26 de Agosto de 2018, Domingo: Vós que temeis a Cristo, sede solícitos uns para com os outros (v. 21).

1ª Leitura: Js 24,1-2a.15-17.18b

A primeira leitura foi escolhida por causa da resposta da fé dos israelitas diante de Josué, como a profissão de Pedro finaliza o discurso sobre o pão de vida no evangelho de hoje.

Toda grande narrativa desde a “saída” (em grego: êxodo) do Egito até a “conquista” (ocupação) da terra é finalizada com a conclusão da aliança em Siquém em Js 24. Mas sabe-se hoje que a conquista violenta da terra como é relatada em Js (cerca de 1200 a.C., incluindo o “extermínio” de populações inteiras; cf. v. 8), é uma construção posterior que idealiza a posse da terra e a repulsão de povos vizinhos e residentes que ameaçam a identidade do pequeno povo dos judeus na época da redação (entre a reforma do rei Josias e o (pós) exílio, séc. VII a V).

A questão da interpretação de Js é também política: Os que entendem a Bíblia ao pé da letra, justificam com a “conquista” de Josué também as guerras do exército israelense de hoje. A arqueologia, porém, mostrou que por volta de 1200 a.C. aconteceu uma transição da cultura urbana (época tardia de bronze, 1500 a 1200) para uma cultura rural (nova época do ferro a partir de 1200). Várias cidades cananeias foram abandonadas por crises econômicas da região; (p. ex. Jericó e Ai já estavam em ruínas 200 anos antes de Josué, e as ruínas devem ter inspirado os autores para a narrativa dos muros de Jericó, cf. Js 6). Mas neste período surgiram muitas aldeias nas montanhas da Palestina. Esta teoria, que apoia indiretamente o lado dos palestinos de hoje, sustenta um assentamento pacífico de nômades (que se juntaram aos grupos hebreus que vieram do Egito) nas montanhas evitando as cidades cananeias. Outros veem na “conquista” uma migração de campesinos na planície que vendiam seus produtos nas cidades, mas com a crise no comércio tinham que se mudar para as montanhas. O que unirá os campesinos, os nômades e os grupos que vieram do Egito, é a fé em Javé (cf. Js 24). O nome “Israel” ainda não significava o povo de Deus, mas apenas o reino do Norte (cf. 1Rs 12), e no exílio babilônico (587-538) tornou-se para os judeus uma sigla de identificação para todos os adoradores de Javé.

Depois do último discurso de Josué (cap. 23), esperava-se a notícia da sua morte. Esta se retarda (24,29) para dar espaço à renovação da aliança. O último capítulo (24) apresenta a grande assembleia em Siquém em três partes. Na primeira, Josué apresenta as intervenções de Javé em favor de Israel (vv. 2-13; cf. as confissões de fé de Dt 6,21-24 e 26,5-9), na segunda, Josué dialoga com o povo (vv. 14-24) e na terceira parte celebra o rito da aliança (vv. 25-28).

É provável que este texto reproduza uma cerimônia feita periodicamente, para alimentar a consciência histórica e sustentar a luta do povo. É importante celebrar a luta e as vitórias, a fim de manter viva a aspiração popular, na qual se manifesta o projeto de Deus.

Este capítulo 24 foi acrescentado durante ou depois do exílio, mas a tradição que ele representa é antiga. A fé no Deus Javé, trazida pelo grupo que Josué conduziu, é proposta por ele a outros grupos que ainda não tinham ouvido falar dela. Estes não estiveram no Egito e não se beneficiaram com as maravilhas de Êxodo e da revelação do Sinai; conteúdo, não são cananeus urbanos e têm uma origem comum com o grupo de Josué que era efraimita (Nm 13,8.16; Js 24,30): trata-se de tribos do Norte que por este pacto, aceitam a fé em Javé e se tornam assim parte do povo de Deus.

