26 de junho de 2017 – Segunda-feira, 12ª semana

 

Leitura: Gn 12,1-9

Hoje e nas próximas semanas ouvimos a história da origem do povo de Israel em Gênesis, sobre os patriarcas e matriarcas Abraão e Sara, Isaac e Rebecca, Jacó que gerou de quatro mulheres doze filhos e uma filha, e ainda a novela de José que termina no Egito onde começa o próximo livro (Êxodo). Pela cronologia da Bíblia, Abraão viveu na idade média de bronze por volta de 1850 a.C., mas estas histórias foram escritas muito tempo depois, usando tradições de diversos locais e lendas de ancestrais, unindo-as numa narrativa (as vezes com relatos paralelos) e numa genealogia.

Não temos outras evidências (p. ex. arqueológicas) além da narrativa bíblica sobre a existência histórica de Abraão. Os peritos da Bíblia consideram Abraão um personagem que serviu aos redatores do exílio e pós-exílio para ser ponto de unidade entre os diversos grupos que formaram o povo de Israel (nômades vindo pelo deserto do oriente, escravos fugidos do Egito, tribos do norte (Israel) e outras do sul (Judá), exilados e remanescentes na terra).

Abraão representa todos eles e percorre os mesmos caminhos por onde o povo de Israel passará na sua história, vindo como nômade saindo de Ur da Caldeia (Babilônia, hoje Iraque; Gn 11,31; 15,7; Ne 9,7), descendo e voltando do Egito (Gn 12,10-20), construindo altares em várias partes do país que eram veneradas em épocas posteriores (cf. vv. 6-8).

Ur é com muita probabilidade a grande cidade da baixa Mesopotâmia (entre os rios Eufrates e Tigres), ocupada pelo clã arameu dos caldeus no 1º milênio. Habitada antes pelos sumérios, ela conhecera um grande esplendor no fim do 3º milênio. Esta caminhada narrada de Abraão saindo de Ur para o norte, Harã, e em seguida pela região oeste, situa-se no 2º milênio a.C., quando havia diversas migrações de populações na região do Crescente Fértil (região entre Mesopotâmia e Egito).

O Senhor disse a Abrão: “Sai da tua terra, da tua família e da casa do teu pai, e vai para a terra que eu te vou mostrar. Farei de ti um grande povo e te abençoarei: engrandecerei o teu nome, de modo que ele se torne uma bênção. Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão abençoadas todas as famílias da terra!” (vv. 1-3). 

O universalismo de Gn 1-11 é substituído pelo foco nas tradições a Abrão. Depois de uma lista dos povos da terra após o dilúvio e o relato da confusão de línguas na torre de Babel (=Babilônia), começou em 11,26 a genealogia de “Abrão” (hebraico Ab-ram, pai sublime) e “Sarai”, que serão chamados Abraão (hebr. Abraham) e Sara a partir de Gn 17.

A Bíblia do Peregrino (p. 31) comenta: Em vez de interromper-se a linha das gerações, começa algo novo. No vazio da esterilidade de Sara, ressoa a palavra do Senhor: no princípio, criadora do universo; agora, criadora da história. Sem introdução, sem precisar a cena ou o momento, a palavra desce e faz um corte na história da humanidade. Ver o comentário de Paulo em Rm 4. É uma ordem categórica, sem explicações. Abrão tem que cortar todas as ligações, cada vez mais particulares, que o prendem. E deve começar sob o signo da saída – rumo ao grande êxodo futuro dos seus descendentes – e com a esperança do descobrimento: em troca da terra que deixa, o senhor lhe mostrará outra. Veja o comentário de Hb 11.

Abraão é chamado por Javé-Deus para sair da sua terra e da sua família com a promessa de terra e descendência e tornar-se uma benção para todas as famílias e nações da terra (12,1-6; 22,18). Com isso, Deus começa algo novo, elege um grupo de pessoas entre os povos para ser um sinal da presença de Deus, um sacramento para eles (cf. a Igreja no documento do Vaticano II, Lumen Gentium 1).

Na exegese do séc. passado, este cap. 12 (exceto os vv. 4b-6) foi atribuído a tradição javista que usa o nome de Yhwh (Javé, traduzido por “Senhor”). Hoje, porém, não se fala mais de uma redação javista do tempo de Salomão, mas de tradições soltas, escritas e incluídas bem depois (cf. abaixo o comentário da Nova Bíblia Pastoral).

