22 de janeiro de 2018 – Segunda-feira, 3ª semana

Leitura: 2Sm 5,1-7.10

Depois da morte do rei Saul e seu filho Jônatas na batalha contra os filisteus, o caminho para o trono para Davi está perto, apesar da concorrência pelos partidários da família de Saul. As pessoas que estão entre Davi e o trono são eliminadas uma depois da outra, mas Davi é inocentado de todas mortes (caps. 2-4). Davi já havia ganhado a simpatia da sua própria tribo, Judá (1Sm 27,10-12; 30,26-31). Depois da morte do rei Saul, Davi foi ungido rei pelos homens de Judá em Hebron (2,4), mas Isbaal (Isboset), outro filho de Saul, foi constituído rei de Israel (2,9) pelas outras tribos. Em seguida, estourou a primeira guerra entre Israel e Judá. Houve disputas internas pelas quais Isbaal e o Abner, general de Saul, foram assassinados.

Na leitura de hoje, Davi é agora reconhecido pelos israelitas (pelas outras tribos), mas os dois grupos continuam distintos: Davi é rei “sobre todo o Israel e sobre Judá” (v. 5). É uma monarquia dualista, um Reino Unido, agita pelas lutas internas até a cisão depois de Salomão (1Rs 12).

Nos caps. 5-8 se descreve o início do reino de Judá sobre Israel, sonhado pelo rei Josias da casa davídica que reina em Jerusalém séculos depois em 640-609 a.C., mas somente realizado pelos asmoneus (dinastia dos macabeus, 164-63 a.C.). Também nestes caps. podemos encontrar três níveis redacionais: um antigo, outro do período do rei Josias e outro do pós-exílio.

Todas as tribos de Israel vieram encontrar-se com Davi em Hebron e disseram-lhe: “Aqui estamos. Somos teus ossos e tua carne. Tempo atrás, quando Saul era nosso rei, eras tu que dirigias os negócios de Israel. E o Senhor te disse: ‘Tu apascentarás o meu povo Israel e serás o seu chefe’” (vv. 1-2).

Por sete anos e seis meses, Davi reinava somente sobre Judá e residia em Hebron (cf. v. 4; 2,1), lugar significativo onde ficam os túmulos dos patriarcas (cf. Gn 23). Mas os soldados de Davi (Judá) e o exército de Saul (Israel) continuavam em guerra. Mesmo contra a ordem de Davi, o general do exército de Saul, Abner, e outro filho de Saul, Isbaal, foram mortos (cf. caps. 3-4). Restava só Meribaal, o filho aleijado de Jônatas, para seguir ao trono de Saul. Então Davi atrai todas as esperanças. A antiga oposição de Israel a Judá fica coberta por um sentimento mais forte de irmandade e se lembra das qualidades de Davi quando servia no exército de Saul (1Sm 17-18).

“Somos teus ossos e tua carne”, uma fórmula que expressa parentesco (cf. Gn 2,23; 29,14; Jz 9,2; 2Sm 19,13s). Foi o que Abimelec disse aos habitantes de Siquém para apoiarem sua candidatura real (Jz 9,2), agora as tribos o confessam a Davi. Este não é um estrangeiro imposto, e poderá livrar os seus do poder estrangeiro.

Um oráculo de Javé Deus confirma a esperança de anos melhores: “Tu apascentarás o meu povo Israel e serás o seu chefe.” Este oráculo usa a tradicional imagem do chefe-pastor, que no caso de Davi adquire ressonâncias particulares (cf. 7,7; Jr 23,1-4; Ez 34; Sl 78,70-72). No NT, Mt 2,6 combina este oráculo com a profecia de Mq 5,1.

A Bíblia do Peregrino (p. 558) comenta: Como vemos nas leituras precedentes, Davi começou destacando-se por suas qualidades numa série de circunstâncias militares, externa e internamente; os acontecimentos mostrarão um dia que Davi é o homem de quem se precisa. Esse modo de descobrir, reconhecer, designar, é uma eleição de Deus. Os oráculos não são operações milagrosas. É curioso que esses oráculos sejam recordados mais tarde, à luz dos acontecimentos: 3,10 (Abner), 3,18 (Abner), 5,2.

Vieram, pois, todos os anciãos de Israel até ao rei em Hebron. O rei Davi fez com eles uma aliança em Hebron, na presença do Senhor, e eles o ungiram rei de Israel (v. 3).

