26 de janeiro de 2018 – Sexta-feira, Santos Timóteo e Tito

Leitura: 2Tm 1,1-8 (Leitura Facultativa: Tt 1,1-5; cf. 32ª semana 2ª feira, ano par)

Logo após a festa da conversão de são Paulo (25/01), a Igreja comemora os santos Timóteo e Tito, bispos e discípulos de Paulo.

Timóteo, “filho de uma mãe judia, que abraçara a fé, e de pai grego” acompanhava Paulo desde a segunda viagem missionária do apóstolo (At 16,1-3; 17,45; 18,5; 19,22; 20,4; 1Ts 3,2.6; 1Cor 4,17; 16,10; 2Cor 1,19; Rm 16,21). Como os relatos escritos na primeira pessoa plural “nós” em Atos dos Apóstolos começam depois da vocação em Timóteo em 16,1-3, ele poderia ter escrito um diário das viagens com Paulo que o autor dos Atos incorporou (At 16,10-17; 20,5-21,18; 27,1-28,10).

Tito era grego e acompanhou Paulo na sua segunda viagem a Jerusalém (Gl 1,20; 2,1-3), passou com ele por Trôade, Corinto e a Macedônia (2Cor 2,13; 7,5-7), Éfeso (1Tm 1,3) e a Dalmácia (2Tm 4,10). Paulo o deixou como bispo na ilha de Creta (Tt 1,5).

As duas cartas de Paulo a Timóteo e outra a Tito são chamadas “cartas pastorais“, porque não se dirigem à uma comunidade, sim aos pastores (bispos) para dirigi-las. Muitos exegetas consideram estas cartas escritas por uma redação posterior ao apóstolo Paulo, porque elas descrevem uma organização mais desenvolvida e preocupações diferentes das outras cartas do apóstolo Paulo. Discípulos de um mestre escrevendo em nome dele para dar continuidade era costume de época (por ex. Isaias tem três períodos, ou seja, três autores).

Paulo, Apóstolo de Jesus Cristo pelo desígnio de Deus referente à promessa de vida que temos em Cristo Jesus, a Timóteo, meu querido filho: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor! (vv. 1-2).

O início da leitura de hoje é o início da carta de 2Tm e segue o esquema comum da época em que o autor (suposto) apresenta-se primeiro (v. 1), saúda ao destinatário e deseja-lhe graça e paz (v. 2). Paulo, porém, sabe que estes dons vêm “da parte de Deus …”. Timóteo é chamado carinhosamente “meu querido filho”, porque foi circuncidado e batizado por Paulo e continuou ligado a ele (cf. At 16,3, 1Cor 4,14-17; 2Cor 6,13; Fm 10; 1Jo 2,1; 3,18 etc.). Paulo o deixou em Éfeso (1Tm 1,3) e lembra as lágrimas dele (v. 4).

Dou graças a Deus, – a quem sirvo com a consciência pura, como aprendi dos meus antepassados -, quando me lembro de ti, dia e noite, nas minhas orações. Lembrando-me das tuas lágrimas, sinto grande desejo de rever-te, e assim ficar cheio de alegria. Recordo-me da fé sincera que tens, aquela mesma fé que antes tiveram tua avó Loide e tua mãe Eunice. Sem dúvida, assim é também a tua (vv. 3-5).

Como nas outras cartas, Paulo dá “graças a Deus”, só desta vez não pela fé da comunidade, mas pela fé de Timóteo e de sua família. Sua mãe Eunice era judia e por isso Paulo realizou a circuncisão dele para não contrariar os judeus na missão (cf. At 16,1-3), enquanto se opunha sempre que os cristãos vindos do paganismo (de outros povos) fossem circuncidados. Mas a mãe de Timóteo “abraçara a fé” (At 16,2), tornou-se cristã como a avó Loide (v. 5). Do pai só se sabe que era grego (cristão? Cf. At 16,2).

A “fé sincera” (v. 5) destas três gerações e a “consciência pura como aprendi dos meus antepassados” (v. 3) indicam que o tema das cartas pastorais não é mais a ruptura (entre lei judaica e fé crista) da qual tratam as antigas cartas escritas com ímpeto pelo apóstolo Paulo. A preocupação da terceira geração crista é a continuidade e autenticidade da fé apostólica: preservar a “sã doutrina” e guardar o “depósito da fé” (cf. vv. 12-14; 4,3; 1Tm 1,10, 6,3.20, Tt 1,9.13; 2,1.8).

