17 de julho de 2018, terça-feira: Jesus começou a censurar as cidades onde fora realizada a maior parte de seus milagres, porque não se tinham convertido

Leitura: Is 7,1-9

Ouvimos hoje o início da segunda parte de Proto-Isaías (primeiro Isaías, caps. 1-39). Na sua primeira fase, Is criticou a injustiça social na cidade de Jerusalém, mas sem citar nomes (1,10-5,24). Na segunda fase, Is dirige sua atenção aos problemas da política exterior que se tornam evidentes durante da guerra siro-efraimita (735-732 a.C.; cf. caps. 7-8). Isaías faz um apelo ao rei de Judá: ter fé em Deus é melhor do que procurar alianças com potências estrangeiras. A fé ou confiança no Senhor deve vencer o medo (cf. 30,15; Sl 27).

No tempo de Acaz, filho de Joatão, filho de Ozias, rei de Judá, aconteceu que Rason, rei da Síria, e Facéia, filho de Romelias, rei de Israel, puseram-se em marcha para atacar Jerusalém, mas não conseguiram conquistá-la. Foi dada a notícia à casa de Davi: ”Os homens da Síria estão acampados em Efraim”. Tremeu o coração do rei e de todo o povo, como as árvores da floresta diante do vento (vv. 1-2).

Para entender esta guerra siro-efraimita na época dos reinos divididos: Acaz, o novo rei do reino do Sul (“Judá”; capital: Jerusalém) estava sendo ameaçado por dois reis vizinhos: Rason, rei de Aram (“Síria”; capital: Damasco) e Faceias, rei de “Israel” (ou “Efraim”, o reino do Norte; capital: Samaria). O rei de Aram e o rei de Israel queriam arrastar Judá para uma coligação contra a poderosa Assíria (capital: Nínive) cujo rei Tiglat-Piléser III obrigava Damasco e Samaria a pagar tributos pesados (desde 738).

O rei Joatão de Judá (740-736 a.C.) já tinha sido sondado pelos coligados antes de morrer e provavelmente recusou (cf. 2Rs 15,37). O jovem Acaz, que lhe sucede em 735, enfrenta os coligados (cf. 2Cr 28,5-7) e sofre grandes perdas. Acossado pela ameaça que os últimos dirigem então contra a sua capital Jerusalém e a sua dinastia, dispõe-se a apelar à Assíria, ao preço de um pesado tributo e de um reconhecimento de soberania (2Rs 16). É no momento em que o rei amadure essa decisão carregada de consequências para a independência da dinastia eleita que Isaías é enviado a ele.

”Os homens da Síria estão acampados em Efraim”, lit. “Aram pousou sobre Efraim”, que sugere a imagem do pássaro ou do inseto que pousa (cf. v. 19; 11,2). Pode-se também traduzir: se apóia sobre, isto é, fez aliança com (cf. o texto grego). Segundo 2Rs 16,5, os dois reis vizinhos chegaram a levar o cerco até diante da cidade (cf. Sl 27,3).

A “casa de Davi” é a casa real, portanto o palácio em Jerusalém, a corte, mas primeiramente a dinastia eleita, cuja estabilidade está garantida pelas promessas divinas (cf. 2Sm 7,8-16; Sl 89,20-38; 132,11s etc.) e que as intenções dos coligados questionam (cf. v. 6).

Então disse o Senhor a Isaías: ”Vai ao encontro de Acaz com teu filho Sear-Iasub (isto é, um resto voltará) até a ponta do canal, na piscina superior, na direção da estrada do Campo dos pisadores (v. 3).

O filho de Isaías seria um menino pequeno: serve de testemunha muda e aponta como símbolo porque seu nome profético (cf. 1,26; 7,14; 8.1-4.18; Os 1,4-9) significa “um resto voltará”, quer dizer, se converterá a Javé, escapando assim ao castigo (cf. 4,3; 10,20-23). Ele é o símbolo vivo de uma promessa que diz respeito, sobretudo a Judá (cf. “um décimo” de 6,13, e o contexto onde reaparece Sear-Iasub em 10,21-23). A presença dele junto de seu pai ordenada pelo Senhor, convida insistentemente o rei à confiança.

