21 de Outubro de 2018, Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas.

1ª Leitura: Is 53,10-11

A 1ª leitura nos apresenta apenas dois versículos do quarto canto (poema) do “Servo de Javé” (Deus). Embora pareçam dispersos pela segunda parte do livro de Is (Segundo Isaías: Is 40-55), os quatro cantos formam uma grande unidade literária (e são lidos na Semana Santa). No primeiro canto (42,1-7), Deus apresentou seu servo em quem pôs seu espírito para fazer justiça na terra com cuidado e sem violência (os evangelistas o aplicam ao batismo de Jesus; cf. Mt 3,17p combina 42,1 com Sl 2,7). No segundo canto (49,1-6), o servo falou da sua vocação de profeta e do seu insucesso, mas é enviado para além de Israel ser “luz das nações”. No terceiro canto (50,4-9), o servo falou como um sábio e discípulo fiel que suporta várias agressões, até que Deus lhe conceda a justiça. Cada vez ficou mais claro que este servo não é uma figura coletiva (Israel, cf. 41,8), mas um indivíduo (profeta).

O quarto canto do servo é o mais longo, o mais denso e o mais belo que chegou a ser chamado o “quinto evangelho”, pois nele se pode entrever uma imagem pormenorizada da paixão e glorificação de Jesus. Fala de um paradoxo: do cúmulo da dor e da humilhação, o servo chega ao auge do “êxito” e da “ascensão” (52,13; 53,10).

Existem variações nos manuscritos hebraicos (texto masorético e Qumrã) e gregos (LXX), por isso temos traduções divergentes nas diversas Bíblias. O gênero e o conteúdo são inéditos no AT,nunca lhes foi narrado e conhecendo coisas que jamais ouviram” (52,15b). É uma lamentação, talvez proferida por outro profeta (discípulo) diante da comunidade no exílio da Babilônia, uma liturgia de funeral em memória do Servo de Javé que acabou de morrer. Compõe-se de três estrofes que podem ser lido em duas vozes (Deus, comunidade) na liturgia de hoje: na primeira e na última é Deus que fala (“meu servo”, 52,13; 53,11b), na segunda (53,1-11b), é a comunidade (a multidão: “nós”, 53,1-11a) que confessa seu pecado que fazia o servo sofrer (a dor é sua, a culpa é nossa).

O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos. Oferecendo sua vida em expiação, ele terá descendência duradoura, e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor. Por esta vida de sofrimento, alcançará luz e uma ciência perfeita (vv. 10-11a).

Nossa leitura apresenta a última estrofe com a virada do destino do servo. Depois do seu sofrimento e da sua morte, vida em abundância lhe é concedida, lit.: ele “verá descendência, terá vida longa, … saciar-se-á ao ver a luz”.

São expressões tradicionais de vitalidade plena no AT que não conhecia ainda vida após morte. A única maneira de um indivíduo perdurar estava na sua descendência, “ver sua descendência” significa poder ainda vivenciar este “durar”. “Ter vida longa” é dom de Deus com o qual ele recompensa o justo e fiel (cf. Dt 4,26.30; 5,33 etc.). “Ver a luz” é metáfora de vida (feliz) em contraste com a morte (morrer é cair na cova e escuridão). “Saciar-se” pode se juntar ao “ver” (Sl 17,15; cf. Pr 27,20b; Ecl 1,8; 4,8) e significa matar a ansiedade no ato de ver, aqui satisfação plena (cf. Jo 10,10).

Encontramos todas estas expressões também em Ecl 6,3-7, numa meditação cética. Em Is 53,10s, porém, o autor tem certeza de que o servo, “por esta vida de sofrimento” (lit. “por sua vida de trabalho fatigante” cf. Ecl 1,2; 6,7) receberá vida em abundância. Não se trata de apenas revitalizar alguém que estava quase morto e volta a viver. Na estrofe anterior (vv. 8-9), o servo de fato morreu e foi sepultado.

