20 de Outubro de 2018, Sábado: Todo aquele que disser alguma coisa contra o Filho do Homem será perdoado. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado (v. 10).

1ª Leitura: Ef 1,15-23

Depois da saudação inicial, o apóstolo Paulo costumava escrever uma ação de graças pela da comunidade (por ex. em 1Ts 1,2s pela sua fé, esperança e amor). Em Ef, porém, seguiu à saudação um hino solene (vv. 3-11), antes da costumeira ação de graças.

Desde que soube da vossa fé no Senhor Jesus e do vosso amor para com todos os santos, não cesso de dar graças a vosso respeito, quando me lembro de vós em minhas orações (vv. 15-16). 

Na carta aos colossenses, da qual Ef depende, tem os mesmos elementos: ação de graças, oração pela comunidade, “fé no Senhor Jesus e do vosso amor para com todos os santos”, mais a esperança (Cl 1,3-5), que é mencionada aqui no v. 18.

Aqui, a ação de graças é breve e resume toda a conduta cristã na fé em Jesus como Senhor (cf. vv. 21s) e no “amor para com todos os santos”, ou seja, amor fraterno para com os outros membros da comunidade santificados pelo batismo (Rm 1,7; 1Cor 1,2; 2Cor 1,1 etc.).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2267) comenta: “Os santos”: esse termo designa os membros do povo de Deus, os batizados (cf. 1,1). Mas a perspectiva celeste da epístola, e suas afinidades com a literatura do judaísmo tardio, especialmente a de Qumran, podem evocar os anjos, a comunidade do céu (cf. Cl 1,12). Pensou-se ainda nos judeu-cristãos, representando o resto santo de Israel, ao qual os pagão-cristãos são associados (cf. Ef 1,12 e Rm 15,25).                 O termo “santos” se generaliza para designar os cristãos em Ef e Cl e suplanta o termo “irmãos”.

Que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer. Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos, e que imenso poder ele exerceu em favor de nós que cremos, de acordo com a sua ação e força onipotente (vv. 17-19).

O vv. 17-21 constituem uma única frase no texto grego! A Bíblia do Peregrino (p. 2806) comenta: O texto é difícil pela duvidosa atribuição das orações finais e do relativo. Com base no tema, é fácil distinguir uma parte de pedido (vv. 17-19) e outra cristológica (vv. 20-23). Olhando a forma, creio distinguir três pedidos, com a cristologia englobada no terceiro.

Primeiro pedido (v. 17): um carisma de sabedoria revelada (cf. Is 11,2-3). Dom do espirito, não aquisição humana; revelação ou sensibilidade para perceber o mistério. “Para conhecê-lo”: a Deus Pai ou a Jesus Cristo? Pelos vv. Que se seguem, pelo teor da carta e textos semelhantes (2Cor 5,16; Fl 3,10). Inclinou-me ao segundo: conhecer e reconhecer Jesus como Messias, como Filho de Deus Pai (Lc 10,21-22 par.).

Segundo o pedido (v. 18): iluminação (Cl 1,12). A herança só a temos em esperança; sendo futura, não a vemos. Mas a luz celeste nos permite contemplá-la à distância (cf. Hb 11,9-13): “na tua luz vemos a luz” (Sl 36,10).

Terceiro pedido (vv. 19-21): faz a transição para a cristologia. Compreender o “poder” extraordinário de Deus, com o qual realiza em Cristo seu projeto admirável:…

Que ele abra (lit. ilumine) o vosso coração à sua luz”; expressão bíblica (cf. Sl 13,4; 19,9). A Bíblia de Jerusalém (p. 2197) comenta: As acepções morais e espirituais de “coração” do AT (Gn 8,21…) continuam vivas no NT. Deus conhece o coração (Lc 16,15; At 1,24; Rm 8,27). O homem amará a Deus de todo o seu coração (Mc 12,29-30p). Deus pôs no coração do homem o dom do seu Espirito (Rm 5,5; 2Cor 1,22; Gl 4,6). Cristo, também nele habita (Ef 3,17). Os corações simples (At 2,46; 2Cor 11,3; Ef 6,5; Cl 3,22), corações retos (At 8,21), corações puros (Mt 5,8; Tg 4,8), estão abertos em reticencias à presença e ação de Deus. E os fiéis têm um só coração e um só espirito (At 4,32).

Ele manifestou sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus, bem acima de toda a autoridade, poder, potência, soberania ou qualquer título que se possa nomear não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro (vv. 20-21). 

A mesma frase continua, descrevendo o “imenso poder … sua ação e força onipotente” (v. 19) de Deus em Jesus Cristo, a ressurreição como vitória definitiva sobre a morte (Cl 2,12); a exaltação à sua direita como instauração do reinado de Deus: “o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus”, citando Sl 110,1: “O Senhor (Javé) disse ao meu Senhor: Senta te à minha direita até que ponho os teus inimigos debaixo de teus pés” (cf. Mc 12,36p; 14,62p).

“Qualquer título que se possa nomear”; este “titulo” supremo é “Senhor” (Kyrios), com que se traduzia em grego o nome de Deus Yhwh (cf. Fl 2,9).

