24 de Outubro de 2018, Quarta-feira: A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido! (v. 48b)

Leitura: Ef 3,2-12

Na leitura de hoje, o autor da carta volta falar do “mistério” da salvação (cf. 1,9; Rm 16,25). Aqui, mistério não tem o sentido esotérico de coisas incompreensíveis. Significa o desígnio (projeto) de Deus que visa a salvar toda humanidade, através de Jesus Cristo, e se manifesta na igreja pelo ministério de Paulo. Pela revelação desse mistério, os gentios (os povos não-judeus, os pagãos) são chamados a participar do povo de Deus (Cl 2,2s). O Cristo (Messias) não é monopólio de Israel, mas veio para todas as nações (cf. Lc 2,31s; Mt 28,19). Na versão latina, a palavra grega mistérion é traduzido por “sacramentum” (revela-se este mistério na Igreja Católica, quer dizer, na Igreja para todas as nações, cf. LG 1).

Se ao menos soubésseis da graça que Deus me concedeu para realizar o seu plano a vosso respeito, como, por revelação, tive conhecimento do mistério, tal como o esbocei rapidamente (vv. 2-3).

“Graça” é um termo frequente nas cartas de Paulo. Aqui não significa o perdão para justificar os pecadores (cf. Rm 5,15-21 etc.), mas a graça do apostolado junto aos gentios (cf. v. 7s; Rm 1,5; 15,15s; 1Tm 2,7; Gl 2,9; Fl 1,7; At 9,15). Lit. “da economia da graça de Deus que me foi dada em vossa intenção”, expressão sobrecarregada, que combina uma fórmula muito paulina: “a graça (de Deus) que me foi dada” (Rm 12,3; 15,15; 1Cor 3,10; Gl 2,9) com Cl 1,25: “a economia de Deus me foi dada”. Esta economia é a maneira com que Deus abre caminho à execução do seu plano salvador e situa o lugar de Paulo neste projeto. Sobre o ministério de Paulo em Éfeso, cf. At 19.

Paulo teve revelações extraordinárias (cf. 2Cor 12,1.7). Deve-se pensar aqui sobretudo na “revelação” do caminho de Damasco (cf. Gl 1,16; At 9,15; 22,21; 26,16-18).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2269) explica os dois termos “revelação” e “mistério”:

  1. a) O termo “revelação” tem três sentidos principais no NT: a) a vinda de Jesus na glória (cf. 1Cor 1,7; 2Ts 1,7); b) a revelação apostólica, relativa ao Evangelho e à vocação daquele que é seu mensageiro (Gl 1,12.16,25); c) a revelação profética, relativa a este ou àquele aspecto da vontade de Deus e da obediência cristã (ex. 1Cor 14,6; Gl 2,2). Trata-se aqui do segundo sentido, a revelação apostólica.
  2. b) Tema fundamental de Ef e Cl, o “mistério” refere-se ao desígnio eterno de Deus, outrora escondido aos homens e agora revelado (Ef 1,9-10; 3,3-10; Cl 1,26-27; cf. já Rm 16,25-26; 1Cor 2,7-9). Essa ideia vem menos do helenismo de que da apocalíptica judaica (cf. Dn 2,21-23.28-30.47; o livro de Henoc e os textos de Qumran). Para a epístola, o mistério se realizou em Jesus Cristo e descobre todas as suas implicações na igreja, graças ao mistério do apóstolo: chamamento dos pagãos à salvação, reconciliação do apóstolo: chamamento dos pagãos à salvação, reconciliação dos judeus e das nações reunidos em um mesmo corpo, união conjugal de Cristo e sua Igreja, submissão do universo inteiro a Cristo. O mistério é objetivo específico do evangelho der Paulo, ligado aqui à sua vocação única entre os apóstolos. Ef 3,1-13 volta às ideias de Ef 2,11-22, referindo-as à pessoa de Paulo.

Ao ler-me, podeis conhecer a percepção que eu tenho do mistério de Cristo (v. 4).

“Ao ler-me”, refere-se à carta aos Colossenses, difundida como carta circular? Ef depende de Cl.

