22 de maio de 2017 – Segunda-feira, Páscoa 6ª semana

Leitura: At 16,11-15

Ouvimos hoje da chegada do evangelho à Europa na segunda viagem missionária de Paulo com Timoteu e Silas. “Vem à Macedônia e ajuda-nos” (v. 9) foi o pedido de um macedônio numa visão noturna ao apóstolo. Hoje ouvimos da chegada dos missionários em Filipos, cidade do primeiro distrito da Província da Macedônia.

Embarcamos em Trôade e navegamos diretamente para a ilha de Samotrácia. No dia seguinte, ancoramos em Neápolis, de onde passamos para Filipos, que é uma das principais cidades da Macedônia, e que tem direitos de colônia romana. Passamos alguns dias nessa cidade (vv. 11-12).

Os missionários deixam Trôade na atual Turquia (lugar da antiga guerra de Troia, cf. comentário de ontem). Por mar e terra o apóstolo e seus novos companheiros chegam a Filipos. A cidade recebeu o nome de Filipe, rei macedônio e pai de Alexandre Magno. Foi transformada em colônia romana em 31 a.C. e era uma cidade essencialmente latina. Sua administração copiava a de Roma. Paulo e Silas já tinham a cidadania romana (cf. v. 37s; 22,25-29).

Como “colônia romana”, Filipos gozava de privilégios. Mas seu privilégio maior agora é ser a primeira cidade européia a receber os mensageiros do evangelho. Como o relato na primeira pessoa plural (“nós”) começou em v. 10, pode ser que nosso informante seja Timóteo. Uns exegetas supõem que a autoria da obra de Lc (o evangelho e os Atos) ocorreu em Filipos (cf. o reinício do relato de “nós” em 20,5s no mesmo lugar).

No sábado, saímos além da porta da cidade para um lugar junto ao rio, onde nos parecia haver oração. Sentados, começamos a falar com as mulheres que estavam aí reunidas (v. 13).

Conforme seu costume, Paulo costuma procurar primeiro uma sinagoga dos judeus para anunciá-los a boa nova (evangelho) do messias (Cristo), antes de se dirigir aos pagãos. Em Filipos, os judeus não tinham sinagoga; por isso foi provável que fizessem suas reuniões de sábado perto do rio (para as abluções dos ritos de pureza).

A palavra grega que traduzida aqui por “oração” pode designar também um lugar de oração, seja uma sinagoga, seja um lugar ao ar livre. O fato de ser sábado faz pensar num rito judaico; mas o fato de se reunirem somente mulheres depõe contra isso. Eram pagãs simpatizantes do judaísmo? O clima de oração partilhada favorece a comunicação da mensagem. A ressurreição de Cristo foi comunicado também primeiramente às mulheres (Lc 24,1-11p).

Uma delas chamava-se Lídia; era comerciante de púrpura, da cidade de Tiatira. Lídia acreditava em Deus e escutava com atenção. O Senhor abriu o seu coração para que aceitasse as palavras de Paulo (v. 14).

Em vez de falar da reação do conjunto, o narrador se fixa em uma, Lídia, que se torna a primeira mulher cristã na Europa. Era originária de Tiatira (atual Akhisar), cidade da Lídia (Ásia Menor, oeste da atual Turquia) e se dedicava ao lucrativo comércio de luxuosos tecidos tingidos em púrpura. Ela “acreditava em Deus”, não nos diversos deuses greco-romanos, portanto era adepta da religião judaica. “Escutava com atenção” e “o Senhor” (Deus, Jesus) a abriu por dentro (o coração) para que aceitasse e se entreguasse às palavras do apóstolo.

Após ter sido batizada, assim como toda a sua família, ela convidou-nos: “Se vós me considerais uma fiel do Senhor, permanecei em minha casa.” E forçou-nos a aceitar (v. 15).

A conversão de Lídia acarreta a de toda a sua família (lit. toda a sua casa, cf. vv. 31-34). A conversaõ e o batismo com “toda a sua casa” (incluindo também servos e empregados) era normal naquela sociedade (10,24.44-48; 16,33; 18,8; 1Cor 1,16), mas não era normal que a mulher fosse a chefe da casa (cf. Sl 113,9). Os missionários aceitam a hospitalidade generosa oferecida, seguindo o conselho de Jesus (Lc 10,3-10) e o exemplo do profeta (2Rs 4). Mas era contra a linha de conduta ordinária de Paulo que fazia questão de não viver às custas da comunidade (cf. 20,33-35; 1Ts 3,8; 1Cor 9). Também mais tarde os filipenses fá-lo-ão aceitar auxílios que jamais teria recebido de outras comunidades (cf. Fl 4,10-18). É o melhor reconhecimento à caridade de Lídia e dos outros cristãos de Filipos que se torna a comunidade preferida de Paulo.