Josué reuniu em Siquém todas as tribos de Israel e convocou os anciãos, os chefes, os juízes e os magistrados, que se apresentaram diante de Deus. Então Josué falou a todo o povo: (vv. 1-2a)

A cidade-santuário Siquém (17,7; 20,7) era, pela sua posição central entre os montes Ebal e Garizim, um lugar favorável à reunião das tribos (cf. 8,30-35; cf. outra assembleia na qual se dividem as tribos em 1Rs 12). Pelo seu passado, tinha uma posição predestinada para a conclusão deste pacto religioso: é o primeiro lugar em Canaã, aonde Abraão chegou e ergueu um altar (Gn 12,6-7). Lá, Jacó (chamado de Israel em 32,29) adquiriu seus direitos de terra e também ergueu um altar (Gn 33,18-20) lançando fora os ídolos trazidos da Mesopotâmia (Gn 35,4). Siquém era a primeira capital do reino do Norte (Israel, 1Rs 12,25).

Neste agrupamento oficial e solene (cf. 23,2), Josué age como chefe da liga das tribos, na qualidade de sucessor de Moisés.

“Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (v. 15).

“Escolhei hoje a quem quereis servir”. Se a condição de v. 14 é exigente demais, o povo terá de fazer uma nova escolha. Josué põe alguns clãs (provavelmente aqueles que não desceram ao Egito) diante de uma opção que definirá sua integração nas tribos da aliança ou sua rejeição: decidir a favor do “Senhor” (Yhwh, Javé Deus do êxodo e da conquista) e contra as divindades cananeias (“dos amorreus”) e mesopotâmicas.

A Mesopotâmia é a terra fértil entre os rios Eufrates e Tígris (hoje o Iraque e a Síria). Lá, a redação sacerdotal situa a origem dos pais (patriarcas: Abraão saiu de ”Ur dos caldeus” ; cf. Gn 11,27.31; 15,7) e quer motivar os exilados acomodados da época dos autores para voltarem a terra de Israel (Canaã) e ocupá-la de novo como antigamente Josué.

“Amorreus” é um nome genérico que significa “(semitas) ocidentais”. Por volta de 1750 a.C., esta etnia fundava as primeiras dinastias na Mesopotâmia (cf. Hamurabi, Mari). Na Bíblia, os amorreus são identificados com os cananeus (vv. 15.18; 7,7; Gn 10,10s; 14,7; 1Rs 21,26) ou, diferenciados, significam os habitantes da Transjordânia (Nm 13,29; 21,13; Js 12,2). Eram de estatura forte e alta (Dt 1,27s; Am 2,9) e não deixaram os israelitas morarem na planície fértil (Jz 1,34s).

Na Bíblia, quem costuma “escolher”, é Deus e não o homem (cf. Jo 15,16). O verbo escolher introduz aqui o tema da liberdade. A aliança deve ser aceita com um ato de liberdade responsável, não indiferente.

“Eu e minha família”, lit. minha casa. Casa significa todos que moram nesta casa, a família (cf. At 16,15.31: Paulo não batiza a casa, mas a família). A “casa de José” pode ser a grande família e pode abranger toda uma tribo. Segundo Nm 13,16 e 1Cr 7,20-27, Josué pertence à tribo de Efraim e por isso à “casa de José” (José teve dois filhos: Manassés e Efraim; cf. Gn 48).

No Dt e Js, temer e amar a Deus é “servir” ao Senhor “com um coração íntegro e sincero” (v. 14), e guardar seus mandamentos (cf. 22,5; 23,11.14; Dt 6,2.4-6; 10,12; etc.). Como o serviço é exclusivo (cf. Mt 6,24; Lc 16,13), o povo deve retirar do seu meio os outros deuses (e suas imagens; cf. Gn 35,2-4); existe uma tradição bem atestada da idolatria de Israel no Egito, cf. Ez 20,7-8; 23,3). Javé é “ciumento” (v. 19; Ex 20,5; 34,14; Dt 4,24; 5,5; 6,15; Na 1,2), não aceita ser um deus entre outros nem o primeiro lugar da série; há de ser o único (cf. Dt 4,35.39; 6,4; Is 43,10-11; 44,6; 45,5.18.22; etc.). A arqueologia revelou que por muito tempo se adorava outros deuses em Israel. Na reforma do rei Josias (640-609 a.C.), que insistiu no culto unicamente a Javé, muitos desses lugares e símbolos pagãos foram destruídos (2Rs 23).

