o nome “apóstolos” que significa “enviados, missionários” (Mc usa este termo só em 6,30). Eles saem “dois a dois”, não só pela ajuda mútua (cf. Ecl 4,9-12: “melhor dois juntos que alguém sozinho”), mas também como testemunhas (cf. Dt 17,6; 19,15; Mt 18,16; 2Cor 13; 1Tm 5,19; Hb 10,28) do anúncio e também do julgamento (em caso de rejeição, v. 11). Vão ampliar e prolongar a atividade de Jesus, ou seja, pregar, curar e expulsar demônios (cf. 3,14-15).

Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas (vv. 8-9).

Os enviados (apóstolos) podem levar um “cajado”, bastão de andarilho (cf. Gn 32,11; nos textos paralelos, nem o cajado nem as sandálias, cf. Mt 10,10; Lc 9,3; 10,4), mas duas túnicas eram consideradas luxo. O estilo desses missionários é muito simples e radical, mas mantém sua validade hoje também. É preciso simplicidade, desapego, coerência material com a mensagem espiritual da fé (confiança em Deus). Vários santos se inspiraram nestas palavras (S. Francisco). Uma atualização interessante deste evangelho é o “Pacto das catacumbas” de vários bispos no final do Vaticano II, entre eles D. Helder Câmara.

E Jesus disse ainda: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida. Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” (vv. 10-11).

Não devem levar dinheiro nem provisões de reserva, porque viverão da diária e da hospitalidade generosa das comunidades. Não devem abusar nem explorar casas, nem devem desprezar a hospitalidade (cf. Gn 18): “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida” (v. 10). Faz sentido se pensar numa fundação de comunidade (cf. At 9,43; 12,12; 16,14-15.40; 18,1-3).

Mc passa da casa logo para o lugar, “se em algum lugar não vos receberem… sacudi a poeira dos pés como testemunho contra eles” (v. 11). Trata-se de uma ação simbólica que toma o pó como sinal (2Rs 5,17): nado do território ignorante e culpado se apegue aos apóstolos (At 13,51). A boa notícia (evangelho) se torna juízo e condenação para quem a rejeita.

Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo (vv. 12-13).

Os apóstolos repetem a atividade inicial de Jesus no primeiro capítulo: pregam a conversão (cf. 1,14-15), expulsam demônios (cf. 1,21-27) e curam doentes (cf. 1,29-42) “ungindo-os com óleo” (v. 13).  A unção pode ser remédio terapêutico (cf. Lc 10,34; Is 1,6) e passa a ser símbolo (sacramento) de cura (Tg 5,14). O óleo significa a força (cf. a energia do petróleo) que falta aos doentes.

O site da CNBB resume: Quem é verdadeiramente discípulo de Jesus não deve pensar em si próprio, mas deve viver em função das outras pessoas, preocupar-se com os seus problemas e necessidades, ir ao encontro de todos para levar o Evangelho, a motivação para a conversão e a esperança de uma vida melhor. Nós fomos enviados por Jesus para realizar essa missão. Não devemos levar nada que seja para nós, além do que seja estritamente necessário, pois não devemos nos preocupar com o nosso bem-estar, mas sim com o dos nossos irmãos e irmãs. Somente com este espírito é que podemos participar da obra evangelizadora de Cristo.

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