Segundo a tradição sacerdotal (escrita no exílio da Babilônia) que apresenta as genealogias, a migração já começou com o pai de Abraão, Taré, que levou Abrão, Sarai e Ló, o sobrinho de Abrão, a Harã (11,26-32). Esta cidade (no sudeste da Turquia) na curva do Eufrates, ao norte de Ur, com a qual tinha relações religiosas e econômicas, era um centro importante de caravanas. Em Harã se adorava o deus (masculino) Lua (Sin) como em Ur (cf. Js 24,2); o nome Taré (hebr. Terah) pode ser derivado do hebr. “lua”, yerah. É nesta região que Isaac voltará a encontrar a família de Abraão (cap. 24). Pode ser que Harã seja a verdadeira pátria de Abrão, já que Ur da Caldeia aparece só em escritos do (pós) exilio (Gn 11,28.31; 15,7; Ne 9,7). Os autores no exílio deviam ter visto Abrão como protótipo da sua volta do exilio da Babilônia para a Terra Santa.

Em Harã, Abrão é chamado para “sair” (palavra chave no Êxodo), continuar a migração, sem sua família, ou seja, sair “da casa do teu pai”. Seu pai Terá morreu em Harã (11,32). Abrão não deve ficar em Harã nem voltar a Ur, mas seguindo as palavras de Deus: “Vai para terra que eu te vou mostrar”. Como vemos depois é para continuar sua migração para a terra de Canaã (11,31; 12,5).

Além dessa nova terra, Deus promete o que Abrão ainda não tem: descendência. Sua mulher “Sarai era estéril e não tinha filhos” (11,30). Em troca da família que deixa, Deus lhe dará como família um povo e um nome que será sinônimo de benção universal e multiplicação (cf. Is 51,1-2; cf. as bênçãos em Gn 1,28; 9,1; 13,15s; 15,15,5; 17,4-8; 18,18; 22,17s; 26,3-5.24; 28,14; 35,11s; 48,3s). Paulo cita esta benção em Gl 3,8 para justificar a inclusão dos pagãos na salvação pela fé em Cristo (cf. At 3,25; 7,3-5; Hb 6,13-15).

“Todas as famílias da terra” (lit. do solo); pode-se traduzir também: por ti se abençoarão todas as famílias do solo. Deus estará ao lado de Abrão e fará dele um ponto de referência, ponto de decisão. Será para outros desafio e também canal de benção. Os seres humanos, ao bendizer a Abraão, reconhecendo-o bendito de Deus, tornar-se-ão credores da benção divina (cf. Is 19,24s; Jr 4,2; Sl 72,17).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 39) comenta: Esta partida para uma terra desconhecida está na origem da grande “casa” ou família que vai ser fundada por Abraão, denominado o “pai dos crentes” tanto pela tradição judaica como pela cristã. Em torno do patriarca reconstruir-se-á, no decurso de uma longa história, a unidade da humanidade, rompida pela iniquidade dos homens, história essa da qual o episódio da torre de Babel constitui uma das ilustrações.

E Abrão partiu, como o Senhor lhe havia dito, e Ló foi com ele. Tinha Abrão setenta e cinco anos, quando partiu de Harã. Ele levou consigo sua mulher Sarai, seu sobrinho Ló e todos os bens que possuíam, bem como todos os escravos que haviam adquirido em Harã. Partiram rumo à terra de Canaã e ali chegaram (vv. 4-5).

A resposta de Abrão é simples obediência. Começa a grande aventura da fé (Hb 11,8). Fé é resposta obediente à palavra de Deus. Abrão leva consigo sua esposa, o sobrinho Ló (chamado de “irmão” em 13,8), os bens e “os seres que haviam adquirido” (lit.), isto é, os rebanhos e os servos ou escravos, (a escravidão será criticada só a partir do Êxodo). Um comentário rabínico interpretou “os seres” como prosélitos (cf. At 2,11; 6,5; 13,43; Mt 23,15), pessoas que Abram e Sarai teriam convertido ao judaísmo.