Sim, ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude universal (vv. 22-23).

“Ele pôs tudo sob os seus pés”, agora é citação do Sl 8,7 que o atribuía simplesmente ao ser humano (“filho do homem/de Adão”). Esse texto e Hb 2,6-9 estreitam a aplicação ao homem por excelência, Jesus Cristo.

“Acima de toda autoridade, poder, potência, soberania”, as quatro categorias que representam a totalidade cósmica, que pode incluir anjos e exércitos celestes. A Bíblia de Jerusalém (p. 2197) comenta: Nomes de poderes cósmicos, atestados da literatura judaica apócrifa. Sem discutir a existência dessas criaturas celestes, Paulo procura colocá-las sob a dominação de Cristo (Cl 1,16; 2,10). Associando-as aos anjos da tradição bíblica e ao dom da Lei (Gl 3,19), ele as integra na história da salvação, com uma qualificação moral cada vez mais pejorativa (Gl 4,3; Cl 2,15), que acaba por fazer delas poderes demoníacos (Ef 2,2; 6,12; cf. 1Cor 15,24).

“Cabeça da Igreja” (cf. 4,15; Cl 1,18; 2,19); em suas cartas autênticas, Paulo invoca o “Corpo de Cristo” como modelo para comunidade e sua união necessária entre os diversos membros e dons espirituais (1Cor 12; Rm 12). Nas cartas deuteropaulinas (Cl e Ef), este corpo tem cabeça, o próprio Cristo, “acima de tudo”.

“Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude universal”. A Bíblia do Peregrino (p. 2806) comenta: A frase é densa e ambígua, por isso as interpretações diferem: a) A Igreja sujeito plenifica, completa Cristo, como o corpo completa a cabeça; Cristo plenifica tudo. b) A Igreja está cheia de Cristo, o qual… c) A Igreja está cheia daquele que Deus plenificou com sua plenitude (Jo 1,14.16; Cl 1,18-19).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2267) comenta: Lit. “a plenitude (pleroma) daquele que é repleto totalmente em todas as coisas”. Como em Ef 3,19 e 4,13, a Igreja é chamada de plenitude de Cristo (cf. Cl 1,19). Ela é repleta das riquezas da vida divina por Cristo, que se acha, ele mesmo, repleto por Deus, segundo a afirmação de Cl 2,9-10. Aproximamo-nos das expressões joânicas: o Pai está no Filho; o Filho, nos discípulos; os discípulos, no mundo (Jo 17,11.20-26; cf. Jo 1,16).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2197) comenta: A Igreja, Corpo de Cristo (1Cor 12,12), pode ser chamada “a plenitude” (cf. ainda 3,19; 4,13), na medida em que abranja todo o mundo novo que, no âmbito da humanidade, participa da regeneração universal sob a autoridade de Cristo, Senhor e Cabeça (cf. Cl 1,15-20). A expressão adverbial – “tudo em tudo” – visa a sugerir uma amplitude sem limites (cf. 1Cor 12,6; 15,28; Cl 3,11).

Nesses três pedidos (vv. 17-23), o autor interpela a igreja real, que vive na história, a espelhar-se no modelo da igreja ideal que vive no céu (4,7-10).

 

Evangelho: Lc 12,8-12

No contexto de evangelização destemida, o discípulo deve se lembrar de que juiz supremo é o próprio Deus que cuida dos seus (cf. vv. 4-7; Mt 10,28-31). O medo deve ser vencido em vista do testemunho público e arriscado em favor de Jesus.

Todo aquele que der testemunho de mim diante dos homens, o Filho do Homem também dará testemunho dele diante dos anjos de Deus. Mas aquele que me renegar diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus (vv. 8-9).

O horizonte antes indicado do juízo final (fogo, v. 5) coloca-se em primeiro plano. A atitude presente e pública diante de Deus decidirá o destino último do homem. Diante da corte celeste, “os anjos de Deus” (cf. Dn 7,10), cada um será reconhecido ou reprovado. O texto grego se desloca do “eu” presente (“de mim”), ao “Filho do Homem” da parusia (volta triunfal de Cristo) no futuro e ao passivo (divino) da rejeição (“será negado”); cf. a frase parecida em 9,26p, copiada de Mc 8,38.

Esta frase pode ser uma das frases originais do próprio Jesus, pela divisão entre Eu presente e Filho do Homem no futuro. Uns exegetas querem separar o “eu” de Jesus histórico do “Filho do homem” no céu, mas em analogia às duas naturezas que estão em Jesus (plenamente humano e plenamente divino), podemos identificá-lo com o Filho do Homem de Dn 7,13s, como já faziam os outros autores bíblicos (o paralelo Mt 10,32s). Mas levando a sério a encarnação que inclui aprendizagem humana, podemos dizer que o próprio Jesus talvez tenha realizado esta identificação só aos poucos na sua consciência crescente de Messias e Filho do homem.