Estamos num ponto em que se começa afirmar que há vida e justiça após a morte. Antes do exílio babilônico (586-538), pouco se refletia sobre isso. Após a escravidão do Egito (séc. 13 a.C.), Israel não quis saber da continuação da vida após a morte da mesma maneira injusta como era antes (escravos servindo o faraó ainda no além?). Javé é o Deus dos vivos, não dos mortos. Ele quer vida e liberdade aqui para seu povo. Aos poucos, porém, surgem questionamentos a respeito da morte injusta de indivíduos (cf. Sl 49; 73; Ecl) e da teologia da retribuição que nem sempre se cumpre nesta vida.

No exílio da Babilônia (onde o Segundo Is escreve), a ideia da ressurreição começa surgir (cf. Ez 37,1-14), porque o poder de Deus é universal, não tem limites de espaço (é Deus de todo a terra e não só de Israel; cf. Is 44,6; 45,4-7.12; Gn 1) nem tem limites de tempo: portanto, a justiça de Deus deve se estender para além da morte, como aqui, sem falar explicitamente da ressurreição (cf. Is 25,8; 26,19).

Na crise do exílio, um profeta contemporâneo no exílio, Ezequiel, descreverá a volta do exílio como ressurreição dos ossos secos em termos de uma nova criação pelo Espírito (Ez 37). Depois, pelas influências persa e grega, surge a ideia da vida eterna da alma justa no paraíso (cf. Sb 3; Lc 16,19-31), além da ressurreição da carne (Is 26,19; 2Mc 7; Dn 12,2-3).

Em vv. 10-11a, não se trata apenas da possibilidade de vida após a morte. A comunidade (que está falando ainda) reconhece que esta vida após a morte é a recompensa pela doação e obediência do servo que “oferecendo sua vida em expiação” correspondeu à “vontade do Senhor” (desígnio, projeto salvífico de Javé) que “quis” macerá-lo “com sofrimentos” (outra tradução possível: “e o traspassou”).

De fato, pela primeira vez no AT se fala aqui da “expiação” vicária, ou seja, de um sofrimento que paga a culpa de outros. Geralmente no AT se falava da doutrina da retribuição, “aqui se faz, aqui se paga” (cf. Sl 1 e a teologia da prosperidade hoje em dia). Já o livro de Jó a questiona: Se faz nada de errado, porque o justo sofre? Também uns salmos falam do sofrimento do justo (cf. Sl 22; 73; cf. Ecl; Sb 2). O servo não foi salvo mais aqui na terra (como Jó, como José do Egito e outros), morreu de fato e foi sepultado (vv. 8-9).

Aqui temos o único texto no AT que usa a imagem de uma vítima humana em expiação. É sabido que os sacrifícios humanos eram absolutamente proibidos (cf. Gn 22,12s: um cordeiro é oferecido no lugar do filho de Abraão).

O termo hebraico ‘asam tem um significado de “reparação” (em caso de delito inconsciente ou sem querer, cf. Lv 5,15-19) até “sacrifício de culpa” (em casos de delito consciente e grave, Lv 5,20-26). Em 1Sm 6,3.5, o homem toma iniciativa e espera que Deus aceite este sacrifício. Talvez o servo não tivesse a certeza desde o início, se Deus aceitaria seu sacrifício. Ele esperava ainda pela aceitação e justificação divina que será proclamado no final (vv. 11b-12), mas já em v. 11a reconhece-se que a doação de vida do servo está em “consciente” consonância com o projeto de Deus e assim “cria salvação” (nossa liturgia traduz: “ciência perfeita”; cf. Jr 22,15s: o rei Josias, que criou justiça e salvação para os pobres através do seu “conhecimento” de Deus).

Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas.

Aqui Javé Deus, pela boca do profeta, volta a falar (já em 52,13-15). No terceiro canto, o servo maltratado esperava pelo auxílio de Javé (53,8-9) que o supremo juiz o defenderia e declararia publicamente sua inocência, dizendo como agora: “Meu servo é justo” (v. 11b).

No direito do AT (cf. Dt 25,1-3; 23,7; 1Rs 8,31s), precisa de um julgamento para solucionar um conflito que impossibilita a convivência e proclamar publicamente a sentença: 1) quem é inocente e justo (cf. Pr 24,24) e quem é culpado, 2) qual a consequência do ato (pena, sanção, indenização) e 3) justificar a sentença. Assim, Javé proclama a sentença (v. 11b: “ele é justo”), a consequência (v. 12a: não pena, mas recompensa), e a justificação da sentença (v. 12bc).