Por este motivo, exorto-te a reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos. Pois Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e sobriedade (vv. 6-7).

A tradição pelas gerações e a sucessão apostólica aparecem em v. 6: “reavivar a chama do dom de Deus que recebestes pela imposição das minhas mãos” Este dom (em grego charisma) de Deus “não é um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e sobriedade” (v. 7; cf. Rm 8,15; 1Jo 4,18; Is 11,2). Assim estes vv. nos lembram dos sacramentos da crisma e da ordenação cujo gesto principal é a imposição das mãos do bispo que transmite o Espírito e confere uma função na Igreja (cf. 1Tm 4,14; 5,22; At 6,6; 13,3; Hb 6,2).

Não te envergonhes do testemunho de Nosso Senhor nem de mim, seu prisioneiro, mas sofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus (v. 8).

No final da nossa leitura, Paulo se declara ”prisioneiro” (v. 8). Esta carta faz parte das “cartas da prisão” (cf. 2,9; Ef 3,1; 4,1; Fl 1,7.13-14; Cl 4,18; Fm 1.9-10.23), mas, além disso, é considerada o testamento de Paulo, porque já se refere à sua morte (4,6-8.16-18). O jovem Timóteo não deve sentir “vergonha” (v. 8), nem do Senhor crucificado (cf. 1Cor 1,22-24; Mc 8,38p) nem do apóstolo preso (cf. Ef 3,13; Rm 1,16; 5,2-5; Hb 13,3), pelo contrário, gloriar-se do evangelho e participar do sofrimento “confiando no poder de Deus que nos salvou e nos chamou com uma vocação santa” (vv. 8-9). Os pastorais e movimentos juvenis podem se inspirar nestas cartas aos jovens santos Timóteo e Tito (cf. CF 2013).

Evangelho: Lc 10,1-9

Jesus enviou os doze apóstolos (“apóstolo” quer dizer “enviado”, cf. 6,13) para anunciarem o reino de Deus e curar os doentes (cf. v. 9) nos povoados da Galileia. Este envio foi transmitido duas vezes por escrito, um pelo evangelista Marcos (Mc 6,6-13) e outro por uma fonte perdida chamada Q (uma coleção de palavras de Jesus que Mt e Lc usaram além de copiarem de Mc). Enquanto Mt combinou estas duas versões num discurso único (Mt 10,7-16), Lc as manteve distintas em dois discursos: um dirigido aos doze apóstolos (9,1-6) – doze é o número das tribos de Israel, cf. Ex 1,1-5; 24,4; Ap 7,4-8) – e outro dirigido aos 72 (ou 70) discípulos, número tradicional das nações pagas (cf. Gn 10). Para Lc é importante a participação de outros discípulos e discípulas além dos Doze (cf. 8,1-3; 24,9-10.13-35; At 1,14.21-22; 2,1.41 etc.).

O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir (v. 1).

Jesus os enviou “dois a dois” (Mc 6,6), “na sua frente”, não para preparar hospedagem e comida como em 9,52 (cf. 21,29-30; 22,8), mas como precursores espirituais (cf. Lc 24,29-32; Ap 3,20). Aqui Lc pensa já na futura missão nos países pagãos (cf. At 1,8).

E dizia-lhes: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita. Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos (vv. 2-3).

Estes vv. 2-3 sobre a falta dos trabalhadores na grande messe (missão) e dos cordeiros no meio dos lobos são da fonte Q (faltam em Mc 6, mas estão em Mt 9,37-38; 10,16).  À imagem da pesca (5,1-10; Mt 4,19p) se acrescentam a do ceifador (Sl 126) e a clássica do pastor (Jr 23; Ez 34; Sl 23; 80) e que continuam a ser usadas para se descrever o apostolado na Igreja. Jesus assume o ofício de fazendeiro e bom pastor e deixará a seus discípulos a tarefa de colher (cf. Jo 4,37-38; 10).

