29 de novembro de 2016 – Terça-feira, Advento 1ª semana

Leitura: Is 11,1-10

Ouvimos hoje um grande poema messiânico, paralelo e complementar de 9,1-6 (1ª leitura da noite de Natal), com o qual compartilha vários temas: o “rebento” (cf. 4,2) sucessor, a justiça como fundamento, a paz universal, dois nomes/títulos.

O poema de Is 11 define determinados traços essenciais do Messias vindouro: ele é do trono davídico (v.1), será cheio de espírito profético (v.2), fará reinar entre os homens a justiça, reflexo terreno da santidade de Javé (vv. 3s; cf. 1,26; 5,16) e restabelecerá uma paz paradisíaca (vv. 6-8), fruto do conhecimento de Javé.

A fecundidade da terra produz uma planta (“rebento”, v. 1) e se conjuga com o dinamismo do vento (“espírito”, v. 2) para formar um líder ideal que pela prática eficaz da “justiça” realiza o sonho da paz (vv. 3b-5) e o estende ao reino animal (vv. 6-8) reproduzindo o paraíso. Os animais se reconciliam entre si e com o ser humano reconciliado plenamente com Deus. O cenário é um “monte” (v. 9; 2,2-5), consagrado pela presença de Deus.

Nascerá uma haste do tronco de Jessé e, a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor (v. 1).

Nos vv. anteriores, Isaías havia profetizado que uma árvore frondosa seria cortada, na linguagem oriental quer dizer a corte real (11,33s; cf. Ez 17; Dn 4), ou seja, os governantes em Jerusalém, cuja soberba Isaías criticava desde 2,6ss. Mas sua destruição pelos inimigos assírios (cerca se 711 a.C.) não será total.

Jessé era o pai de Davi (1Sm 16, 1s, cf. Rt 4,22) e antepassado de todos os reis de Judá e do Messias (cf. Mt1,6-16). As origens não são significantes, o tronco está cortado; mas uma seiva perene, a promessa divina, vivifica essa cepa. Alguns pensam que a indicação de Mt 2,23, “será chamado nazareno”, alude ao termo hebraico nézer –rebento (cf. 4,2; Jr 23,5; 31,15; Zc 3,8; 6,12).

Sobre ele repousará o espírito do Senhor:espírito de sabedoria e discernimento,espírito de conselho e fortaleza, espírito de ciência e temor de Deus;no temor do Senhor encontra ele seu prazer (vv. 2-3a).

O rebento se ergue como centro dos quatros pontos cardeais ou quatro ventos (quatro vezes “espírito”;“sopro, vento, espírito” traduzem a mesma palavra hebraica ruah). Estranhamente os quatros convergem e “pousam” sobre o menino. Resumem o “alento do Senhor” em plenitude (cf. Is 61,1; Lc 4,18).O “espírito deYhwh(Javé ou Iahweh, traduzido por Senhor)”, ou o “santo espírito de Javé” (42,1; 61,1s; 63,10-13; Sl 51,13; Sb 1,5; 9,17), seu “sopro”, atua através de toda a história bíblica.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1377) comenta: Ainda antes da criação, ele repousa sobre as águas do caos (Gn 1,2) e dá a vida a todos os seres (Sl 104,29-39; 33,6; Gn 2,7, cf. 37,5-6.9-10). É ele que dá a habilidade aos artífices (Ex 31,3; 35,31), o discernimento aos juízes (Nm 11,17), a sabedoria a José (Gn 41,38); ele suscita os juízes (Jz 3,10; 6,34; 11,29) e os reis Saul e Davi (1Sm 11,6; 16,13). Enfim e acima de tudo, ele inspira os profetas (Nm 11,17. 25-26; 24,2; 1Sm10,6.10; 19,20; 2Sm 23,2; 2Rs 2,9; Mq 3,8; Is 48,16; 61,1; Zc 7,12; 2Cr 15,1; 20,14; 24,20), enquanto os falsos profetas seguem seu próprio espírito (Ez 13,3, cf. ainda Dn 4,5.15; 5,11-12.14).

O texto de Is 11 quer ensinar que esse espírito dos profetas será dado ao rei prometido, ao messias (cf. 42,1; 61,1).Jl 3,1-2 anuncia para o tempo messiânico a sua efusão universal (citado em At 2,16 -18). Como a doutrina da sabedoria (cf. Pr8,22-31; Sb 7,22-8,1), a doutrina do espírito encontrará sua expressão definitiva no Novo Testamento (cf. Mc 1,10p; Mt 10,20; Lc4,18s; 10,21; Jo 1,32-34; 3,4-8; 4 24; 7,39; 14,16s.26; 15,26; 16,7-10; 19,30; 20,22; At 1,8; 2; Rm 5,5; 8,1-27, etc.).

O espírito profético profere ao Messias as virtudes eminentes de seus grandes antepassados: “sabedoria e inteligência” de Salomão, “prudência e bravura” de Davi, “conhecimento e temor de Javé” dos patriarcas e dos profetas, Moisés, Jacó e Abraão (cf.9,5).

