23 de Outubro de 2018, Terça: Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir em, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater (v. 36)

Leitura: Ef 2,12-22

A leitura de hoje continua comparando o antes e o depois, o modo de viver sem Cristo e o modo cristão de viver. Se antes os povos das nações viviam distantes, agora são aproximados pelo sangue de Cristo. A Igreja não é mais exclusivamente o povo de Israel, mas forma agora um só povo que reúne gentios (pagãos) e judeus (Cl 1,21s).

No início do cap. 2, a carta distinguiu entre vós e nós: “vós”, os cristãos na região de Éfeso (na atual Turquia) de cultura grega que antes eram pagãos; “nós”, os judeus, povo eleito ao qual Paulo pertenceu (em cujo nome esta carta foi escrita por volta de 80 d.C.). Se antes vós e nós éramos iguais no pecado (cf. vv. 1-3; leitura de ontem), agora o somos na salvação e podemos formar uma unidade: pela proximidade, a paz, a reconciliação, a comum cidadania e família, numa estrutura única.

Naquele tempo, éreis sem Messias, privados de cidadania em Israel, estranhos às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. Mas agora, em Jesus Cristo, vós que outrora estáveis longe, vos tornastes próximos, pelo sangue de Cristo (vv. 12-13).

“Naquele tempo… mas agora”, o antes e agora dos pagãos convertidos: antes estavam privados dos privilégios do povo escolhido (cf. Rm 9,4s), “sem Messias” isto é, sem a esperança messiânica, antes reservada a Israel (1,12) e viviam “sem Deus no mundo”, porque seus deuses eram falsos (Dt 32,21 e a pregação do Isaías no exílio). Aos olhos dos judeus, os gentios (pagãos) eram “ateus” porque, não obstante todos os seus deuses, não conheciam o Deus vivo e verdadeiro (1Ts 1,9; 1Cor 8,5s).

Os cristãos, por sua vez, passam aos olhos dos pagãos (romanos, gregos etc.) por gente “sem deus” porque (ainda) não tinham nem templos nem imagens sagradas nos primeiros séculos. Quando se recusavam a adorar o imperador romano, os cristãos foram perseguidos e condenados por ser ateus. Pelos europeus, os índios no Brasil também eram vistos como ateus, sem deuses e sem religião, porque não tinham templos nem imagens.

“Vós éreis chamados incircuncisos” (v. 11, omitido por nossa liturgia); a circuncisão é o sinal corporal de pertencer ao povo eleito; “incircuncisos” era insulto em Israel (1Sm 14,6; 17,36; 31,4; Rm 9,4).

A expressão estranha “alianças da promessa” talvez tente sintetizar a “promessa” (coletivo) patriarcal e as alianças com o povo e com a casa de Davi (cf. Is 55,3). A promessa feita a Abraão (Gn 12,2s; 13,14-17; 15,5; 17,4-8.19; 18,18 etc.), sobre a qual repousava a esperança de Israel, foi atestada em alianças sucessivas (Lv 26,42.45; Eclo 44-45; Sb 18,22; 2Mc 8,15; Rm 9,4). Pela fé cristã (e o batismo no lugar da circuncisão), os gentios tornam-se herdeiros da promessa também (1,13s; cf. Gl 3,6-9.25-29; 4,4-7).

“Próximo (perto) e longe”, começo da citação de Is 57,19 (cf. v. 17; At 2,39); “pelo sangue” da aliança (Ex 24,6; cf. Mt 26,28p) ou da libertação de presos (Zc 9,11). Foi a cruz de Jesus que operou essa aproximação: primeiro, dos gentios e dos judeus (vv. 14-15) e, depois, de todos com o Pai (vv. 16-18).

Ele, de fato, é a nossa paz: do que era dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne ele destruiu o muro de separação: a inimizade. Ele aboliu a Lei com seus mandamentos e decretos. Ele quis, assim, a partir do judeu e do pagão, criar em si um só homem novo, estabelecendo a paz (vv. 14-15).