 

Este mistério, Deus não o fez conhecer aos homens das gerações passadas mas acaba de o revelar agora, pelo Espírito, aos seus santos apóstolos e profetas: (v. 5)

“Seus santos apóstolos e profetas (cf. 2,20 onde os “santos” podem ser os membros do povo de Deus batizados (cf. 1,1; At 9,13 etc.). A perspectiva celeste desta carta (cf. Dn 7,25.27) e suas afinidades com o judaísmo tardio (por ex. Qumran) podem aludir também aos anjos, à comunidade do céu (cf. Cl 1,12; Hb 12,22-23). Pensa-se ainda nos judeu-cristãos representando o resto santo de Israel, ao qual os pagão-cristãos são associados (cf. Rm 15,25; 1Cor 16,1; 2Cor 8,4; 9,12). Da Igreja em Jerusalém, o título passa a todos os cristãos (cf. Rm 1,7; 12,13).

Ef interpreta neste sentido preciso o texto paralelo Cl 1,26s, no qual a revelação era concedida a todos os santos. Os profetas aqui mencionados são do NT (cf. 2,20), inspirados da nova economia, ativos na Igreja (p. ex. At 11,27; 13,1; 15,32; 21,10; 1Cor 12,28). Os do AT não tiveram mais que uma percepção ainda obscura e imperfeita do ministério de Cristo (cf. 1Pd 1,10-12; Mt 13,17).

Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho (v. 6).

Este é o conteúdo deste mistério: Os povos pagãos que se convertem a Cristo são coerdeiros com os judeus cristãos (cf. 2,19), são membros do mesmo corpo, da Igreja (cf. 1,22s; 1Cor 12,12s) e associados as mesmas “alianças da promessa” (2,12s). O “Evangelho” é como a promulgação que torna efetivo o cumprimento para quem queira aceitá-lo.

A Bíblia do Peregrino (p. 2808) comenta: Quando Paulo (o eu da carta) se declara apóstolo dos pagãos, não pensa só numa divisão territorial, mas implica uma descoberta: que o Messias esperado pelos judeus veio também para os pagãos, não é monopólio de Israel. Esse é um grande segredo que Deus manteve guardado por muitos séculos. Abraão se afasta de sua família, de seu país, Ismael fica de fora, como também Esaú. Se alguns textos do AT se abriam aos pagãos, algumas cláusulas do texto ou os leitores lhes punham limites, reduzindo-os aos pagãos submetidos a Israel ou convertidos plenamente.

Citemos alguns textos: “as nações, os confins da terra”, submetidos (Sl 2); Jerusalém mãe de povos “nascidos aí” (Sl 87); culto ao Senhor (Sl 102, 16.23); Egito e Assíria (Is 56; 19,19-25) etc. Mas os pagãos não podiam partilhar a herança com Israel (cf. Gn 21,10; Jz 11,2) nem formar um corpo com ele. Pois bem, a riqueza do Messias transborda e agora é dividida entre todos. Essa é a grande revelação que estimulava Paulo em seu ministério e da qual ele se orgulha.

Disto eu fui feito ministro pelo dom da graça que Deus me concedeu no exercício do seu poder. Eu, que sou o último de todos os santos, recebi esta graça de anunciar aos pagãos a insondável riqueza de Cristo e de mostrar a todos como Deus realiza o mistério desde sempre escondido nele, o criador do universo (vv. 7-9).

Paulo se chama o “último” a quem Cristo se revelou como ressuscitado, aqui “o último de todos os santos”, porque foi perseguidor, porque chegou mais tarde (1Cor 15,8-10; cf. Eclo 33,16-18). Mas foi ele que recebeu a “graça” (cf. v. 2) de anunciar aos pagãos a “riqueza” (alude à Sabedoria) “insondável” (cf. Is 40,28; Sl 145,3; Jó 5,9; 9,10; 11,7) de Cristo e de “pôr a luz” (a tradução latina Vulgata: “mostrar claramente a todos”) “como Deus realiza o mistério” (lit. qual é a economia do mistério).

O capítulo vai falar sucessivamente da insondável “riqueza” de Cristo (v. 8), dos recursos inesgotáveis da sabedoria de Deus (v. 10) e, por fim, das “quatros dimensões” (v. 18): esses temas são de origem sapiencial. O verbo “sondar, penetrar”, a menção à sabedoria, a evocação das dimensões acham-se reunidos em Eclo 1,3: “a altura do céu, a extensão da terra, o abismo e a sabedoria, quem pode penetrá-lo?”

Assim, doravante, as autoridades e poderes nos céus conhecem, graças à Igreja, a multiforme sabedoria de Deus, de acordo com o desígnio eterno que ele executou em Jesus Cristo, nosso Senhor (vv. 10-11).