Deus declara justo o servo que os muitos desprezavam achando que era castigado por Deus. A ação justa do servo consistiu exatamente no fato de ele tirar a culpa daqueles que o desprezavam mostrando-se seus inimigos. Aqui a “justiça de Deus” chega ao cume: nunca era apenas justiça por obras ou méritos, sempre ajudava os fracos e indefesos (cf. Jr 22,15: Sl 72), mas agora ajuda até os pecadores, aqueles que o desprezavam (cf. Rm 5,8-10); e o servo ainda intercede por eles (v. 12).

Nossa liturgia omitiu o versículo final (v. 12) com a síntese: “… resgatava o pecado de todos”, lit. “carregou o pecado de muitos”. Há uma polêmica sobre a tradução, “muitos” ou “todos”, que levou Papa Bento XVI a pedir a revisão das palavras na consagração eucarística: Jesus derramou seu sangue “por muitos” ou “por todos”? No relato da última ceia, Mc 14,24 e mais ainda Mt 26,28 aludem ao servo de Deus em Is 53,12 e traduzem a palavra hebraica rabbim por “muitos” (cf. o evangelho de hoje Mc 10,45; em Lc 22,20: por vós) A reforma litúrgica na esteira do Concílio Vaticano II traduz (interpreta) a palavra “por todos”.

Em português (e outras línguas como grego, latim etc.) há contraposição entre muitos e todos, ex.: “muitos alunos foram aprovados”, quer dizer que “nem todos foram aprovados”. Em hebraico, não: rabbim significa uma “multidão” que pode ser todos ou nem todos.

Comparamos outros trechos no NT: Hb 9,28; Ap 7,9; Mt 22,14 usam a palavra grega por “multidão”, mas as cartas paulinas (Rm 5,15.18-19; 8,32; 1Cor 10,16s; 2Cor 5,14s; 1Tm 2,4-6; 2Tm 2,11.14) e os escritos joaninos (Jo 1,29; 6,51; 11,52; 1Jo 2,2) salientam a universalidade:  Cristo morreu para salvar a “todos”. Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados; e não só dos nossos, mas também os pecados do mundo inteiro (cf. Mt 1,21; Jo 1,29).

A expressão desta síntese do quarto canto lembra a função do “bode expiatório”: “Aarão porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode e confessará sobre ele todas as faltas dos filhos de Israel, todos seus crimes todos os seus pecados. E depois de tê-los assim posto sobre a cabeça do bode enviá-lo-á ao deserto, conduzido por um homem preparado para isso e o bode carregará sobre si todas as faltas deles para uma região desolada” (Lv 16,21s).

O servo de Deus é o verdadeiro bode expiatório que tira do mundo o pecado de todos (cf. Jo 1,29), o conjunto de pecado-desgraça que pesa sobre a comunidade. A expressão hebraica het “pecado” designa uma situação de culpa pesada, que é maior do que os atos isolados e leva à morte (cf. Sl 51,7).

Para os primeiros cristãos, este canto foi um texto-chave para a evangelização (cf. At 8,30-35), porque em muitos detalhes se assemelha à paixão, morte e ressurreição de Cristo. Ao que parece, foi o próprio Jesus que combinou os conceitos de Messias (2Sm 7; Sl 2) e de Filho do Homem (Dn 7,13s) com o sofrimento do Servo de Deus (cf. Mc 8,29-31 etc.); não é um messias belo e guerreiro (cf. Sl 45), mas um “homem coberto de dores” (v. 3) que “veio para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10,45) e derramar seu próprio sangue (não o dos outros) “para remissão dos pecados” (Mt 26,28).

 

2ª Leitura: Hb 4,14-16

A carta (na verdade, um sermão) aos Hb começou com um prólogo que mostra o Filho de Deus como Palavra definitiva dele (1,1-2), depois declarou Jesus “sumo sacerdote misericordioso e fiel” (2,17; cf. 3,1). A leitura de domingo passado falou da “Palavra de Deus” (4,12-13) e a de hoje do culto do “sumo sacerdote eminente”.

Temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos. Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado. Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno (vv. 14-16).