Isaías vai ao encontro de Acaz no mesmo lugar aonde posteriormente os emissários de Senaquerib, rei da Assíria, vêm encontrar os de Ezequias, rei de Judá em 701 a.C. (cf. 36,2; 2Rs 18,17; 20,20). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 610) comenta: Este “reservatório superior” (isto é, a bacia reguladora da fonte de Guihon, debaixo da escada que atualmente desce a ela, antes que um eventual reservatório de água de chuva no norte ou noroeste da cidade), era o ponto de partida de um canal que corria a céu aberto no flanco da colina e que servia para a irrigação dos “jardins reais”, fora da fortaleza. Para impedir os assediadores esperados de utilizar e controlar esse canal, Acaz o faz derivar para o “reservatório inferior” (mencionado em 22,9), provavelmente cavado ao mesmo tempo e que geralmente é identificado com a atual Birket el-Hamra, na saída do Tiropeon. O “campo do Pisoeiro” deve estar relacionado com a “fonte do Pisoeiro” (1Rs 1,9), o atual poço de Jó, na confluência do Guê-Hinom e do Qidron. A via que conduzia a ele devia costear o canal (com o qual é também relacionada em 36,2 e 2Rs 18,17), pelo menos em uma parte do seu percurso. É portanto, essa direção (a do sudeste da cidade, na proximidade da fortaleza) que Isaias toma para encontrar Acaz na extremidade do canal, sem duvida no local em que começam os trabalhos de derivação. É portanto no próprio lugar em que o rei adota as medidas para sustentar o assédio, que o profeta vem convidá-lo à confiança. 

E dirás ao rei: ‘Procura estar calmo; não temas nem estremeça o teu coração por causa desses dois pedaços de tição fumegantes, diante da ira furiosa de Rason e da Síria, e do filho de Romelias, por terem a Síria, Efraim e o filho de Romelias conjurado contra ti, dizendo: Vamos atacar Judá, enchê-lo de medo e conquistá-lo para nós, e nomear novo rei, o filho de Tabeel’ (vv. 4-6).

Os dois reis vizinhos tentavam implantar uma nova dinastia em Judá com o “filho de Tabeel”, não de Acaz, não davídico, provavelmente era um arameu da corte de Damasco. Seu nome significa “Deus é bom”, mas o hebraico massorético vocalizou-o Tabal, “não presta” (cf. Esd 4,7).

Duas imagens sintetizam o processo do medo do rei para a confiança (fé) que Isaias propõe: um “vento impetuoso que agita as árvores” (v. 2) se desvanecerá em fumaça de tições que se consomem. Os dois reis eram fortes, mas perderam muito da sua energia: “Dois pedaços de tição fumegantes” é imagem da fraqueza (cf. 42,3) que preludia a morte (43,17; cf. Jr 25,10; Jó 18,5-6) e notadamente a extinção de uma família (2Sm 14,7): é o que vai suceder à casa real de Damasco e à família do filho de Romelias (que não está ligado a nenhuma dinastia), ao passo que a lâmpada da dinastia de Davi permanecerá “sempre acesa” (cf. 2Rs 8,19).

 

Isto diz o Senhor Deus: Este plano fracassará, nada disso se realizará! Que seja Damasco a capital da Síria e Rason o chefe de Damasco; dentro de sessenta e cinco anos deixará Efraim de ser povo; que seja a Samaria capital de Efraim e o filho de Romelias chefe de Efraim (vv. 7-9a).

A resposta é categórica, jogando com dois significados de “cabeça” (cf. Sl 18,44): chefe e capital. Para os profetas é sempre o Senhor que é o chefe (a cabeça), aquele que controla a historia com seus territórios e protagonistas. Cada reino subsiste pelo seu rei (cabeça) e não substituirá por muito tempo. Talvez seja preciso subentender um terceiro par: a cabeça de Judá é a capital Jerusalém e a cabeça de Jerusalém é a casa de Davi a quem Deus prometeu permanência (2Sm 7)

Alguns supõem que v. 8b é acréscimo posterior, outros que se transfira v. 8b para depois de v. 9a e se corrija “65 anos” para “5 ou 6 anos” (de fato, a Samaria cairá em 722 invadida pelos assírios, cf. 2Rs 17). O prazo dos 65 anos nos leva a 670 a.C., no fim do reinado de Asaradon da Assíria. Ora, sabemos por Esd 4,2 (cf. Esd 4,10 e 2Rs 17,24, que parecem indicar várias deportações diferentes) que alguns dos estrangeiros estabelecidos no país no tempo do rei persa Dario faziam remontar a sua instalação a Asaradon. Talvez esta transferência de população tenha acarretado a eliminação e a deportação dos últimos efraimitas autóctones.

Como se apresenta, o texto supõe uma comparação tácita entre Judá (cuja cabeça-capital é Jerusalém e cujo verdadeiro chefe-cabeça é Javé) e os seus inimigos, que não tem os mesmos privilégios. Além disso, o profeta anuncia o desaparecimento do reino do Norte, mas coloca como condição um ato de fé em Deus (v. 9b).

De resto, se não confiardes, não podereis manter-vos firmes” (v. 9b).