O batismo com “toda a sua casa” já lembra o costume das igrejas católica, ortodoxa, luterana e anglicana de batizar crianças. Os judeus circuncidavam os seus meninos no oitavo dias para fazer parte da aliança (Gn 17,11s; Lc 2,21), mas o Concílio de Jerusalém (At 15) decretou o batismo ser suficiente (sem a necessidade da circuncisão) para fazer parte da nova aliança, do novo povo de Deus, da Igreja (cf. Cl 2,11-13). Será acaso que o batismo “com todos da sua casa” aparecesse justamente neste capítulo (e cinco vezes nos vv. 15.32-34), logo após o Concílio?

Não temos um texto bíblico que menciona explicitamente o batismo de crianças (apenas das famílias inteiras), mas vários que o justificam (alem dos já citados cf. Mt 28,16-20; Mc 10,13-16; Jo 3,5). Os primeiros documentos explícitos sobre este costume são do séc. II (Tertuliano, Orígenes). Os primeiros reformadores (Lutero, Zuingli, Calvino) não o questionaram, mas o movimento anabatista e as igrejas protestantes mais recentes negam sua legitimidade alegando a necessidade da conversão e fé explicita para o batismo (só a partir dos 12 anos). As igrejas que batizam criançãs, porém, exigem isso na “confirmação” (catolica: crisma) do batismo.

Evangelho: Jo 15,26-16,4a

No seu discurso de despedida na última ceia (na parte escrita pela redação final: caps. 15-17; 21), Jesus falou também sobre aspectos negativos da vida cristã no futuro, o ódio do mundo e as perseguições que seus discípulos deveriam enfrentar (cf. 15,18-21 no evangelho de ontem, e os vv. 22-25 omitidos pela liturgia).

Quando vier o Defensor que eu vos mandarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim. E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o começo (15,26-27).

O Espírito (paráclito, “defensor”, cf. 14,16s.26; 16,7-15) é o grande acompanhante do futuro depois da partida de Jesus. Por isso, sua menção não interrompe o curso do pensamento anterior, mas antecipa a seção de 16,6-15 (esses vv. poderiam ser colocados depois de 16,5 ou 16,41).

O Pai é a fonte do Espírito, o Filho o envia (14,16.26; 16,7; 19,30; 20,22). O objeto do testemunho é a pessoa de Jesus e sua obra. O “Espírito da Verdade” testemunha a verdade de Jesus, como Jesus testemunha a verdade do Pai (14,6; 18,37). Conforme o costume bíblico, às vezes se traduz verdade também por “fidelidade” (cf. 1,17: “graça e verdade”, ou: “amor e fidelidade”).

Como a verdade de Cristo é também amor (13,34s; 15,9-13; 1Jo 4,8.16), o Espírito só pode estar onde se pratica (“testemunha”) o amor. O Espírito atesta por si, e por meio dos discípulos inspirando-os (cf. Mt 10,20). Os discípulos que “estão comigo desde o começo” (cf. 1Jo 1,1-3) hão de ser testemunhas históricas (Is 8,16-18), porque acompanharam Jesus em seu ministério, devem ser testemunhas inspiradas da sua missão transcendente (cf. o interesse da redação no testemunho do discípulo amado em 19,35; 21,24). Do testemunho falarão explicita ou implicitamente os Atos (1,8; 5,32).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2024) comenta: Depois da partida de Cristo, é o Espírito que o substitui junto dos fiéis (14,16.17; 16,7; cf. 1,33). Ele é o “defensor“ (em grego paráclito), advogado que intercede junto do Pai (cf. 1Jo 2,1), ou que pleita diante dos tribunais humanos (15,26.27; cf. Lc 12,11-12; Mt 10,19-20p; At 5,32); ele é o Espírito de verdade (cf. 8,32), que conduz à plenitude da verdade (16,13), fazendo compreender a personalidade misteriosa de Cristo: como Cristo cumpriu as Escrituras (5,39), qual o sentido de suas palavras (2,19), de seus atos, de seus “sinais” (14,16; 16,13; 1Jo 2,20s. 27; Rm 8,16), tudo que os discípulos não haviam compreendido antes (2,22; 12,16; 13,7; 20,9). Assim, o Espírito dará testemunho de Cristo (15,26; 1Jo 5,6-7) e confundirá a incredulidade do mundo (16,8-11; cf. Lc 24,49; Rm 5,5).