A revelação decisiva acontecerá no juízo final. Aí caberá ao Filho do Homem (como herdeiro do reino diante de Deus e dos anjos; cf. Dn 7,9s;13s; como juiz, cf. Mt 25,31s) reconhecer as suas testemunhas. Trata-se do testemunho da prática da fé que pode incluir a cruz (9,26p) e derramar o próprio sangue (cf. Mt 10, 26-31), unindo o próprio destino ao de Cristo. Negar Jesus é dizer: “Não o conheço” (como Pedro cf. 22,57-60); aos que o renegam, Jesus dirá por sua vez: “Eu não vos conheço”, “não sei de onde sois” (13,25.27; Mt 7,23; 25,12; cf. Mc 8,38p; Lc 9,26: “envergonhar”). Não admite a neutralidade nem as concessões, afirma a reciprocidade (no entanto, perdoou a Pedro em Jo 21,15-19).

Jesus é mais do que uma testemunha neste juízo (“eu”: Mt 10,32), mais do que intercessor (cf. Rm 8,34; 1Jo 2,10), ele é o “Filho do Homem” a quem o Pai entregou a sentença (cf. Mt 25,31-46). Sua palavra decide sobre vida e morte, salvação ou condenação.

Na história da Igreja, nosso texto animou a confissão de fé pelos mártires diante dos juízes deste mundo em tempos de perseguição, depois a profissão da doutrina certa (Cristo é Deus) frente a heresias (Cristo é só homem, etc.). Hoje nos anima professar a nossa fé através da nossa prática da justiça (cf. Mt 6,33) e testemunhar Jesus em nossa existência humilde, indefesa e sofrida, não ter medo dos homens, mas assumir a missão de discípulos missionários com coragem e contar com a providência e o amor do Pai e sua recompensa no reino.

Todo aquele que disser alguma coisa contra o Filho do Homem será perdoado. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado (v. 10).

Lc deslocou esta frase sobre o pecado contra o Espírito Santo (cf. Mc 3,28s; Mt 12,32s) e deu novo significado. Os judeus contemporâneos de Jesus que o rejeitaram ainda tinham chance de ser converter, mas o mesmo não vale para depois da ressurreição a respeito do testemunho da Igreja doada com o Espírito.

A Bíblia do Peregrino (p. 2499) comenta: Blasfêmia contra o Espírito Santo, nesse contexto, parece significar a rejeição obstinada do seu testemunho a favor de Jesus, pelo qual pessoa se fecha ao perdão que Jesus oferece. Como se disséssemos: a pessoa corta o galho sobre qual está sentada.

Quando vos conduzirem diante das sinagogas, magistrados e autoridades, não fiqueis preocupados como ou com que vos defendereis, ou com o que direis. Pois nessa hora o Espírito Santo vos ensinará o que deveis dizer (vv. 11-12).

Para a situação realista de perseguição na época, Jesus dá outro conselho para o momento da confissão (profissão de fé), que o próprio Espírito sugerirá (1Cor 12,3).

Em Israel (“sinagogas”) como depois diante dos pagãos (“magistrados”), os discípulos comparecerão como acusados, mas atuando como testemunhas (v. 8; cf. Jeremias em Jr 26; Pedro e Paulo em At 4,1-22; 5,17-42; 23,11; 25,13-26,32). Por isso seu testemunho se compara à palavra profética (cf. 6,22.26) inspirada pelo Espírito; daí a veneração primitiva aos mártires e a conservação devota das atas de martírio na história da Igreja.

A palavra grega martírion, traduzida por “testemunho” toma nas gerações seguintes o sentido de “martírio”. O Apocalipse chama Jesus de “testemunha fiel” e a sua mensagem de “testemunho” (Ap 1,2-5). Mesmo diante dos tribunais, os discípulos triunfarão através do seu testemunho (martírio). Nas situações mais complicadas, contamos sempre com a ajuda do Senhor. O Espírito Santo é mais importante do que os nossos recursos e motivações.

Nos processos da época não havia advogados, mas peritos jurídicos que aconselhavam o réu. Jesus promete sua assistência (cf. Jo 14,18-21; 15,26). O confessor fala nesse momento como profeta inspirado: “O Espírito do Senhor fala por mim, sua palavra está em minha língua” (cf. 2Sm 23,2).

No seu segundo volume, o próprio Lucas mostrará o exemplo de Estêvão discutindo e testemunhando (At 6-7) e a palavra certa dos apóstolos (Ap 4,8-31; 5,29-32; cf. 2Tm 4,16-18). Lc repetirá esta frase em 21,15 quando copia Mc 13,11 (discurso sobre o fim do mundo).

O site da CNBB comenta: Durante o trabalho evangelizador, sempre somos assistidos pelo Espírito Santo. Somente com a sua ação é que podemos ser verdadeiras testemunhas de Jesus e o nosso trabalho pode produzir frutos que permanecem para a vida eterna. O Espírito Santo nos dá coragem e sabedoria para que possamos testemunhar Jesus e permanecer fiéis a ele até mesmo nos momentos mais difíceis. A história da Igreja está repleta de exemplos de santos e santas que, no momento do martírio, foram fiéis ao Espírito Santo e, além do derramamento de sangue, nos deixaram belas páginas sobre o amor a Deus.

 

 

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