E o povo respondeu, dizendo: “Longe de nós abandonarmos o Senhor, para servir a deuses estranhos. Porque o Senhor, nosso Deus, ele mesmo, é quem nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem realizou esses grandes prodígios diante de nossos olhos, e nos guardou por todos os caminhos por onde peregrinamos, e no meio de todos os povos pelos quais passamos. Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é o nosso Deus” (vv. 16-17.18b).

Quem responde é um povo que já se comprometeu com Javé. Se o povo não obedecer ao Deus vivo, torna-se idólatra, não há meio-termo na mentalidade bíblica. O povo reitera a profissão de fé de Josué (vv. 2-13; v. 18a omitido) liturgicamente, num estilo deuteronômio. . Destaca-se o protagonismo de Deus – “ele mesmo” que liberta e dá a terra, mas, desconsiderando o doador Javé e adorando outros deuses, o povo perderá esta terra e irá ao exílio, segundo a redação deuteronomista (Js, Jz, 1-2Sm, 1-2Rs), de onde espera voltar renovando sua fé.

Josué provoca o povo para escolher, porque a aliança pressupõe liberdade (cf. Ex 20,2s); insiste num juramento, invocando testemunhas (vv. 21s.27s), “escreveu estas palavras no Livro da Lei de Deus. A seguir, tomou uma grande pedra e levantou-a ali, debaixo do carvalho que havia no santuário do Senhor” (v. 26).

O povo é posto diante de uma escolha e de um compromisso: ou ser fiel a esse Deus e ao projeto dele, deixando os ídolos de sistemas sociais injustos; ou voltar atrás. Não há meio-termo: ou se cria uma sociedade justa e fraterna, onde todos possam gozar a vida e a liberdade, ou se volta a repetir um sistema social onde o povo é reduzido à escravidão e à morte. A atitude de tirar os ídolos (as imagens de deuses estrangeiros) e professar a fé no único Deus (cf. Gn 35,2-4) é semelhante à liturgia batismal, renunciar ao demônio e professar a fé na Santíssima Trindade.


2ª Leitura: Ef 5,21-32

A 2ª leitura de hoje traz uma frase machista e polêmica: “As mulheres sejam submissas aos seus maridos como ao Senhor”. Tirada do contexto, justifica a superioridade do homem sobre a mulher. Mas olhando de perto e dentro do contexto vemos bem outra coisa.

Vós que temeis a Cristo, sede solícitos uns para com os outros (v. 21).

O trecho abre com um versículo programático do que se segue. As relações entre homem e mulher (vv. 22-33), pais e filhos (6,1-4) e escravos e senhores (6,5-9) não devem ser caracterizadas por dominação e opressão, mas por amor e solicitude recíproca: “uns aos outros”, “mutuamente”. O autor de Ef (um discípulo de Paulo) está inspirado pelo mandamento do amor ao próximo (Lv 19,18, citado por Mc 10,31p; Rm 13,9s; Gl 5,14; cf. 1Cor 13) e o novo mandamento de Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34; 15,12.18). Ele transforma as estruturas opressoras por dentro, sugerindo uma nova mentalidade inspirada pelo modelo de Cristo.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1431) comenta:

Trata das relações entre marido e mulher, a partir do modelo da família típica da sociedade romana patriarcal. As afirmações contrastam com outros textos paulinos, como Gl 3,28, que propõe anular as divisões entre judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher. Mesmo assim uma leitura atenta do texto permite perceber as motivações profundas para o relacionamento familiar… O texto começa justamente recomendando a submissão de uns aos outros em Cristo (v. 21). Trata-se, portanto, do comprometimento cristão de serviço e amor. A partir dessas motivações, traça algumas recomendações às esposas e muitas outras aos maridos (Rm 7,1-11).