Se unimos esse v. ao v. 18, eles nos remetem ao começo do Eclesiástico (1,1-3.8); predomina a linguagem sapiencial: “conhecer (manifestar), sabedoria, desígnio/projeto)”. Os destinatários talvez sejam “as autoridades e poderes” que governam o mundo judaico e o mundo pagão, os quais descobrem agora, numa Igreja única de judeus e pagãos, a sabedoria impensada e transcendente de Deus. Em outra interpretação, são os anjos ou os santos (cf. Zc 14,5; Dt 33,33; Jó 5,1; 15,15). Os próprios espíritos celestes não conhecem o desígnio de salvação de Deus; por isso, levaram os homens a crucificar o Cristo (1Cor 2,8); hoje, contemplando a Igreja, eles o compreendem (cf. 1Pd 1,12), “o desígnio eterno que ele executou (ou: concebeu) em Jesus”.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2270) comenta: Os poderes, responsáveis pela lei judaica e pelo mundo religioso pré-cristão (cf. Cl 1,16…) ignoram o desenrolar do plano divino (1Cor 2,8). Ao reunir judeus e pagãos, a Igreja constitui a manifestação última do desígnio de Deus e, por assim dizer, a personificação da Sabedoria. Olhando para ela, os poderes compreendem que a humanidade nova acede diretamente a Deus em Cristo (cf. 10 e 11) e que o papel provisório delas é ambíguo e ultrapassado.

Em Cristo nós temos, pela fé nele, a liberdade de nos aproximarmos de Deus com toda a confiança (v. 12).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2270) comenta: Lit. “a liberdade e acesso”. Dois termos importantes são associados. O primeiro evoca a condição daquele que tudo pode dizer; o acento é posto ora sobre a fraqueza, ora na coragem, ora na liberdade, ora no caráter público da declaração ou da situação (ver Ef 3,12; 6,20; Cl 2.15. Cf. Jo 16,25.29; At 4,31; 2Cor 3,12). O segundo, utilizando no vocabulário cultual ou régio, implica a possibilidade de acesso à presença de Deus ou do soberano (cf. 2,18; Rm 5,2. Ver também 1Pd 3,18; Hb 4,16; 10,19).

 

Evangelho: Lc 12,39-48

Continuamos ler a advertência de Jesus sobre a vigilância dos cristãos esperando a volta do Senhor (parusia) que pode demorar. Lc apresenta uma montagem de três parábolas: servo e patrão (vv. 35-38, evangelho de ontem), dono e ladrão, administrador. Embora a exortação possa valer para todos, há diversos graus de responsabilidade. As parábolas têm como horizonte a parusia e sua aplicação no tempo da Igreja.

Ficai certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que arrombasse a sua casa. Vós também ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes (vv. 39-40).

Esta comparação do Filho do Homem com um ladrão que arromba com surpresa quer destacar o julgamento associado à sua vinda (parusia) e tem longa tradição (1Ts 5,2.4; Mt 6,19; 2Pd 3,10; Ap 3,3; 16,5). Os ladrões escolhem mais a noite: “de noite ronda o ladrão, penetra às escuras nas casas” (Jó 24,14.16); utilizam procedimento de entrar, arrombar a casa, lit. “furar a sua casa”: abrir um buraco, mas a surpresa é seu principal recurso (Ex 22,1). Embora a vigilância seja coletiva, aplica-se a cada pessoa. Como a vinda de um ladrão é surpresa, também não é possível calcular o dia ou a hora da chegada do Senhor (cf. Mc 13,32p).

Então Pedro disse: “Senhor, tu contas esta parábola para nós ou para todos?” E o Senhor respondeu: “Quem é o administrador fiel e prudente que o senhor vai colocar à frente do pessoal de sua casa para dar comida a todos na hora certa?” (vv. 41-42)

Antes Jesus falava de “servos, empregados” (v. 37) designando o grupo dos discípulos (“vós”, v. 40). Agora o acento se desloca (cf. Mc 13,37); a pergunta de Pedro interrompe o fluxo do sermão (cf. Mt 24,44s). Jesus responde com uma pergunta retórica sobre um servo que tem autoridade sobre os demais, em resposta exata a pergunta de Pedro, na qual “nós” se refere aos apóstolos. Pedro representa as autoridades da Igreja, os líderes da comunidade que têm uma responsabilidade especial no tempo da ausência do Senhor (1Cor 4,1-2.5). Diferente do paralelo de Mt 24,45, Lc não fala de servo, mas do “administrador fiel e prudente” que tem responsabilidade sobre a casa toda (cf. Mt 24,45-51; 10,25; 1Tm 3,15; 2Tm 2,19s; Tt 1,7; 1Cor 9,17). O termo “administrador” (intendente) é próprio de Lc entre os evangelistas (cf. 16,1.3.8) e designa um personagem importante.