A “paz” é a plenitude da salvação messiânica (cf. Is 9,5-6; Mq 5,4; 1Rs 5,26), concretiza-se na fundação da Igreja e, reciprocamente, a paz selada no povo de Deus tem uma repercussão cósmica (cf. 1,22s; Cl 1,18-20; Lc 2,14). “Do que era dividido, ele fez uma unidade”, lit. das duas coisas ele fez uma só coisa. Havia um muro na área do templo de Jerusalém que interditava aos pagãos, sob pena de morte, o acesso ao santuário (cf. At 21,28s); a cidade e o templo, porém, foram destruídos pelos romanos na guerra em 70 d.C (cf. Mc 13,2; Mt 22,7; Lc 19,43s; 21,26; 23,28-31). Se a carta aos Ef foi escrita por um discípulo de Paulo por volta de 80 d.C. (mesma época dos evangelistas), de fato, nem este muro e nem o templo existiram mais e o templo novo é o Corpo de Cristo (cf. Mc 14,58p; Jo 2,19-22; 4,21-24; 19,34).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 14228) comenta: Cristo rompeu o muro de separação (v. 14), provável alusão à barreira que separava os gentios dos judeus no Templo de Jerusalém. O foco se volta aqui para comunidades cristãs independentes da sinagoga, e supõe historicamente a ruptura com a tradição de Israel. A igreja é a nova construção, baseada no fundamento dos apóstolos e profetas, tendo Cristo como pedra angular (v. 20; Rm 15,20).

A Bíblia do Peregrino (p. 2807) comenta: Destrói a barreira interior, que é a hostilidade (cf. Ez 25,15) e a barreira exterior, que é a lei. Talvez se imagine a barreira do templo que obstrua assim o acesso aos pagãos (sob pena de morte). A barreira já não é necessária (cf. Sl 80,15; 89,41; Is 60,10.18). A criação do homem novo pode corresponder à nova criação (de Is 65,17 e 66,22; 2Cor 5,17).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2268) comenta a “inimizade” (ódio) e o “muro de separação”: lit. o tabique da cerca (= o tabique, que é a cerca). Esta separação foi identificada:  1) com a lei, evocada no v. 15, que separava puros e impuros por suas observâncias rituais; a imagem do muro pode ter sido sugerida pela barreira que interditava aos pagãos, sob pena de morta, o acesso ao santuário de Jerusalém; 2) com o muro celeste que estabelecia uma separação intransponível entre o mundo terrestre e o mundo celeste, segundo certas concepções esotéricas.

De qualquer forma, a construção deste trecho permanece difícil. Alguns supõem que a expressão “o ódio” constitui uma interpretação posteriormente acrescentada ao texto primitivo para indicar o sentido de mudo de separação.  

“Aboliu a Lei com seus mandamentos e decretos” (lit. a lei dos mandamentos em preceitos). A lei e as suas prescrições rituais isolavam o povo de Israel num particularismo intransigente. Aqui, é considera como fonte de ódio recíproco, porque a Lei mosaica, que fazia dos judeus um povo privilegiado, os separava dos gentios. Jesus aboliu essa Lei, cumprindo-a uma vez por todas por sua cruz (Cl 2,14).

Ef identifica aqui “um só homem novo” com o corpo do Cristo (cf. v. 16); nele estão reunidos, sem distinção, judeus e pagãos para viveram juntos de uma só vida nova. A Bíblia de Jerusalém (p. 2199) comenta: Esse “homem novo” é protótipo da nova humanidade que Deus recriou (cf. 2Cor 5,17) na pessoa do Cristo ressuscitado, como num “segundo Adão” (1Cor 15,45; Rm 5,12-20; cf. Jo 19,5.34; 20,15), depois de nele ter aniquilado, sobre a cruz, a raça do primeiro Adão, corrompida pelo pecado (cf. Rm 5,12s; 8,3; 1Cor 15,21). Criado “na justiça e santidade de verdade” (4,24), ele é “único [um só]”, pois nele desaparecem todas as divisões entre os homens (Cl 3,10s; Gl 3,27s).

Quis reconciliá-los com Deus, ambos em um só corpo, por meio da cruz; assim ele destruiu em si mesmo a inimizade (v. 16).

Como novo Sansão (cf. Jz 16,22-31), Cristo morre matando: por amor a todos sem distinção destruiu “em si” (lit. nela, na cruz; ou nele, no Cristo) a inimizade. Alguns pensam no corpo do Crucificado; outros na Igreja (1,23). Essas duas interpretações não devem ser opostas. Esse Corpo único é primeiro o corpo individual e físico de Cristo, sacrificado sobre a cruz (Cl 1,22), mas também o seu corpo “místico” no qual se reúnem todos os membros enfim reconciliados (cf. 1Cor 12,12).

Ele veio anunciar a paz a vós que estáveis longe, e a paz aos que estavam próximos (v. 17).