As mulheres sejam submissas aos seus maridos como ao Senhor. Pois o marido é a cabeça da mulher, do mesmo modo que Cristo é a cabeça da Igreja, ele, o Salvador do seu Corpo. Mas como a Igreja é solícita por Cristo, sejam as mulheres solícitas em tudo pelos seus maridos (vv. 22-24).

A comparação usa como imagem a relação de Cristo com a Igreja, comum na Bíblia, como convivência de esposo e esposa (2Cor 11,2). A relação de amor entre Cristo e a Igreja é o modelo de todas as demais relações conjugais. O outro lado da comparação é a convivência entre as pessoas.

A imagem passa a equação: cabeça-corpo = marido-mulher= Cristo-Igreja. Com tudo, deve-se ter presente que a proporção não é idêntica, por causa da soberania única do Cristo “Senhor” (quando 2Jo 1 chama kyria a uma Igreja local, o título tem outro alcance) e por seu título de “Salvador” (v. 23).

Maridos, amai as vossas mulheres, como o Cristo amou a Igreja e se entregou por ela (v. 25).

A Igreja está submetida a Cristo. Mas o amor conjugal de Cristo o leva ao sacrifício de si mesmo.

Já em Dt, amar é servir e guardar os mandamentos. Jesus é Senhor, mas também Servo (cf. Is 53; Mc 10,45p). Antes de falar do mandamento do amor, Jesus Cristo se fez servo e lavou os pés dos discípulos (Jo 13) e ainda deu própria sua vida na cruz. Amar é querer o bem do outro (Tomás de Aquino).

A comparação insinua a pergunta: Maridos que querem a submissão das mulheres, já lavaram os pés das suas esposas, ou só querem ser servidos em casa? Estão dispostos a dar a própria vida por elas ou querem que só elas se sacrifiquem pelos homens?

Ele quis assim torná-la santa, purificando-a com o banho da água unida à Palavra. Ele quis apresentá-la a si mesmo esplêndida, sem mancha nem ruga, nem defeito algum, mas santa e irrepreensível (vv. 26-27).

Ez 16,9 já comparou a entrada de Israel na aliança com a imagem do banho. o- Segundo os costumes do antigo Oriente, a noiva era banhada e ornada, depois os “filhos das bodas” (amigos do noivo) iam “apresentá-la” ao seu noivo.

No caso místico da Igreja, foi Cristo que lavou sua noiva de toda mancha pelo banho do batismo, para apresentá-la a si mesmo (cf. 2Cor 11,2; Jo 3,29; Sl 45; Sl 45,11-18; Ap 21-22). O próprio Deus apresenta Eva a Adão (Gn 2,22). Alimentar e cuidar, com relação afetuosa e terna, correspondem à vida conjugal (cf. as exigências em Ex 21,10).

A alusão ao batismo é evidente (cf. Tt 3,3-7): “Água unida à Palavra”; o batismo só vale se acompanhado pela proclamação da Palavra, expressa pela evangelização do ministro e pela profissão de fé do batizado (1,13; cf. Mc 16,15s; At 2,38; Rm 6,4; 1Pd 1,23). A purificação pela Palavra aparece também em Jo 15,3; cf. 13,6.11). O contexto condiciona a interpretação do batismo como purificação, mas é também consagração. “Sem mancha nem ruga” pertence ao casamento.

Assim é que o marido deve amar a sua mulher, como ao seu próprio corpo. Aquele que ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ninguém jamais odiou a sua própria carne. Ao contrário, alimenta-a e cerca-a de cuidados, como o Cristo faz com a sua Igreja; e nós somos membros do seu corpo! (vv. 28-30).