Ter fé é ter confiança. A fé, na pregação dos profetas, é menos a crença abstrata de que Deus existe e é único, do que a confiança nele, fundada na eleição: Deus escolheu Israel, é seu Deus (Dt 7,6) e só ele pode salvá-lo. Esta confiança absoluta, penhor da salvação (Is 28,16), exclui o recurso a qualquer outro apoio, dos homens ou, com mais forte razão, dos falsos deuses (cf. 30,15; Jr 17,5; Sl 52,9).

A frase é uma síntese teológica capital, montada sobre um jogo de conjugações (duas formas do mesmo verbo), por isso a Tradução Ecumênica da Bíblia traduz: “Sem firme confiança, não vos firmareis”; pode-se também traduzir: “Se não aguentardes, não vos sustentarei”, ou ainda: “Se não aguentardes firmes, não sereis firmados”. O texto grego e sírio trazem: “Se não acreditardes, não compreendereis”, o que inspirou uma meditação sobre fé e razão na encíclica Lumen fidei (A luz da fé) em 2013.

A palavra de Deus é o ponto de apoio da salvação, a fé é o centro de gravidade. A fé funda e conserva a existência do povo. A palavra de Deus se cumprirá (cf. Sl 33; para o NT, cf. Ap 3,14). Não obstante as advertências de Isaías, Acaz pediu auxílio ao rei da Assíria, Teglat-Falasar, que atacou Damasco e Samaria, mas reduziu Judá à condição de vassalo. Acaz abrira à Assíria a porta do seu país (cf. 2Rs 16,5-16).

 

Evangelho: Mt 11,20-24

No evangelho de hoje, Jesus lamenta a falta de fé nas cidades da Galileia onde pregava e operava milagres. A Bíblia do Peregrino (p. 2343) comenta: Esta perícope pertence ao gênero profético do oráculo contra nações pagãs, com sua exclamação “Ai de ti”. Concretamente deve-se ler esse julgamento comparativo sobre o pano de fundo de Ez 16,46-48, que compara Judá com Samaria e Sodoma: “Superaste-as em conduta depravada”. O julgamento final será um julgamento comparativo aduzindo agravantes.

Jesus começou a censurar as cidades onde fora realizada a maior parte de seus milagres, porque não se tinham convertido: (v. 20).

O v. 20 é da redação de Mt, o resto (vv. 21-24) vem da fonte Q onde provavelmente fazia parte do envio (Lc 10,13-15). Em 9,35, Jesus ensinava em todas as cidades e povoados de Israel e curava as doenças. Quando Jesus começou morar em Cafarnaum, iniciou sua pregação como João Batista: “Convertei-vos…” (4,13.17; cf. 3,2). Em 10,11-15, Jesus enviou os apóstolos às cidades de Israel e, se uma cidade não os acolhesse, deveriam sacudir a poeira dos pés e “no dia do julgamento, haverá menos rigor para Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade” (11,15).

”Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se os milagres que se realizaram no meio de vós, tivessem sido feitos em Tiro e Sidônia, há muito tempo elas teriam feito penitência, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinza. Pois bem! Eu vos digo: no dia do julgamento, Tiro e Sidônia serão tratadas com menos dureza do que vós (vv. 21-22).

A fórmula “Ai de ti” (há sete ais no cap. 23; cf. 18,7; 24,19; 26,24; Lc 6,24-26) não exprime tanto uma maldição, mas uma dor profunda, ou uma indignação. É um gênero que já se encontra em série em textos proféticos (Is 5,8-23; 10,1; Hab 2,7-20; Os 7,13).

“Corazim” é nome desconhecido até o período do NT (Novo Testamento, só aparece aqui e em Lc 10,13); é cidade nomeada no Talmud (comentário judaico dos séc. II a VI) e em Eusébio (historiador cristão, 265-340) que a situa a 3 km de Cafarnaum.

“Betsaida” é cidade de origem dos apóstolos Pedro, André e Filipe (Jo 1,44). Fica na embocadura do Jordão a norte do lago de Tiberíades (lago de Genesaré, “mar da Galileia”). Foi reconstruída por Herodes Filipe (irmão de Herodes Antipas) com o nome de Júlias (em homenagem à filha de César Augusto).

“Tiro e Sidônia” são cidades litorais na Fenícia (atual Líbano) e representam o poderio comercial dos fenícios, além disso, Sidônia, como Bet-saida, traz no nome uma referência à pesca. No séc. IX a.C., Jezabel, princesa da Sidônia, casou-se com o rei Acab de Israel e promoveu o culto a Baal (1Rs 16,31s). Isaías e Ezequiel pronunciaram seus oráculos contra estas cidades pagãs (Is 23,1-8; Jr 25,22; 47,4; Ez 26-28; Jl 4,4; Am 1,9-10; Zc 9,2-4; Mc 7,24.31) que, em virtude das ameaças frequentes dos profetas, se tornaram tipos da impiedade.