Estranha, porém, a conduta do bom pastor (cf. Sl 23; Jo 10) de enviar cordeiros no meio de lobos! Mas ele precisa prepará-los para a realidade inevitável de hostilidades futuras (cf. o segundo volume de Lc, os Atos dos Apóstolos, e Paulo em 1Cor 15,31; 2Cor 4,10s). Como cordeiro no meio de lobos, assim os judeus descreviam sua situação no meio das nações, e assim as testemunhas de Jesus vão enfrentar situações semelhantes ao anunciarem o evangelho em Israel e no mundo (cf. At 1,8). Importante que, como cordeiros, não devam usar de violência ao divulgar sua religião (cf. 6,27-36p; 22,35-38; At 7,60 etc.), recomendação nem sempre seguida na história da Igreja. “Eu vos envio” indica a presença eficaz do Senhor.

Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não cumprimenteis ninguém pelo caminho! Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele; se não, ela voltará para vós. Permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não passeis de casa em casa (vv. 4-7).

As recomendações de não levar quase nada pelo caminho estavam em Mc 6,8-9 (lá pelo menos sandálias e um cajado são permitidos) e em Q (Mt 10,9-10), mas Q afirmou ainda que ”o trabalhador merece o seu salário” (v. 7b; Mt 10,10), ou seja, o missionário pode contar com seu sustento pela comunidade (cf. 1Tm 5,17-18 que estabelece dois salários para presbíteros). Em 1Cor 9,14, Paulo confirma estas palavras de Jesus (mas não se vale deste direito nos vv. 15-18).

Também a ordem de “desejar a paz” que voltará se não for um amigo da paz (vv. 5-6) foi transmitida pela fonte Q (Mt 10,11-13). “Shalom” (Paz em hebraico) é a saudação comum em Israel até hoje e significa não só o silêncio das armas, mas a plenitude dos bens (saúde, educação, trabalho, prosperidade,…). As religiões devem transmitir a paz (em árabe, a palavra paz é salem, daí deriva islam e muçulmano). Quem vingará a rejeição ou eventuais ofensas ou agressões é Deus através do seu julgamento (vv. 10-12).

Além da introdução com os novos enviados, nosso evangelista Lc acrescentou mais dois detalhes. O primeiro: “Não cumprimenteis ninguém pelo caminho” (v. 4b). Certamente Lc não quer que o missionário seja mal educado, mas a urgência da Boa Nova (em grego evangelho) não permite que se perca no caminho em conversas fúteis (cf. a radicalidade no episódio anterior em 9,57-62).

O segundo detalhe, “permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que tiverem” (v. 7a), quer evitar missionários vagabundos e pede humildade e adaptação. Hoje chamamos isso de inculturação. A Boa Nova deve-se adaptar à língua e aos bons costumes do povo que a recebe. Isso significa certo desprendimento do missionário, mas os valores de cada povo também enriquecem a ele como a toda a Igreja católica.

Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós’” (v. 9).

“O reino de Deus está próximo de vós” (v. 9) é a mensagem central de Jesus (cf. Mc 1,15 e o comentário da segunda-feira da primeira semana). O anúncio dos discípulos deve corresponder a esta Boa Nova. Os missionários devem seguir o exemplo de Cristo, levar uma vida simples junto com o povo sofrido, confiando em Deus e não nas coisas materiais nem na violência, ao final devem anunciar o Reino de Deus e não o estilo de vida consumista.

O site da CNBB comenta: Jesus escolheu outros setenta e dois discípulos, que não eram os Apóstolos e os enviou à sua frente aos lugares onde ele deveria ir, nos mostrando, assim, que a obra evangelizadora da Igreja não é uma atividade exclusiva dos que pertencem à sua hierarquia, mas é compromisso de todos os que lhe pertencem, que são Igreja, porque todos são, pela graça do batismo, operários da messe do Senhor. E os leigos e leigas, de um modo especial, estão sujeitos às ameaças do mundo por isso são enviados como cordeiros no meio de lobos, uma vez que irão testemunhar, no meio do mundo, os valores que não são do mundo, despertando para si o ódio do mundo, que rejeita o Reino de Deus que é anunciado.

 

 

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