Os dois termos comparados, o casamento de homem e mulher e a união de Cristo com a Igreja, se esclarecem mutuamente; podemos dizer que Cristo é esposo da Igreja, porque é seu chefe e a “ama como a seu próprio corpo”, assim como acontece entre marido e mulher; essa comparação, uma vez admitida, fornece por seu lado um modelo ideal para o casamento humano.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2274) comenta: O tema do Corpo de Cristo encontra aqui a sua exposição mais perfeita. Melhor ainda que a ideia da cabeça, o tema do esposo e da esposa permite, com efeito, precisar a autoridade de Cristo fundada no seu sacrifício, a responsabilidade da Igreja, e a reciprocidade íntima da ambos, sem confusão nem separação.

Por isso o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne. Este mistério é grande, e eu o interpreto em relação a Cristo e à Igreja (vv. 31-32).

Paulo cita Gn 2,24 (como já Jesus citou em Mc 10,7p; a Vulgata, tradução em latim, acrescenta após “nós somos membros do seu corpo” em v. 30: “tirados da sua carne e de seus ossos”, Gn 2,23). Sem que Paulo o diga, alguns padres comentam que o Filho de Deus deixou o Pai para unir-se à sua Igreja (cf. Fl 2,6s).

No texto do Gênesis, Paulo descobre uma prefiguração profética da união de Cristo e da Igreja “mistério” que ficou escondido por muito tempo e foi agora revelado, assim como o mistério da salvação das nações (cf. 1,9s; 3,3s). Em latim, o termo grego mistérion é traduzido por sacramentum. Para Igreja Católica, o casamento é um “sacramento”, em que Deus se faz presente num sinal sagrado (os próprios cônjuges representam o amor de Deus), e não apenas uma bênção com palavras. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2274) comenta: O apóstolo, que recebeu revelação do mistério, descobre aqui um novo aspecto …: a união conjugal de Cristo e da Igreja. O casamento tem a vocação de refletir esta união; portanto, não depende simplesmente das exortações morais, mas situa-se no coração do mistério e adquire uma significação propriamente cristã.

A Bíblia do Peregrino (p. 2812s) comenta: Texto extraordinário que a uma visão do matrimonio condicionada culturalmente sobrepõe uma simbologia que a transcende e sublima. A concepção cultural estabelece a desigualdade: o marido ama, a mulher se submete. O símbolo consiste em extrair do Gênesis Adão e Eva como casal fundacional e exemplar, para ascender ao antítipo, o Messias e a Igreja. Além disso, o símbolo estabelece um exemplo ou modelo: não são Cristo e a Igreja que reproduzem a experiência conjugal, mas é o contrário. O AT preparou generosamente esse símbolo com a imagem de Yhwh esposo e a comunidade ou a capital esposa (Os 2; Is 1,21-25; 5,1-7; Jr 2,1; 3,1-5; 31,21-22; Ez 16; Is 49; 54; Br 4-5); temos de destacar a comparação audaz de Is 62,5. Os últimos capítulos do apocalipse utilizam esse símbolo para concluir a Bíblia.

 

Evangelho: Jo 6,60-69

Ouvimos hoje a reação do povo e dos discípulos a respeito do discurso de Jesus sobre o pão da vida. No v. 59, o evangelista informou que Jesus fez este discurso na sinagoga de Cafarnaum (v. 24)

Muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? (vv. 60-62).

Agora não só o povo (v. 41), mas “muitos dos discípulos” também estavam “murmurando” (v. 61; esta palavra lembra o povo reclamando no deserto, cf. Ex 15,24; 16,2; 17,3; Nm 11,1; 14,27), dizendo: “Esta palavra é dura” (v. 60). Duro, porém, é o ouvido ou o coração dos ouvintes (cf. Ez 2,4; 3,7, 11,19; 36,26s). “Isso vos escandaliza?” (v. 61). O escândalo é o contrário da fé, é a pedra de tropeço que faz cair.