O Credo professado nos Concílios de Niceia (325) e Constantinopla (381) afirma-se no texto grego que o Espírito “procede do Pai” (v. 26), mas a Igreja latina (Roma) acrescentou “e do Filho” (filióque). É uma diferença de doutrina (para os ortodoxos apenas “procede do Pai”), mas a separação da Igreja Ortodoxa e da Igreja Católica aconteceu em 1054 mais por motivos políticos (um imperador em Constantinopla ou outro no Ocidente) e culturais (grega ou latina) do que doutrinais. A Bíblia de Jerusalém (p. 2028) diz sobre o v. 26: Trata-se da “missão” do Espírito ao mundo, não da “processão” do Pai, no seio da Trindade.

Eu vos disse estas coisas para que a vossa fé não seja abalada. Expulsar-vos-ão das sinagogas, e virá a hora em que aquele que vos matar julgará estar prestando culto a Deus.  Agirão assim, porque não conheceram o Pai, nem a mim. Eu vos digo isto, para que vos lembreis de que eu o disse, quando chegar a hora (16,1-4a).

“Eu vos disse estas coisas”; estas coisas referem-se ao conjunto do discurso de despedida que quer prevenir os discípulos para o futuro com coisas negativas como traição, perseguição e condenação que não devem desconcertar, pois Jesus as anuncia de antemão (cf. 13,19; 14,29; 16,4). Ao cumprir-se o anunciado, seja motivo de fé e perseverança: “Lembreis de que eu o disse, quando chegar a hora”.

“Para que a vossa fé não seja abalada”; abalar no sentido literal da palavra: pedra que faz tropeçar (Mt 16,22s).

“Lembreis de que eu o disse, quando chegar a hora”. Em Jo, a expressão “chegar a hora” foi até agora relacionada com o sofrimento de Jesus, que é ao mesmo tempo sua glorificação (cf. 2,4; 7,30; 8,20; 12,23.27; 13,1; 16,32; 17,1). Aqui se refere à perseguição dos discípulos (cf. vv. 21.25.32).

Volta-se ao tema da perseguição por causa de Jesus. Duas perspectivas sobrepõem-se: a próxima, da paixão e morte de Jesus; a futura, da difusão do evangelho pela Igreja. À segunda se refere o “expulsar da sinagoga” (9,22; 12,42), que era um fato consumado quando se escreveu este evangelho. Quanto a “matar”, é possível que o autor esteja pensando em Estêvão e Tiago (At 7,54-60; 12,2).

É terrível a frase “aquele que vos matar julgará estar prestando culto a Deus”, apresentando a perseguição como uma espécie de homicídio ritual, como “obra agradável a Deus”. Podemos pensar em textos polêmicos, p. ex. Sl 149,9: “executar a sentença prescrita é uma honra”, ou o zelo fanático de Fineas (Nm 25), Elias (1Rs 18,40) ou dos Macabeus contra seus compatriotas (“circuncidaram à força”, 1Mc 2,46) e de outras práticas da história religiosa que não escutaram ou não compreenderam essa denúncia de Jesus (p. ex. as conversões à força, cruzadas, inquisição, etc.). Atualmente, os ataques terroristas islâmicos tem esta ideologia: quando matam pessoas (e a si mesmo) gritam: “Aláhu akhbar” (Deus é grande).

Para não abalar sua fé, os discípulos têm que saber que os perseguidores não fazem a vontade de Deus “porque não conheceram o Pai, nem a mim.”

O site da CNBB comenta: Estamos na penúltima semana do tempo da Páscoa e a Igreja vem, através da liturgia da palavra da sexta semana do tempo pascal, nos preparar para as festas que se aproximam, ou seja, a festa da Ascensão de Jesus, que iremos celebrar no próximo domingo, e a festa de Pentecostes, que iremos celebrar no domingo seguinte. Por isso, vemos no Evangelho de hoje Jesus prometendo o Espírito Santo a seus discípulos e, ao mesmo tempo, falando a eles como será a vida sem a sua presença, ou seja, o testemunho que deverão dar do Evangelho e a conseqüente perseguição que virá com este testemunho. Mas as suas palavras são antes de tudo um estímulo para que os apóstolos sejam fiéis nos momentos difíceis.

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