Em Antioquia, cidade mencionada bastante nos At, esta ideia possa ter influído no desenvolvimento do ministério do bispo monárquico (cf. as cartas de Stº. Inácio de Antioquia, na Liturgia da Horas, Ofício das Leituras na 27ª semana).

Feliz o empregado que o patrão, ao chegar, encontrar agindo assim! Em verdade eu vos digo: o senhor lhe confiará a administração de todos os seus bens (vv. 43-44).

Pela terceira vez, a vigilância de um servo, agora do administrador, é parabenizada (“feliz”; bem-aventurança). Já em vv. 37s, Jesus felicitou os empregados que ficam atentos vigiando e esperando pelo Senhor que irá servi-los um banquete. O salário é recompensa escatológica (cf. 1Cor 3,14s), mas agora não é descansar, sim atividades e responsabilidades maiores. Agora “o senhor lhe confiará a administração de todos os seus bens”, cf. a figura de José a quem o Faraó confia a administração de todo o Egito por causa da sua sabedoria (Gn 41,37-44).

Porém, se aquele empregado pensar: “Meu patrão está demorando”, e começar a espancar os criados e as criadas, e a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele empregado chegará num dia inesperado e numa hora imprevista, ele o partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis (vv. 45-46).

A Bíblia do Peregrino (p. 2501) comenta: O administrador desta parábola é encarregado de outros criados; ocupa um posto intermédio, ocupa-se de pessoas, não de bens. A aplicação imediata aponta para os discípulos que recebem cargo mediador. As condutas opostas são: um serviço organizado para os outros servos ou um aproveitar-se licenciosamente da situação.

No abuso de poder, o infiel se esquece de que sua posição superior é temporária (cf. Mt 24,49). Logo vem o castigo em termos do julgamento: “O senhor o partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis” (cf. a excomunhão em Mt 18, 17; 1Cor 5,4s, além de perder o cargo).

A demora do patrão a chegar corresponde à geração de Lucas, que já não espera uma parusia iminente (como Paulo nas sete cartas atribuídas a ele pela maioria dos exegetas, cf. 1Ts 4,15-17; 1Cor 15,51s). Contudo, o espírito de vigilância deve permanecer, porque a demora não desmente o fato (Ez 7,1-12; 12,21-28; cf. 2Pd 3). E como o fato é certo, a incerteza da hora incita à vigilância. Sem cessar é iminente o que pode acontecer a qualquer momento.

Aquele empregado que, conhecendo a vontade do senhor, nada preparou, nem agiu conforme a sua vontade, será chicoteado muitas vezes. Porém, o empregado que não conhecia essa vontade e fez coisas que merecem castigo, será chicoteado poucas vezes (vv. 47-48a).

Até agora, Lc tem se servido da sua fonte comum com Mt (“Q”; cf. Mt 24,42-51). Agora, porém, apresenta material próprio (vv. 47-48) referindo-se à relação ética entre conhecer e agir. A Bíblia do Peregrino (p. 2501) comenta: A ignorância de ordens concretas do patrão é atenuante, mas não exime da responsabilidade genérica. O conhecimento é agravante; e os discípulos as conhecem.

A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido! (v. 48b).

Lc conclui esta sequência com uma sentença sapiencial (cf. Sb 6,1-8 que se refere aos governantes: “Os elevados serão julgados implacavelmente… os fortes sofrerão dura pena”). No contexto da parábola anterior podemos pensar em carismas da Igreja, confiados não a vantagens pessoais, mas como capacitação para servir (cf. 1Cor 12,7 etc.). Mais uma fez se alude ao julgamento presidido por Deus (os verbos na forma passiva indicam a ação divina).

O site da CNBB comenta: O Filho do Homem vai chegar na hora em que menos esperamos, pois ele está sempre chegando até nós nos pobres e necessitados. Os que esperam a vinda de Jesus somente no último dia tornam-se pregadores do fim do mundo e vivem uma fé ritual, são incapazes de amar verdadeiramente e, na verdade, não conhecem Jesus presente em suas vidas, possuem uma fé egoísta, pois a espera de Jesus não é para o encontro com ele, mas para ganhar o prêmio eterno. A longa espera e a falta de vivência concreta do amor faz com que essas pessoas desanimem e maltratem seus irmãos e irmãs, fazendo-se merecedores da sorte dos infiéis.

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