O v. 1 fala de “todas as tribos de Israel” (cf. 1Sm 2,28; 9,21; 10,19s; 15,17; 2Sm 15,2.10; 19,10; 20,14; 24,2). O v. 3 só fala de “todos os anciãos de Israel” que ungem o eleito. Essa tradição (cf. 2,4) ignora a unção de Davi por Samuel (1Sm 16,1-13), quando ainda era jovem. Os vv. 1-2 são obras de um redator que aparentemente quis fazer prevalecer a escolha do rei sobre a investidura popular do qual v. 3 conserva a memória.

Esta unção é um marco referencial para a dinastia davídica (cf. 1Sm 16; 1Cr 11,1-3). Davi se torna rei dos israelitas em virtude de uma aliança que ele próprio lhes concede (cf. a negociação em 3,12-21). A Bíblia do Peregrino (p. 558) comenta: O pacto entre rei e povo tem algo de constituição: implica juramento de lealdade mútua e contém normalmente uma série de cláusulas. Os anciãos, como responsáveis de todo o povo, agem como intermediários na unção.

Entre Judá e Israel existirá uma união pessoal, frágil em caso de crise. A Nova Bíblia Pastoral (p. 341s) comenta: As revoltas constantes, como a de Absalão (15,1-18,18), de Seba (20,1-22) e de Jeroboão (1Rs 12) são provas que nunca foi unânime a submissão do norte a Jerusalém. Tudo não passa de um sonho dos reis de Judá, como Josias (640-609 a.C.), para legitimar seu projeto expansionista.

Davi tinha trinta anos quando começou a reinar, e reinou quarenta anos: sete anos e seis meses sobre Judá, em Hebron, e trinta e três anos em Jerusalém, sobre todo o Israel e Judá (vv. 4-5).

Conclui-se a história da ascensão de Davi com os dados históricos sobre seu reinado (aproximadamente de 1010 a 970 a.C.) e a tomada da Jerusalém (cerca de 1000 a.C.), futura capital cuja conquista é relatada em seguida (vv. 6-15). O autor tem muito interesse em juntar a eleição de Davi rei e a de Jerusalém capital.

Davi marchou então com seus homens para Jerusalém, contra os jebuseus que habitavam aquela terra (v. 6a).

Saul tinha ficado na sua aldeia Gibeia (ou Gabaá, Alto de Benjamim), como os juízes tribais, para daí governar. Este lugar não reunia condições estratégicas nem tinha prestígio especial, além de estar muito ligada à tribo de Benjamim. Davi residiu em Hebron, lugar excelente para um rei de Judá, cidade bastante central desta tribo e aureolada com a recordação de Abraão (os túmulos dos patriarcas estão lá até hoje). Mas Hebron fica muito no sul, não bastava para unificar e governar Israel todo.

Davi decide inaugurar uma nova capital: uma cidade sem vínculos tribais, conquista sua pessoal, bem situada e de grande valor estratégico. Mas precisa ser conquistada ainda, porque era ainda uma cidade cananeia povoado pelos jebuseus (cf. Ex 3,8.17; Dt 7,1; Js 15,63; Jz 1,12).

A Bíblia do Peregrino (p. 559) comenta: A decisão de Davi é um ato de audácia e de clarividência. De audácia, porque é dificílimo conquistá-la, e um ataque fracassado poderia desprestigiar o novo rei. Clarividência, como mostra a história sucessível até hoje: Jerusalém adquire para Israel, e mais tarde para os judeus, um valor espiritual que supera amplamente seu valor geográfico, estratégico e urbanístico. Jerusalém será o segundo pólo da escatologia.

Estes disseram a Davi: “Não entrarás aqui, pois serás repelido por cegos e coxos”. Com isso queriam dizer que Davi não conseguiria entrar lá (v. 6b).

Mesmo reunindo os dados de Samuel com os de Crônicas, não se chegou a uma explicação satisfatória deste texto sobre a conquista de Jerusalém (sem derramamento de sangue?), provavelmente utilizando o canal de água (v. 8; cf. Jz 1,24s; 1Cr 11,6). A menção ao templo no qual cegos e coxos não podiam entrar (v. 8, omitido pela nossa liturgia; cf. Lv 21,17-21; Dt 23,2), mostra que a redação é bem posterior ao fato.

A Bíblia do Peregrino (p. 559) comenta: Uma das hipóteses mais atraentes vê as coisas assim: Davi cerca a cidade, os defensores zombam dos atacantes, “cegos e coxos bastam para rechaçar-vos” (tão segura é a cidadela, pensam eles, que bastam alguns aleijados defende-la). Davi, talvez depois de ataques infrutíferos e de longo assédio, promete algum privilégio a quem penetrar na cidade; então alguns soldados conseguem infiltrar-se e subir pelo túnel de acesso ao manancial, e de dentro facilitam a entrada dos outros.