Esta citação explícita a Is 57,19 remete ao conjunto dos caps. 56 e 57 do profeta. Este anuncia o dia em que os filhos do estrangeiro virão juntar-se a Israel para servir ao Senhor no Templo, ao qual terão acesso com título igual ao dos judeus. Aqui, o texto é aplicado à pregação apostólica que, aliás, é inseparável da pregação do próprio Jesus (cf. já vv. 13 e 14).

É graças a ele que uns e outros, em um só Espírito, temos acesso junto ao Pai (v. 18).

O acesso ao templo era rigorosamente regulamentado e vigiado (cf. At 21,28s; cf. a liturgia de entrada em Sl 15; 24). Agora, em lugar de templo temos o Espírito (cf. Jo 4,23) e nele todos têm acesso ao Pai. O v. contém uma referência trinitária. A reconciliação dá aos crentes acesso ao Pai e por isso mesmo os une entre si. Em Rm, este acesso ao Pai é a consequência decisiva da justificação (Rm 5,2). O tema reaparece em Ef 3,12 (na leitura de amanhã; cf. Hb 4,16; 10,19; 1Pd 3,18).

Já não sois mais estrangeiros nem migrantes, mas concidadãos dos santos. Sois da família de Deus (v. 19).

Aos membros da comunidade de Éfeso, uma cidade grega na atual Turquia, afirma-se que não sois mais estrangeiros nem migrantes no povo de Deus, mas “concidadãos dos santos”. Os “migrantes”, ao contrário dos estrangeiros de passagem, eram reconhecidos pela lei, admitidos a residir na Terra Santa, sem todavia gozar de pleno direito de cidadania (cf. Ex 12,48).

Os “santos” podem ser os membros do povo de Deus batizados (cf. 1,1; At 9,13 etc.). A perspectiva celeste desta carta (cf. Dn 7,25.27) e suas afinidades com o judaísmo tardio (por ex. Qumran) podem aludir também aos anjos, à comunidade do céu (cf. Cl 1,12; Hb 12,22-23). Pensa-se ainda nos judeu-cristãos representando o resto santo de Israel, ao qual os pagão-cristãos são associados (cf. Rm 15,25; 1Cor 16,1; 2Cor 8,4; 9,12). Da Igreja em Jerusalém, o título passa a todos os cristãos (cf. Rm 1,7; 12,13).

Da “família de Deus”, são todos os que fazem a vontade de Deus, ouvem sua Palavra e a praticam (Mc 3,35p); pelo Espírito os batizados são “filhos de Deus” (cf. Rm 8,14-17; Gl 3,26-28; 4,4-7).

Vós fostes integrados no edifício que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra principal. É nele que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo santo no Senhor. E vós também sois integrados nesta construção, para vos tornardes morada de Deus pelo Espírito (vv. 20-22).

No sentido metafórico, “casa” significa as pessoas da família e criados (cf. Gn 15,3; 2Sm 7; At 16,7 etc.). Israel se chamava Casa de Deus, e no meio dela habitava Javé no “templo santo” (cf. Dt 12), agora nós somos membros da Casa de Deus, que é também um templo espiritual (cf. Jo 2,18-22p; 4,21-24; 1Cor 3,9-16; 6,19; sobre o alicerce cf. Is 28,16; Ap 21,14). Lembramos que o templo de Jerusalém já foi destruído em 70. d.C., agora resta só um templo espiritual, a Igreja, o Corpo de Cristo (cf. Mc 13,2p; 14,58p; Jo 2,19-22).

Cristo compara-se com uma “pedra angular (principal)” em Mc 12,10p (citação de Sl 118,22). Alguns pensam aqui na pedra angular de base (Cristo em 1Cor 3,11; Pedro em Mt 16,18); outros na pedra do cimo, que faz a abóbada não cair; este último combina melhor com o tema da soberania de Cristo destacada nesta carta. A Igreja tem como fundamento “os profetas e os apóstolos” (cf. Lc 11,49-51) ou aqueles que participam na comunidade com os apóstolos da revelação do mistério de Deus (3,5; 4,11-12; cf. At 11,27; 13,1; 15,32; 21,9-10; 1Cor 12-14; Ap 1,3…).