Agora o autor de Hb apresenta Jesus como “sumo sacerdote eminente, que entrou no céu” (v. 14), porque quer nós dar esperança: com a vinda de Jesus, a palavra de Deus se revela como amor e não como condenação (cf. v. 13; Jo 3,15-16; 1Jo 4,8.16-18). Em Jesus, a Palavra de Deus tornou-se uma palavra de misericórdia, “capaz de compadecer das nossas fraquezas, por ele mesmo foi provado em tudo como nós com exceção do pecado” (v. 15). O medo do juízo final, o temor do poder daquele que está sentado no trono de onde sai um rio de fogo (cf. Dn 7,9-10; Ap 20,11-15), transforma-se em confiança de conseguir “misericórdia … e auxílio no momento oportuno”.

Depois que Cristo sentou-se no trono de Deus, este não constitui mais para os crentes um lugar do qual seria perigoso se aproximar (cf. Is 6,1-5; Ex 19,21): aliás, tronou-se “trono da graça” (Hb 4,16), pois Cristo é nosso irmão, que conhece por experiência própria a nossa situação de fraqueza e está aí para nos ajudar (A. Vanhoye, p.62).

A Palavra de Deus nos criou e nos julgará, mas nos conhece por dentro e até tornou-se um de nós em Jesus. Não há como e nem precisa disfarçar ou esconder-se. A nossa reação à Palavra de Deus deve ser de “fé” e “confiança”. Não vamo-nos esconder ou fugir, mas “aproximemo-nos então, com toda confiança, do trono da graça”.

 

Evangelho: Mc 10,35-45

No Evangelho de Mc, Jesus anuncia três vezes sua paixão, morte e ressurreição, mas cada vez os discípulos entendem mal e não reagem de maneira adequada (cf. 8,31-38; 9,30-37). No texto de hoje ouvimos a reação de dois apóstolos após o terceiro anúncio (10,32-34, omitido pela nossa liturgia).

Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir.” Ele perguntou: “O que quereis que eu vos faça?” Eles responderam: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!” (vv. 35-37).

Mc escreveu por volta de 70 d.C. no meio da Guerra Judaica em que os judeus lutavam contra os romanos pela sua independência (o resultado foi a destruição de Jerusalém e do templo, cf. Mc 13). Em Mc, Jesus não é o messias guerreiro e triunfante que os judeus esperavam, mas dará sua vida na cruz (para os judeus um escândalo, cf. 1Cor 1,22-24).

Aos três anúncios da paixão, Mc opus a incompreensão dos discípulos. Mt e Lc atenuaram esta incapacidade, porque no tempo deles (80 a 90 d.C.), os apóstolos já eram falecidos e ganharam a veneração de santos. Em Mc 10,35-37, dois apóstolos, Tiago e João, filhos de Zebedeu (1,19), fizeram um pedido direto e ambicioso, de se sentarem a direita e a esquerda de Jesus na sua “glória”. Lc omite esta pretensão, enquanto em Mt 20,20-21 é a mãe destes apóstolos que faz o pedido.

Jesus já tinha mostrado preferência por eles, junto com Pedro (cf. 4,21; 17,1). Pretendem os irmãos superar ou antecipar-se a Pedro, passar de segundos a primeiros (cf. 9,33-35)? Os apóstolos esperam uma manifestação gloriosa e imediata do reino (v. 37), mas esta pertence antes à segunda vinda de Cristo (cf. At 1,6).

Jesus então lhes disse: “Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” Eles responderam: “Podemos.” E ele lhes disse: “Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado. Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado” (vv. 38-40).

Jesus responde constatando a incompreensão dos apóstolos e em seguida com duas perguntas: “Podeis beber o cálice que vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” (v. 38). Como eles responderam “podemos” (v. 39), Jesus declara que vão ter parte do seu cálice e do seu batismo. Mas é preciso esclarecer estas duas coisas:

Beber o cálice de Jesus é não é simplesmente beber uma taça de vinho, mas é o cálice da sua paixão (14,36; cf. 14,23s), a taça amarga que Jesus vai engolir (sofrer) é o acúmulo dos pecados que provocaram a ira do Senhor (cf. Sl 75,9; Is 51,17-23; Jr 25,15-29; 49,12; 51,17; Lm 4,21; Ez 23,32-34; Hb 2,15-16; Ab 16; Zc 12,2).