Assim também Corazim e Cafarnaum representam as cidades que recusaram a ocasião oferecida de arrepender-se; pois os “milagres” eram sinais que induziam ao arrependimento como preparação para acolher o anúncio do Evangelho do Reino (cf. 4,17).

“Vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinza” era expressão de confissão pública encenada por meio da qual as pessoas se reconheciam pecadores (Js 7,6; Jó 2,8; Jr 6,26; Ez 27,30; cf. Jn 3,5-8 na cidade pagã de Nínive).

E tu, Cafarnaum! Acaso serás erguida até o céu? Não! Serás jogada no inferno! Porque, se os milagres que foram realizados no meio de ti tivessem sido feitos em Sodoma, ela existiria até hoje! Eu, porém, vos digo: no dia do juízo, Sodoma será tratada com menos dureza do que vós!” (vv. 23-24).

“Cafarnaum”, cidade que Jesus escolheu como centro de suas operações (cf. Mt 4,13), atrai o oráculo contra Babilônia. Não é sem ironia dizer de uma cidade costeira que ela tenta “elevar-se até o céu” (cf. a torre de Babel em Gn 11,1-9 e os prédios arranha-céus de Manhattan em Nova York, etc.), mas “serás jogada no inferno” (Is 14,13-15; cf. Am 9,2; Ab 4; Ez 26,20; 28,2-8.17; 31,14).

“Sodoma” é a principal cidade da Pentápole (cinco cidades gregas no litoral do Mar Morto), destruída (junto com Gomorra) pelo fogo por causa de seu delito contra a hospitalidade de Ló (Gn 18,20; 19; cf. Sb 19,13-17). Sodoma e Gomorra se tornaram símbolos de perversão e destruição (cf. Mt 10,15; Rm 9,29; cf. Dt 29,22; Is 1,9-10; 13,19; Sf 2,9; Lm 4,6; Ez 16,46-56).

As três cidades no litoral do lago Genesaré, em ordem crescente, haviam recebido um tratamento preferencial por parte de Jesus. Preferidas à Jerusalém, a cidade preferida de Javé Deus em outros tempos. Translada-se a um julgamento definitivo e comparativo. A má resposta à graça abundante é agravante; por isso sua condenação será mais grave.

Para os leitores de Mt, esta sentença de Jesus devia ter causado certa surpresa. Mt não havia narrado nenhum milagre em Corazim e Betsaida, mas em “sua cidade” Cafarnaum, Jesus realizou milagres (8,5-17; 9,1-34). Mt, porém, não dizia que esta cidade inteira teria rejeitado Jesus (cf. a intercessão de Abraão em Gn 18,18-33).

Os leitores de Mt eram judeu-cristãos na Síria (Antioquia podia ser o lugar da autoria de Mt, cf. At 11,19-26) e já experimentaram o fracasso da evangelização na Palestina: Israel não queria se converter. Por isso, esta sentença de Jesus já visa o final do evangelho (28,15.19) e inverte os valores bíblicos até então aceitos: os pagãos se sairão melhor no juízo final do que os próprios judeus (cf. 21,43; o centurião em 8,11s; a sirofenícia em 15,21-28). Mas o julgamento está apenas anunciado, e Jesus continuará a percorrer as cidades e povoados da Galileia (caps. 12-15).

Há de insistir na diferença entre anúncio do julgamento (que pode inspirar a conduta, cf. Lc 16,1-8) e sentença irreversível. Na história da Igreja, o texto de hoje não foi usado para anti-semitismo, ou seja, para polemizar contra os judeus, porque se reconheceu logo que o julgamento sobre as próprias comunidades cristãs devia ser bem mais duro ainda: Europa e América têm ouvido o evangelho durante séculos, e não apenas por dois anos como as cidades na Galileia. Lutero concluiu: “Nada mais horrível do que ter a palavra de Deus e negligenciá-la”

O site da CNBB comenta: É comum nós vermos diversas pessoas que participam da vida da Igreja lamentando a incredulidade que existe no mundo moderno e os graves problemas que encontramos na humanidade que são, na maioria das vezes, consequências do pecado. Mas nós não paramos para pensar que isso acontece por causa da nossa falta de fé. Se todos nós tivéssemos de fato uma fé verdadeira, esta fé nos lançaria para o trabalho evangelizador e de transformação social ao invés de ficarmos lamentando a situação do mundo. Quem crê sabe que a única resposta plausível para os problemas do mundo se chama Evangelho e, por isso, sempre tem um renovado ardor missionário que o impele constantemente ao trabalho evangelizador.

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