21 de abril de 2017 – Sexta-feira, Páscoa 1ª semana

Leitura: At 4,1-12

Depois da cura do paralítico, Pedro e João, sempre mais corajosos, perseveram no templo, anunciando às multidões a ressurreição de Cristo e sua implicação para a vida do mundo e dos homens e mulheres.

Pedro e João ainda estavam falando ao povo, quando chegaram os sacerdotes, o chefe da guarda do Templo e os saduceus. Estavam irritados porque os apóstolos ensinavam o povo e anunciavam a ressurreição dos mortos na pessoa de Jesus (vv. 1-2).

Os responsáveis pelo templo, “os sacerdotes, o chefe da guarda e os saduceus”, escutam a pregação e ficam profundamente “irritados” (v. 2). Os sumos sacerdotes pertencem ao partido dos “saduceus” que aceitam só os primeiros cinco livros da Bíblia, ou seja, a Lei de Moisés (Torá, Pentateuco). Não acreditam na ressurreição, nem nos profetas nem em anjos, enquanto os fariseus sustentam uma e outra coisa (cf. 23,6-8; Lc 20,27-38). Pela pregação do apóstolo, estas autoridades civis e religiosas se sentem ainda responsabilizadas pela condenação e morte de Jesus (3,13-15.17). Não queriam ser questionadas e não estavam dispostas a colocar em discussão a própria consciência e a política assumida.

Eles prenderam Pedro e João e os colocaram na prisão até ao dia seguinte, porque já estava anoitecendo. Todavia, muitos daqueles que tinham ouvido a pregação acreditaram. E o número dos homens chegou a uns cinco mil (vv. 3-4).

O resultado da irritação é que os dois apóstolos são conduzidos à prisão. A causa aparente era a desordem que o ensinamento dos apóstolos provocava nas proximidades do templo, mas as razões verdadeiras eram a pregação da ressurreição e o aumento dos que aderiam à fé cristã, de 3000 pessoas no dia de Pentecostes (2,41) agora somam 5000 (v. 4). Incrível, que quanto mais a situação dos apóstolos, Pedro e João, se complica do ponto de vista penal, muitos se convertem e aderem à fé na ressurreição.

No dia seguinte, reuniram-se em Jerusalém os chefes, os anciãos e os mestres da Lei. Estavam presentes o Sumo Sacerdote Anás, e também Caifás, João, Alexandre, e todos os que pertenciam às famílias dos sumos sacerdotes. Fizeram Pedro e João comparecer diante deles e os interrogavam: “Com que poder ou em nome de quem vós fizestes isso?” (vv. 5-7).

No dia seguinte são chamados diante do tribunal do sinédrio, o mesmo que tinha condenado Jesus (Lc 22,66-70): “Estavam presentes o sumo sacerdote Anãs e também Caifás, João, Alexandre e todos os que pertenciam às famílias dos sumos sacerdotes” (cf. Lc 3,2; Jo 18,13). “Com que poder ou em nome de quem vós fizestes isso?” interrogaram. O leitor já sabe, mas a pergunta dá oportunidade de professar o poder da fé no nome de Jesus e do Espírito Santo (vv. 6.16; cf. 1,8; 2,38).

Então, Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: “Chefes do povo e anciãos: hoje estamos sendo interrogados por termos feito o bem a um enfermo e pelo modo como foi curado. Ficai, pois, sabendo todos vós e todo o povo de Israel: é pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré, – aquele que vós crucificastes e que Deus ressuscitou dos mortos – que este homem está curado, diante de vós. Jesus é a pedra, que vós, os construtores, desprezastes, e que se tornou a pedra angular. Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (vv. 8-12).

Pedro, “cheio do Espírito Santo” (cf. 2,4; 6,3.5; 9,17; 13,9; Lc 1,41.67; 2,25-27; 11,11-12; 21,15), declara solenemente: “Estamos sendo interrogados por termos feito o bem…” (cf. 10,38). “É pelo nome de Jesus, de Nazaré, que este homem está curado” (v. 10). Mas não só! Jesus será a salvação de todos os homens. “Em nenhum outro há salvação, pois não existe do céu outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (v. 12).

Como o nome de um morto pode ter tanto poder? Assim os saduceus devem se perguntar e reconhecer que Jesus está vivo. Pedro interpreta o Sl 118,22: “Jesus é a pedra que vós construtores desprezaram e que se tornou a pedra angular.” (v. 11; Lc 22,17). O novo templo não será mais administrado pelos saduceus, o novo templo é o Cristo ressuscitado e sua comunidade inspirada (Mc 14,58; 15,29; Jo 2,19-22; 1Cor 3,16-17; 6,19). O poder do Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos, enche a Igreja e a pessoa do apóstolo, age com poder no mundo, elevando-o de suas misérias e doenças para um patamar de liberdade e santidade.