Para eles, o escândalo não são apenas as palavras de Jesus a respeito da eucaristia (comer carne humana é canibalismo e beber sangue é proibido, cf. Gn 9,4; Lv 17,10-14; Dt 12,16.23), mas já antes (se os vv. 51-58 foram acrescentados por uma redação posterior, cf. cap. 21 e a inserção dos caps. 15-17), a pretensão dele de ser mais do que Moisés que alimentou o povo com o maná por 40 anos, de ser o Filho de Deus e dar vida eterna, e que o “filho de José” se diz “descido do céu” (vv. 41-42). A resposta de Jesus se refere a esta última: “E quando virdes o Filho do homem subindo para onde estava antes?” (v. 62; cf. 12,32; 20,17). O escândalo deste será que a subida se dá através da cruz (cf. 1,51; 3,13s).

O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem”.  Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo (vv. 63-64).

“O Espírito dá vida, a carne não adianta nada” (v. 63; cf. Mc 14,38p também depois da Eucaristia e antes da “entrega” de Judas; cf. Jo 6,70s, omitido pelo evangelho de hoje). Somente o Espírito pode dar entendimento pleno (cf. 14,26), não a carne. A carne inválida aqui é a condição humana fraca, entregue às suas forças, não a carne eucarística. O homem carnal se encerra num horizonte puramente material, e não percebe nada além; o Espírito eleva a uma vida superior com horizonte novo (cf. o diálogo com Nicodemos em 3,1,13 e Rm 8,3-16; Gl 5,16-25; cf. Jo 1,32s). Jesus comunica o Espírito (1,33) após a ressurreição (7,38s; 20,22; cf. 19,30).

Em Jo, Jesus tem conhecimento sobrenatural sobre as pessoas e os acontecimentos (cf. 1,48; 2,24s; 4,17-19.29; 13,1.11.27-28; 16,19.30; 18,4; 21,17): “sabendo que seus discípulos estavam murmurando” (v. 61)” e “sabia desde o início quem eram os que não tinham fé e quem o havia de entregá-lo” (v. 64).

E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?” Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (vv. 65-69).

“A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (v. 65). É a situação de muitos batizados e crismados que se afastam da comunidade. Havia também situação semelhante na comunidade do evangelista (cf. 1Jo 2,19s nos fala nos mesmos termos) que exorta muitas vezes com a palavra “permanecer” (cf. 1,32s; 15,4-7 etc.). Aqui Jesus provoca uma decisão, ele se dirige pela primeira vez aos “doze” (antes, Jo não falava da escolha dos “doze”, cf. v. 70): “Vós também quereis ir embora?”. Fé é dom de Deus, iniciativa dele, mas também é decisão, resposta positiva à Palavra.

Simão Pedro já é inspirado, professando sua fé ele se refere as “palavras” (vv. 60.63): “Tu tens palavras de vida eterna” (v. 68). Em Mt 16,17, Jesus respondeu: “Não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus” (Mt 16,17). A fé é dom de Deus: “É por isso que eu vos disse: ninguém pode vir a mim, ao não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (v. 65; cf. v. 44).

Como nos outros evangelhos (Mc 8,29p) é Pedro que faz a profissão de fé em nome dos doze: “A quem iremos, Senhor?” (v. 69). Jesus é único, nas suas palavras vibra esta vida superior e eterna. “Nós cremos… que tu és o Santo de Deus” (cf. 10,38; 17,19; Mc 1,24p; Lc 1,34; At 2,27; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7). Santo é Deus (Is 6,3 etc.) e o que está perto dele: seu povo eleito (Ex 19,6; Lv 19,2), principalmente o messias, ungido com o Espírito Santo (1,33s).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas querem conhecer Jesus e ouvir tudo o que ele tem para dizer, mas não querem escutar tudo, mas sim apenas alguns pontos que lhes interessam para a satisfação dos seus desejos e necessidades. Quando essas pessoas ouvem tudo o que Jesus tem para dizer, se escandalizam, afastam-se dele e não querem mais segui-lo. De fato, é muito fácil dizer que Jesus tem palavras muito bonitas, mas nem sempre é fácil aceitar as exigências do Evangelho. Porém, não podemos nos esquecer que somente Jesus tem palavras de vida eterna, e que só consegue ouvir de fato as palavras de vida eterna quem crê firmemente que ele é o Santo de Deus e busca imitá-lo verdadeiramente na busca da santidade.

 

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