Davi, porém, tomou a fortaleza de Sião, que é a cidade de Davi. Davi ia crescendo em poder, e o Senhor, Deus Todo-poderoso, estava com ele (vv. 7.10).

A Bíblia do Peregrino (p. 559) comenta: A conquista de Jerusalém e seu estabelecimento como capital do reino tiveram lugar certamente depois da vitória definitiva sobre os filisteus; provavelmente depois de outras campanhas externas. O autor tem muito interesse teológico em juntar a eleição de Davi rei e a de Jerusalém capital. Doravante vão formar uma forte unidade, como nova eleição do Senhor e ponto de partida de uma nova etapa histórica. Nesse sentido é justo pôr os dois fatos juntos no inicio da narração. A intenção teológica impera sobre a cronologia.

O nome de “cidade de Davi” dado pelo rei a fortaleza (v. 9) manifesta sua intenção de fazer dela sua capital. Este nome se refere apenas a parte sudeste e mais antiga da cidade. No NT, Lc 2,4.11 chama Belém a cidade de Davi, porque Davi nasceu lá (cf. 1Sm 16,1-13; 17,58).

Davi consegue a integração local (incluindo os habitantes jebuseus), nacional (Judá e Israel), e religiosa: o sacerdócio já existente em Jerusalém com Sadoc (2Sm 8,17; 20,25; 1Rs 2,35; cf. os saduceus no NT) e o nome de “Deus Altíssimo” de Salém serão incluído no culto do único Deus de Israel, Javé. O episódio de Gn 14,17-20 antecipa o presente fato: aí o patriarca de Hebron, Abraão, rende homenagem (dízimo) a Melquisedec, o rei-sacerdote de (Jeru-) Salém.

 

“O Senhor, Deus Todo-poderoso, estava com ele” (v. 10). O “Senhor Todo-poderoso” traduz aqui o hebraico Yhwh (Javé) Sebaot, lit. o “Senhor dos Exércitos”, quer se tratem dos exércitos de Israel ou dos exércitos celestes, astros, anjos, ou de todas as forças cósmicas (cf. Gn 2,1). O título aparece pela primeira vez em 1Sm 1,3.11; 4,4 e está ligada ao culto da arca da aliança em Silo; Esse título permanece ligado ao ritual da Arca e entra com ela em Jerusalém (no tempo de Davi: 2Sm 6,2.18; 7,8.27; cf. leitura da amanhã).

A arqueologia mostra que, no tempo de Davi, Jerusalém era ainda cidade insignificante, com pouco mais de 1000 habitantes. Ela só ganhou importância depois da queda do reino do norte com sua capital Samaria (722 a.C.) e, pela migração dos refugiados, cresceu durante os reinados de Ezequias (talvez 60.000 habitantes). O nome mais antigo da cidade em textos egípcios era Uru-salim(um) e significa cidade do deus Salim, mas foi transformado pela língua hebraica em “cidade da paz” (Yeru-Shalom; cf. Jr 4,10; Ez 13,16; Hb 7,2).

A Bíblia de Jerusalém (p. 473) comenta sobre a história de Jerusalém:

A situação de Jerusalém entre as tribos do Sul e as do Norte explica a escolha de Davi. O nome da cidade é atestado desde o ano 2000 a.C. A antiga cidade dos jebuseus (Dt 7,1) ocupava a colina de Ofel ou “monte Sião”, entre os vales do Cedron e do Tiropeon (ver o mapa); era dominada ao norte pelo cume onde Davi erguerá um altar (2Sm 24,16s) e Salomão o Templo (1 Rs 6); os palácios de Salomão serão construídos ao sul do santuário (1Rs 7). A cidade se estenderá sobre a grande colina ocidental só muito mais tarde, e duas vezes sua muralha setentrional precisará ser transferida mais para o norte (2Rs 14,13). O sistema de águas (v. 8) foi aperfeiçoado, principalmente por Ezequias (2Rs 20,20). Nabucodonosor destruiu a cidade em 587 (2Rs 25), mas o Templo foi reerguido a partir de 515 (Esd 6,15) e as muralhas em 445 (Ne 2-6). Antíoco Epífanes mandou construir a Acra (cidadela) diante do templo (1Mc 1,33), e os asmoneus transformaram essa cidadela em palácio, no lugar do qual Herodes construirá uma residência oficial mais a oeste. Herodes transformou a antiga cidadela do Templo (Ne 7,2) numa vasta fortaleza, a Antônia, e reconstruiu o Templo (Jo 2,20). Enfim a cidade foi destruída em 70 d. C. pelo general romano Tito (cf. Lc 21,20). – Mencionada pela primeira vez na Bíblia com seu sacerdote-rei Melquisedec (Gn 14,18; Sl 76,3), tornando-se sob Davi a capital política e religiosa de Israel, Jerusalém (ou Sião) virá a personificar o povo eleito (Ez 23, Is 62). É a morada de Iahweh (Sl 76,3) e de seu Ungido (Sl 2 e 110), o encontro futuro das nações (Is 2,1-5; 60). É com uma visão da nova Jerusalém (Is 54,11) que a Bíblia termina (Ap 21s).            