Evangelho: Jo 21,1-19 (versão breve: vv. 1-14)

Obviamente, o capítulo 21 é um anexo posterior, porque o evangelista já escreveu um final bonito em 20,30-31. Pouco tempo depois (entre 90 e 100 d.C.), uma redação eclesial acrescentou este capítulo (e também os capítulos 15-17 e partes de 10). Assim, os quatro evangelhos concordam: Jesus ressuscitado não só apareceu na capital de Jerusalém (Jo 20; Mt 28,8-10; Lc 24,33-51), mas também no âmbito rural (Mt 28,16-20; Lc 24,13-34) e, como se poderia concluir a partir do texto de hoje, Jesus se faz presente não só no domingo na reunião dos discípulos (20,19.26), mas também num dia comum, no meio do trabalho. O foco principal do cap. 21 é a Igreja, ou seja, o papel de Pedro como líder da Igreja (apesar da sua negação tríplice na paixão) e o papel do discípulo amado a quem o anexo atribui  autoria do evangelho (v. 24).

Jesus apareceu de novo aos discípulos, à beira do mar de Tiberíades. A aparição foi assim:  Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeus, e outros dois discípulos de Jesus (vv. 1-2).

Os discípulos estavam à beira do mar de Tiberíades. É o “lago de Genesaré” (Lc 5,1), chamado por Mc e Mt “mar da Galileia”. Tiberíades era uma cidade pagã, construída na beira do lago em honra do imperador romano Tibério que reinava na época de Jesus (14-37 d.C.). Jo já usou o termo indicando a passagem da Igreja do ambiente judaico para numerosas terras pagãs (v. 11; cf. 6,1), onde o ressuscitado se fará presente também, na eucaristia (Jo 6).

Os apóstolos retornaram ao trabalho ordinário de pescadores, será por desilusão? Jo não o diz. Não estavam todos, somente sete (número da plenitude na criação, cf. Gn 1; não os “doze” de Israel, mas pode significar a universalidade de outros povos, cf. os sete diáconos helenistas em At 6,3). Entre eles, os que têm maior destaque no quarto evangelho: Tomé (cf. 11,16; 14,5; 20,24-29) e Natanael (1,45-2,1; identificado com Bartolomeu pela proximidade a Felipe nas listas dos apóstolos em Mc 3,18p; cf. At 1,13). Os “filhos de Zebedeu” são Tiago e João cujos nomes Jo não menciona. Eles foram chamados na beira do mar junto com Pedro e André, nos evangelhos sinóticos (Mc 1,16-10p). No Ev de Jo, a vocação se deu de outra maneira (cf. 1,29-35) e a profissão dos discípulos nunca se mencionou até agora. Há ainda “outros dois discípulos”, entre eles o discípulo amado (v. 7; cf. 1,40; 18,15), porque a maioria dos peritos bíblicos não segue a tradição que considera o filho de Zebedeu, João, como autor do evangelho.

Simão Pedro disse a eles: “Eu vou pescar”. Eles disseram: “Também vamos contigo”.  Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite. Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem. Mas os discípulos não sabiam que era Jesus. Então Jesus disse: “Moços, tendes alguma coisa para comer?” Responderam: “Não”. Jesus disse-lhes: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis” (vv. 3-6a).

Pedro é um líder natural e motiva aos outros para fazerem a mesma coisa: “Eu vou pescar” – “Também vamos contigo” (v. 3). Mas não tiveram nenhum sucesso. A história muda com o clarão do dia. De madrugada, Jesus apareceu novamente (cf. 20,1ss; Mt 28,1p). A claridade coincide com o aparecimento do ressuscitado na aparência de um desconhecido “na margem”. Este ainda pergunta se disfarçando (cf. Lc 24,17-19) de faminto: “Moços, tendes alguma coisa para comer?” e dá um conselho: “Lançai as redes à direita da barca e achareis” (v. 6).

Lançaram, pois, a rede e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar. Os outros discípulos vieram com a barca, arrastando a rede com os peixes. Na verdade, não estavam longe da terra, mas somente a cerca de cem metros (vv. 6b-8).

Mesmo cansados e desanimados, obedeceram ao conselho de Jesus e as redes se encheram de modo que eles “não conseguiam mais puxá-la para fora, por causa da grande quantidade de peixes”. O resultado da pesca ultrapassa as medidas!

Este relato da pesca milagrosa em Jo tem um paralelo na vocação de Pedro em Lc 5,1-11. Só desta vez, é Jesus ressuscitado e desconhecido (cf. Lc 24,16). É uma renovação da vocação para Pedro (cf. vv. 15-19) que ficou abalado (envergonhado, “nu”, v. 7) por causa da sua tríplice negação quando se esquentava na fogueira no pátio do sumo sacerdote (18,15-18.25-27).

O “discípulo amado” é o discípulo ideal: ficou perto de Jesus na ceia e na cruz, é jovem, mais rápido e tem fé (13,23-25; 19,26s; 20,2-10; 21,20-24; cf. 18,15s), agora é o primeiro a reconhecer Jesus: “É o Senhor!” (v. 7).

Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão. Jesus disse-lhes: “Trazei alguns dos peixes que apanhastes”. Então Simão Pedro subiu ao barco e arrastou a rede para a terra. Estava cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes; e apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu (v. 9-11).