Estranha-nos que Jesus precisa ser batizado de novo. Já foi batizado por João Batista (1,9s), mas aqui se trata do batismo da sua morte; um significado diferente, não é o batismo de conversão por Joao, mas o batismo cristão, expresso em Rm 6,3: “É na sua morte que fomos batizados”. Para evitar confusão, Mt e Lc omitem esta alusão a um novo batismo de Jesus (cf. Ef 4,5: “Há um só batismo”).

Tiago já sofrerá o martírio no ano 44 (At 12,2). O primeiro mártir cristão foi o diácono Estevão (cf. At 6-7), mas Tiago é o primeiro apóstolo que morre por sua fé em Jesus Cristo. A lenda conta que seus restos mortais foram traslados para Santiago de Compostela na Espanha, até hoje lugar de uma das maiores peregrinações. De João, não sabemos se sofreu o martírio, mas existe também paixão sem chegar ao martírio. Aqui temos outro exemplo de que nem tudo o que se pede é concedido da maneira que pensamos: “Ainda que não saibamos pedir como é devido” (Rm 8,26). Jesus responde: “Não depende de mim conceder o lugar” (v. 40). Ele não foi enviado para distribuir favores, cargos e recompensas aos homens, mas para salvá-los através da sua cruz (cf. Jo 3,17; 12,32.47).

Quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João. Jesus os chamou e disse: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos” (vv. 41-45).

Os outros apóstolos se indignaram (cf. a discussão pelo primeiro lugar em 9,33s, à qual Jesus respondeu também com o serviço, cf. 9,35-37). A todos eles Jesus fala: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam” (v. 42). Ambição e abuso do poder não podem ser modelo para os cristãos. “Mas entre vós não deve ser assim” (v. 43a). Na Igreja haverá autoridade, mais deve ser exercida sem ostentação de poder, mas com espírito de serviço (cf. Jo 13; 1Pd 5,1-4). “Quem quiser ser grande, seja vosso servo e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos“ (vv. 26-27; cf. 9,35; Mt 23,11; Lc 9,48).

Jesus é o exemplo supremo de autoridade e serviço (cf. Lc 22,27 e o gesto do lava-pés em Jo 13): “Porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate para muitos” (v. 28). Os pecados são uma dívida dos homens para com a justiça divina, que resulta na pena de morte exigida pela lei (cf. 1Cor 15,56; 2Cor 3,7.9; Gl 3,13; Rm 8,3s). A fim de libertar os seres humanos, Jesus pagará o “resgate” e quitará a divida com o preço de seu sangue (1Cor 6,20; 7,23; Gl 3,13; 4,5), morrendo “em lugar”, “para” ou “em favor”, do povo culpado, como Is 53 profetizou sobre o Servo de Javé (Is 53,11-12; cf. o “resgate” ou a “libertação” em Rm 3,24; 1Cor 1,30; Ef 1,7.14; 1Tm 2,6; Sl 49,8-10).

A expressão “para muitos” (v. 45; cf. Mt 26,28; Is 53,11-12), opõe o grande número de redimidos ao redentor “único”, sem sugerir que esse número seja limitado (Rm 5,6-21). Por isso, na Eucaristia se pronuncia sobre o cálice, “meu sangue derramado por vós e por todos.” Bento XVI queria que a tradução fosse mais fiel (literal) a Mt 26,28 e Mc 14,24 (“muitos”), mas admite que a intenção de Jesus era morrer “por todos” (cf. Jo 6,51 etc.), mas nem todos os seres humanos aceitam este serviço de resgate que Jesus prestou a humanidade.

O site da CNBB comenta: Todas as pessoas querem, e muito, participar da glória de Deus, mas poucas pessoas querem assumir um compromisso maior com o reino de Deus. O evangelho de hoje nos mostra um pouco isso quando Jesus anuncia o mistério da cruz, mas os discípulos estão mais interessados na sua participação na sua glória. Assim, nos dias de hoje nós vemos muitas pessoas exaltando o amor de Deus, cantando os seus louvores, mas sem o menor compromisso com o serviço ao Reino de Deus, principalmente no que se refere à questão dos pobres, dos sofredores, dos marginalizados e dos excluídos. Todos querem ser os maiores, mas poucos estão dispostos a servir.

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