Os vv. 4b-6 são do estilo da tradição sacerdotal, interessado em dados da família: fala de Sarai, repete o nome Ló e informa a idade de Abrão, 75 anos. Para sair, procurar uma nova vida e tornar-se pai de uma numerosa descendência? Só Deus na causa! Também o destino já foi mencionado com Taré em 11,31: “a terra de Canaã”.

Com fé, Abrão parte para uma terra desconhecida: Canaã (chamada assim por seus habitantes, os cananeus), mais tarde terá o nome de Israel (habitada pelo povo do neto de Abrão, Jacó que foi apelidado Israel em Gn 32,29; 35,10). Os gregos e romanos chamarão a mesma terra de Palestina (este nome deriva dos filisteus que moravam no litoral deste país).

Este ato de fé, atendendo a voz de um Deus invisível e, segundo uma tradição rabínica, deixando atrás as imagens dos muitos deuses da Babilônia, torna Abraão o pai da fé (Rm 4,11; cf. Hb 11,1.8-18: “Fé é ter esperança em realidades que não se veem”) e ancestral das três religiões monoteístas (que acreditam num só Deus): o judaísmo, o cristianismo e o islamismo; todas as três veneram Abraão. Para os muçulmanos, Abraão (Ibrahim em árabe) nasceu em Urushu (hoje Shan-Urfa, = Edessa, 40 km de Harã).

Abrão atravessou o país até o santuário de Siquém, até o carvalho de Moré. Os cananeus estavam então naquela terra. O Senhor apareceu a Abrão e lhe disse: “Darei esta terra à tua descendência”. Abrão ergueu ali um altar ao Senhor, que lhe tinha aparecido. De lá, deslocou-se em direção ao monte que estava a oriente de Betel, onde armou sua tenda, com Betel a ocidente e Hai a oriente. Ali construiu também um altar ao Senhor, e invocou o seu nome. Depois, de acampamento em acampamento, Abrão foi até o Negueb (vv. 6-9).

“Darei esta terra à tua descendência” (v. 6). Esta primeira alusão a uma doação da terra à descendência de Abraão (cf. 13,15;15,18;26-3-4;28,13), apesar de pertencer aos cananeus, gera polêmica até hoje a respeito do Estado atual de Israel. Os “judeus” (israelenses) são descendentes de Abrão, Isaac e Jacó e se consideram donos, os palestinos também se consideram porque são árabes que moram lá desde o séc. VII d.C. (os árabes também são descendência de Abrão e de seu filho Ismael, cf. Gn 16; 21,1-21). O apóstolo Paulo aplica o singular (no texto hebraico e grego) “descendente” (traduzido aqui por descendência) diretamente ao Cristo (Gl 3,16).

Em três etapas, Abrão percorre a terra: Siquém, velha cidade central; Betel, antigo lugar de culto; o Negueb, deserto meridional. No coração da terra estrangeira, o Senhor tem um adorador, Abrão, e vários altares por ele construído. Pela fé de Abrão, o “nome” do Senhor (Yhwh) começa a ser invocado na terra prometida (cf. 4,26).

Siquém era a capital de um pequeno estado dos meados do 2º milênio, onde também se adorava um deus lunar. Ali estão sendo feita escavações importante. Está situada entre os montes Ebal e Garizim e perto da atual Naplusa, na Cisjordânia. Após ter desempenhado um certo papel durante o estabelecimento dos israelitas na terra prometida (cf. Gn 33,18-20; 34; 35,4; Js 24; Jz 9), ela voltará a tornar-se provisoriamente o centro do reino do Norte logo depois da morte de Salomão (1Rs 11-12). Talvez seja o mesmo lugar mencionado em Jo 4,5 (Sicar).

Como o texto sugere, no tempo de Abraão, Siquém já tinha um “santuário” relacionado com um carvalho que era objeto de veneração especial de Canãa (cf. 13,18; 18,1; 35,4.8). Os “carvalhos de Moré”, mencionados em Dt 11,30, talvez sejam idênticos ao “carvalho dos adivinhos” de Jz 9,37 (cf. também Gn 35,4), sendo que moré pode significar “adivinhos”.