Quando os discípulos chegam com os peixes, Jesus, que antes perguntou se eles tinham algo a comer (v. 5) se mostra anfitrião: já tinha acendido o fogo, e sobre as brasas estavam assados peixe e pão (v. 9). A brasa lembra a fogueira onde Pedro negou Jesus três vezes (em seguida, Pedro será interrogado três vezes sobre seu amor a Jesus, cf. vv. 15-17). Os alimentos lembram a multiplicação dos pães e peixes com o discurso eucarístico que a seguiu (cap. 6).

St.º Agostinho rimou: “Piscis assus, Christus passus” (o peixe assado, o Cristo da paixão). As letras da palavra grega I.X.T.Y.S (Peixe) foram um símbolo da fé dos primeiros cristãos, significando: I (Jesus), X (Cristo), T (de Deus) Y (o Filho) S (e Salvador). Nos tempos de perseguição que se seguiam no Império Romano, um desenho de peixe era um sinal secreto para reconhecer outro cristão.

Como na multiplicação dos pães, Jesus quer a colaboração dos discípulos (cf. 6,5-9; Mc 6,37): “Trazei alguns dos peixes que apanhastes” (v. 10). Pedro, sozinho, “arrastou a rede para terra. Estava cheio de 153 grandes peixes; e, apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu” (v. 11). Conforme S. Jerônimo, os naturalistas da época distinguiam 153 espécies de peixes. Como são pescadores de homens, a rede dos apóstolos (sob liderança de Pedro) deveria congregar todos os tipos de homens, ou seja, todos os povos da terra na mesma Igreja sem causar divisão e rompimento (cf. 10,16; 17,21-23). Hoje, nos tempos modernos, entendemos melhor que a Igreja é uma “rede” de comunicação (do Evangelho, da Boa Nova de Jesus ressuscitado).

Jesus disse-lhes: “Vinde comer”. Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor. Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o por eles. E fez a mesma coisa com o peixe. Esta foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos (vv. 12-14).

“Ninguém dos discípulos se atrevia a perguntar quem era, pois sabiam que era o Senhor” (v. 12). Cumprem-se as palavras da última ceia: “Eu vos verei de novo, o vosso coração se alegrará… naquele dia, não me interrogareis mais sobre nada” (16,22-23). Jo não narrou a instituição da Eucaristia na última ceia (mas o lava pés, cf. cap. 13), mas apresentou um discurso sobre o pão da vida depois da multiplicação dos pães. Aqui, como na multiplicação dos pães, Jesus faz o gesto eucarístico: “tomou o pão e distribuiu-o por eles. E fez a mesma coisa com o peixe” (cf. 6,11). Antes “Jesus aproximou-se”, para indicar sua presença mais próxima (cf. Mt 28,17s). Foi “a terceira vez” que o ressuscitado “apareceu aos discípulos” (cf. 20,19-23.26-29), mas antes já apareceu a Maria Madalena (20,14-18).

Jesus ressuscitado continua presente conosco, não só no domingo, mas também nos dias do trabalho, pode aparecer na margem da sociedade como faminto (cf. Mt 25,35), mas nos reanima nos fracassos, aconselha com sua palavra e convida à comunhão com ele: “Vinde comer” (v. 12). Jesus realiza sinais muito simples e humildes também cada dia no meio de nós.

A liturgia não nos apresenta hoje (mas na 7ª semana pascal, 6ª-feira e sábado) a continuação com o motivo pelo qual o capítulo foi escrito: Jesus pergunta a Pedro três vezes sobre seu amor a ele. “Pedro ficou triste porque Jesus perguntou três vezes” (v. 17). Mas Jesus confirma também três vezes o encargo de Pedro pastorear a Igreja: “Apascenta as minhas ovelhas” (v. 17) e profetiza a morte violenta de Pedro (v. 18). Os autores (“nós”, v. 24) desta redação final sabem do martírio de Pedro em Roma; eles escreveram ainda após da morte do discípulo amado a quem se confirma como testemunha e autor do evangelho na sua fase anterior (cf. vv. 20-24). A redação final foi chamada de “eclesial” (ou eclesiástica) por sua preocupação de manter a união da Igreja (cf. cap. 15), através dos sacramentos e da liderança de Pedro, como vemos neste capítulo. As cartas do Jo também são atribuídas à mesma redação.

O site da CNBB comenta: Diante das dificuldades, muitas vezes temos a tendência de enfraquecer, de voltar à vida de antes, parece que perdemos o rumo e a motivação. Pedro e os demais discípulos desanimaram e quiseram voltar à vida de pescadores de peixes, como muitas vezes queremos voltar à vida da imaturidade na fé. Jesus realiza mais uma vez o milagre da pesca milagrosa, para que os apóstolos se recordem que não são pescadores de peixes. Assim também, ele atua em nossas vidas, para que o Mistério Pascal não seja apenas celebração, mas processo de maturação, a fim de que possamos crescer cada vez mais na fé, e um dia atingir a estatura de Cristo.

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