 

Evangelho: Mc 3,22-30

Neste evangelho ouvimos de mais uma controvérsia de Jesus com os mestres da Lei. Os familiares de Jesus achavam que ele “está fora de si” (v. 21), os peritos de Jerusalém chegam a uma conclusão pior.

Os mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Beelzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios (v. 22).

Jesus já foi sentenciado pelos fariseus e herodianos na Galileia (3,6), mas agora vêm peritos, “mestres da lei”, da capital de Jerusalém em missão oficial (v. 22; cf. os enviados do templo para interrogar o Batista em Jo 1,19). Parece que trazem a sentença já confeccionada. A quem liberta os possessos declaram o primeiro possesso, aliado camuflado do chefe dos demônios. “Belzebu” é um dos nomes tradicionais do diabo (tomado do deus da cidade filisteia de Acaron, cf. 2Rs 1,2-16 onde o nome Beel-Zebul, “senhor príncipe”, é transformado maliciosamente em Baal Zebub, “senhor das moscas”). A acusação dos mestres da lei é gravíssima e visa desacreditar pela base toda atividade de Jesus, declarando-o agente do rival (satanás) de Deus. É uma acusação absurda em simples lógica e se voltará contra os que a pronunciam.

Então Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas: “Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído. Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa (vv. 23-27).

Jesus responde com dupla comparação (“em parábolas” v. 23): a unidade de um reino e de uma casa/família. Satanás tem seus agentes, seus instrumentos, sua morada e seguidores; insinua-se sua oposição ao reino de Deus (cf. 1,12-15) e a casa/família de Deus (cf. vv. 31-35). Não é que uma facção do reino de Satanás esteja lutando contra outra; o ataque vem de fora, de um mais “forte” que ele, que o amarrará e saqueará sua casa (Jesus já enfrentou Satanás com sucesso no deserto, cf. 1,12s). Quando Satanás for amarrado, também o domínio da morte o será (cf. Lc 10,18; Hb 2,14; Ap 20,1.10).

Na Igreja Ortodoxa venera-se o ícone da ressurreição (anástasis) que mostra a descida de Jesus entre os mortos: Ele liberta Adão e Eva (representantes da humanidade) dos seus túmulos, e Satanás fica amarrado sob a porta arrombada da mansão dos mortos.

Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno.” Jesus falou isso, porque diziam: “Ele está possuído por um espírito mau” (vv. 28-30).

Atribuir a Satanás o que é ação de Deus é “blasfemar contra o Espírito Santo” (v. 29), trocar completamente o bem pelo mal. No AT, blasfêmia contra Deus era considerada delito gravíssimo com pena de lapidação (cf. Ex 22,27; Lv 24,11-16; Eclo 23,12; cf. Mc 2,7). Quem se obstina diante dos sinais evidentes, fecha-se à ação de Deus, também ao perdão de Jesus pelo qual venceria Satanás. Quem recusa o perdão, não pode recebê-lo (cf. Jo 20,22s), corta o galho em que está apoiado, “nunca será perdoado” (v. 29).

O site da CNBB resume: A inveja nos faz capazes de encontrar os motivos mais terríveis para condenar alguém que pratica o bem. Com Jesus não foi diferente. Os mestres da Lei viam tudo o que Jesus fazia e não podiam negar os fatos, mas quando deveriam aderir à proposta de Jesus, a inveja tomou conta dos seus corações. Como o poder de Jesus não podia ser contestado, resolveram contestar a origem de tal poder, afirmando que este não era a manifestação de uma realidade divina, e sim diabólica, atribuindo a Jesus o que de fato era a origem dos seus próprios pensamentos, uma vez que negavam como divina a ação do próprio Espírito Santo, e isso sim, é algo diabólico.

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