Betel, cujo nome significa “casa de Deus” (28,10-22), será um centro religioso muito importante sob a monarquia israelita (fora de Jerusalém, é o lugar mais mencionado no AT; cf. 35,8; Js 7,2; Jz 1,22–25;20,26s; 21,2; 1Sm 7,16; 10,3; 1Rs 12,26-13,34; 18,29; Jr 48,13; Am4,14; 7,10-17; Os 10,15; 2Rs 17,17s; 23,15-20; Esd 2,28; Ne 11,31; 1Mc 9,50). Quanto a Hai que fica perto, cf. Js 7-8; Esd 2,28.

O Negueb é um deserto no sul da Palestina. Abraão e Isaac eram venerados como ancestrais do sul (Negueb: 12,9; 20,1; 24,62; Mambré-Hebron: 13,18; 14,13; 18,1; 23,2.19; 35,27; Bersabeia: 21,33; 22,19; 26,23.33), enquanto Jacó-Israel (Betel: 28,19; 35,1; Siquem: 33,18; 34,2) e José (Efraim e Manassés: Gn 48; Nm 26,28; Js 14,1; 2Sm 19,20; 1Rs 11,28; Am 5,6; Ez 37,19) eram venerados como ancestrais do norte. As bênçãos e promessas foram utilizadas pelos redatores para interligar estas tradições e criar a unidade do povo através da unidade da narrativa. Como os redatores eram do reino de Judá, as tradições de Isaac e Jacó-Israel eram subordinadas ás tradições de Abraão, apresentado como patriarca de todo o povo.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 32) comenta: Dizendo que Abrão, patriarca do sul, teria construído “um altar a Javé” (12,6-7; 13,3-4) em Siquém e Betel, principais regiões do norte (1Rs 12,25.29; Am 7,9), e que Javé teria prometido “esta terra” (v. 7) para os “descendentes” de Abrão, os redatores estão legitimando o domínio que os reis do sul (descendentes de Abrão e de Davi) terão ou desejam ter sobre esta região do norte … A promessa da terra será especialmente reforçada para avivar a esperança dos judeus exilados de retornarem a ela. Esperança que ainda hoje anima milhares de famílias que buscam terra e vida abençoada.

Com este pano de fundo histórico, podemos relacionar e atualizar a leitura não apenas a respeito dos povos do Oriente Médio, mas também aos migrantes no mundo inteiro que fogem de guerra, miséria e perseguição.

Evangelho: Mt 7,1-5

No último dos três capítulos do sermão da montanha (Mt 5-7), começa uma série de breves instruções e exortações. A primeira é contra o julgamento arrogante e “hipócrita”, que despreza e condena.

Não julgueis, e não sereis julgados (v. 1).

O verbo grego krinein (daí nossas palavras “crítica” e “crise”) pode significar julgar, sentenciar, atuar como juiz. Jesus não proíbe avaliar as coisas com objetividade, e sim condenar os outros, usurpando assim a Deus sua autoridade exclusiva de juiz. “O juiz é Deus” (Sl 50,6). O reino de Deus está próximo (3,2; 4,17p), portanto não convém nós julgarmos os homens.

No paralelo Lc 6,37, a frase vem depois do trecho sobre o amor aos inimigos e acrescenta-se: “Não condeneis para não serdes condenados, perdoai e vos será perdoado”. Jesus pratica uma comunhão sem preconceitos com os excluídos da época (“pecadores e cobradores de impostos”, cf. Mt 9,10-13p; Lc 15).

Não julgueis os outros para não serdes julgado por Deus. Do mesmo modo se entenda o v. seguinte (cf. Tg 4,11s). Como tratamos os nossos semelhantes, assim seremos tratados por Deus (cf. o pedido de perdão no Pai-nosso, reforçado por Mt6,12.14s; cf. 18,23-35; 25,31-46). Corresponde à bem-aventurança: Os que não julgam são “os misericordiosos, encontrarão misericórdia”.

Pois, vós sereis julgados com o mesmo julgamento com que julgardes; e sereis medidos, com a mesma medida com que medirdes (v. 2).

Pode se entender: quando os homens julgam, devem levar em conta o juízo de Deus; ou: Se Deus aplica a “mesma medida” no juízo, todos os homens são pecadores. Portanto não nos convém condenar, mas perdoar aos semelhantes (cf. 18,23-35).