Estamos acostumados pensar numa igreja construída de pedras, tijolos, cimento. Mas antes que uma só igreja fosse construída (só aconteceu depois do término da perseguição em 313 d.C.), pensava-se numa casa espiritual, um estranho edifício que se transforma em templo, feito de pedras vivas e capaz de crescer (vv. 21-22; 1Pd 2,4-8). Não é mais num lugar fixo, mas é na assembleia, nas pessoas de fé que Deus se faz presente (cf. Mt 18,20; Jo 2,20-22; 4,20-24; 14,23). A Trindade vem morar na Igreja, que é “Povo de Deus (Pai), Corpo de Cristo, Templo do Espírito”. A Conferência em Aparecida chama a Igreja também “Casa dos pobres” e “Escola de comunhão”.

A Bíblia do Peregrino (p. 2807) resume: Cristo derrubou com seu corpo glorificado a barreira que antes separava os judeus dos pagãos. De membros dispersos fez “um corpo”, de estrangeiros e nativos fez uma cidade e família, de pedras heterogêneas fez um “edifício”. Realizou a grande pacificação: dos homens entre si, “criando uma nova humanidade”. Não se lhe pode comparar a reunião de Judá e Israel prometida por Ezequiel (37,15-19), mas pode-se cantar o Sl 133. (O Sl 133 compara a união com o óleo do sumo sacerdote derramando até a gola de suas vestes, ou seja, até a periferia, na homília de Papa Francisco na missa dos Santos Óleos em 2013).

 

Evangelho: Lc 12,35-38

Nos próximos dias ouvimos evangelhos em que Jesus exorta à vigilância com três parábolas: servo e patrão, dono e ladrão, administrador. O horizonte se alarga para a Igreja que espera a parusia (retorno do Senhor). Jesus ainda fala aos discípulos (v. 22); a exortação vale para todos, mas há diversos graus de responsabilidade. Pode se presumir uma contraposição: Ao rico insensato que foi surpreendido pela morte (vv. 13-21, evangelho de ontem), se opõem os discípulos que esperam pelo seu Senhor.

Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas (v. 35).

Estar cingido quer dizer estar disponível. O israelita se cinge e prende a túnica para caminhar, trabalhar ou lutar (1Rs 20,11; cf. Ef 6,14; Is 59,17). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2005) comenta: Como no v. 37 e em 17,8 é preciso arregaçar a aba da vestimenta no cinto para estar pronto para o trabalho. É também o modo de trajar o viajante, que os judeus adotam para celebrar a Páscoa (Ex 12,11) na qual esperam a vinda do Messias.

As lamparinas indicam que a cena acontece de noite (cf. Pr 31,17-18; Mt 25,1-13).

Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir em, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater (v. 36).

Lucas não apresenta o patrão como noivo (cf. 5,34s e a parábola das dez virgens em Mt 25,1-13), mas como convidado a um casamento anônimo que pode chegar tarde. Abri-lo ao primeiro bater na porta expressa a vigilância extrema (cf. Ap 3,20).

Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar. Em verdade eu vos digo: Ele mesmo vai cingir-se, fazê-los sentar-se à mesa e, passando, os servirá. E caso ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada, felizes serão, se assim os encontrar! (vv. 37-38).

A reação do patrão é inverossímil (cf. 17,7s), exorbitante, e nisso está a graça: o patrão age como servo (22,27; Mc 10,45p; cf. o lava-pés em Jo 13,1-17). Ele convida os criados a um banquete (Ap 3,20). É o banquete do céu, que só com exageros se pode esboçar (Mt 26,29; Is 25,6).

O patrão chama duas vezes “felizes” (bem-aventurados; cf. 6,20-23) os criados que vigiam. No final do tempo apostólico, os cristãos estão sendo provados pela demora da volta de Cristo (cf. Mc 13,30), mas se perseverarem, estarão de parabéns (felizes).

O site da CNBB comenta: O verdadeiro discípulo de Jesus procura viver sempre um dos valores mais importantes que aparecem no Evangelho: o serviço. Ele sempre está pronto para servir o seu senhor que chega, pois vê o próprio Jesus que vem até ele na pessoa do pobre, do nu, do faminto, do injustiçado, do doente, do abandonado, do carente, enfim, de todos os que precisam de amor, de ajuda material, psicológica, afetiva ou espiritual. Esse discípulo não fala muito de amor e de Evangelho, porque sua vida é o grande discurso da vivência do amor evangélico. Este é o que está de rins cingidos e abre a porta do seu coração sempre que o Senhor chega e este é o feliz que será eternamente servido pelo Senhor.

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