Os rabinos usavam a proporção (“mesma medida”) como norma positiva do julgamento; Jesus a cita para proibir o julgamento. Paulo aplica o ensinamento à comunidade cristã, a propósito da consciência escrupulosa e formada (Rm 14).

Por que observas o cisco no olho do teu irmão, e não prestas atenção à trave que está no teu próprio olho? Ou, como podes dizer ao teu irmão: “deixa-me tirar o cisco do teu olho”, quando tu mesmo tens uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu próprio olho, e então enxergarás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão(vv. 3-5).

Os vv. 1-2 estavam no plural (vós), os vv. 3-5 estão no singular e exemplificam o princípio antes enunciado (cf. a mesma mudança em 5,21-26.27-30.38-42). Não quer dizer que se deve aplicar o princípio de não julgar apenas ao trato cotidiano entre indivíduos.

A força da metáfora está na inversão (aquele que julga se torna o julgado) e na imagem grotesca: um cisco no olho pode ser uma coisa comum, mas uma trave?! Quem tem uma trave no olho, é completamente cego e incapaz de julgar o cisco do outro.

O ensinamento encerra uma observação psicológica correta: o homem esforça-se por não ver seus defeitos, para assim conviver com eles. O profeta tem de inventar uma personagem fictícia para denunciar o rei ou o povo (2Sm 12; Is 5), Jesus usa parábolas.

A questão da interpretação é o alcance: Estes vv. 1-5 referem-se apenas ao trato cotidiano de indivíduos ou também à justiça do estado e ao direito canônico? O próprio Mt não exclui a admoestação do “irmão quando peca” e mesmo o julgamento em casos extremos (cf. o procedimento em 18,15-17), mas dentro do contexto de amor e perdão (18,12-14.21-35). Na Igreja primitiva, a fraude de Ananias e Safira (At 5,1-11) e o caso de incesto em Corinto (1Cor 5,1-8) foram julgados pelos apóstolos. Quem tem um cargo eclesial não é proibido de julgar; já num escrito antigo (Didascalia 9), a frase de Mt 7,1 só vale para leigos, não para o bispo.

Então restou para esta recomendação de Jesus só a ética individual: evitar julgamentos precipitados, fofocas, proteger a privacidade. A medida do julgar é o amor; na dúvida, julgar “pela parte melhor” e não expor pecados ocultos. St.º Agostinho: “Não julgar sem ciência (conhecimento), sem amor, sem necessidade.”  Só quem admoestou a si mesmo e tirou a trave do seu próprio olho, não é um “juiz perverso” (hipócrita), mas age conforme o evangelho.

Só entre os monges, os anabatistas e não-conformistas, os vv. 1-5 foram interpretados de maneira mais radical. Para os anacoretas (primeiros monges no Egito e Síria), este princípio de não julgar tornou-se essencial, quase como foco da existência cristã. No deserto, não havia muitas tentações do mundo, mas o próprio pensamento pode estar longe da perfeição exigida por Jesus. Esta perfeição é o contexto de não julgar (Mt 5,48; cf. Lc 6,36s!). Nos mosteiros se vive esta perfeição, mas na margem do mundo (diferente dos profetas, os monges do deserto não questionaram o mundo, mas a deixaram em paz), porém, na consciência de que o reino de Deus inclui uma inversão dos valores (cf. as bem-aventuranças em 5,1-12).

A maioria dos exegetas não toca no direito do estado de julgar (só houve um conflito na Igreja anglicana entre Cromwell e Harrison que queria abolir os tribunais do estado), mas o significado do crucifixo na sala do tribunal ganha sentido, mesmo num estado laical: quem julga, vai ser julgado também; o réu Jesus tornou-se juiz do mundo.

O site da CNBB comenta: A maioria das pessoas está mais preocupada com os pecados dos outros do que com os próprios, sempre apresentando o argumento de que os pecados dos outros são mais graves e exigem uma maior preocupação. O trabalho de transformação do mundo deve começar pela transformação e pela conversão pessoal. Se cada pessoa estivesse realmente preocupada com a própria conversão e de fato fizesse tudo o que está ao seu alcance, contando com a graça divina para uma verdadeira mudança de vida, muitos dos problemas que estão presentes na nossa sociedade já estariam superados. Portanto, que cada um olhe para si, se descubra pecador e se converta, para contribuir de fato com a conversão do mundo.

 

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