“Sensatez e inteligência” é uma dupla sapiencial frequente: significa a percepção intelectual, a habilidade para agir. “Força e prudência” recolhem dois títulos de 9,5 como virtudes de governo e militares. “Conhecimento e respeito (temor) do Senhor” sintetizam o sentido religioso, feito de tratamento confiante e reverência.

O hebraico acrescenta um verso (3a) que repete e perturba a composição, mas que deu motivo à teoria dos “sete dons do Espírito” (as traduções antigas em grego e latim acrescentam “piedade” em vez de repetir “temor” em v. 3a).

Ele não julgará pelas aparências que vê nem decidirá somente por ouvir dizer;mas trará justiça para os humildes e uma ordem justa para os homens pacíficos; fustigará a terra com a força da sua palavra e destruirá o mau com o sopro dos lábios. Cingirá a cintura com a correia da justiça e as costas com a faixa da fidelidade (vv. 3b-5).

Da plenitude dos carismas brota o governo justo, exercido principalmente no ato de julgar (Sl 72; 101; Jr 22,15s), não pelas aparências (cf. 1Sm 16,7). Julgar inclui eliminar aqueles que, promovendo a injustiça, tornam a paz impossível. A palavra do juiz é vara que executa a sentença.Vencerá não pela força bruta, mas pela Palavra e o Espírito, pela justiça e verdade (verdade=fidelidade, cf. Sl 45,4; cf. Jo 18,36s).

O lobo e o cordeiro viverão juntos e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito;o bezerro e o leão comerão juntos e até mesmo uma criança poderá tangê-los.A vaca e o urso pastarão lado a lado,enquanto suas crias descansam juntas;o leão comerá palha como o boi;a criança de peito vai brincarem cima do buraco da cobra venenosa;e o menino desmamado não temerá pôr a mão na toca da serpente (vv. 6-8).

A justiça traz paz não só para a sociedade, mas também se estende à natureza, até para o âmbito animal (como na linguagem popular, os animais podem simbolizar pessoas também; cf. Gn 49,9: leão; Sl 22,13s; 17.22: cães, búfalos; Lc 13,31s: raposa; Jo 1,29 e Ap 5; cordeiro; etc.). O poeta forma duplas de animais selvagem e domestico; a cada três duplas aparece o homem na figura de menino. O homem, até o mais fraco, torna a submeter e domesticar os animais (cf. Gn1,26.28; 2,19s). Resta um animal que se diria inconciliável. Pois bem, também fazem as pazes a serpente e o homem, ou mais exatamente, a descendência da mulher que é a criança (cf. Gn 3,15). E não se trata de vitória difícil, mas de brincadeira infantil.

O pecado dos primeiros seres humanos contra Deus (Gn 3) havia quebrado a harmonia entre o homem e a natureza (Gn 3,17-19), entre um homem e outro homem (Gn 4). Os profetas anunciam guerras e invasões como castigo das infidelidades de Israel. Ao invés, trazendo o perdão dos pecados, a reconciliação com Deus e o reino da justiça, a era messiânica estabelece a paz que é sua consequência: fertilidade do solo (Am 9,13-14; Os 2,19.23-24); desarmamento geral (Is 2,4; Mq 4,3-4; 5,9-10; Zc 9,10); paz perpétua (Is 9,6; 32,17; 60,17-18; Sf 3,13; Zc 3,10; Jl 4,17). A Nova Aliança é uma aliança de paz (Ez 34,25; 37,26). O reino messiânico é um reino de paz (Zc 9,8-10; Sl 72,3-7). Esta paz estende-se ao reino animal, até a serpente, responsável pela primeira falta: a era messiânica é descrita aqui simbolicamente como um retorno à paz paradisíaca (cf. Jesus no meio das feras após vencer satanás em Mc 1,13b).

Não haverá danos nem mortes por todo o meu santo monte:a terra estará tão repleta do saber do Senhor quanto as águas que cobrem o mar (v. 9).

Destruídos os perversos e amansadas as feras, instaura-se um paraíso, cujo centro é o “santo monte” do Senhor (cf. 2,2s; 25,6 etc.). No primeiro, o homem (“Adão”) se perdeu por ambicionar a “ciência de Deus” (cf. Gn2,17: o conhecimento do bem e do mal); neste segundo, ela é concedido ao homem como “conhecimento (saber) do Senhor”, conhecer convivendo. Isso é plenitude de alegria e paz, só comparável à imensa plenitude do mar.

Naquele dia, a raiz de Jessé se erguerá como um sinal entre os povos;hão de buscá-la as nações, e gloriosa será a sua morada(v. 10).

Um autor posterior, no estilo de discípulo (Segundo Isaías), acrescentou um quadro de restauração nacional em vv. 10-16. Por isso, da imagem vegetal salta desajeitadamente a militar do estandarte (“sinal”, 5,26). Em 2,2-5 os pagãos buscavam o Senhor; aqui buscam o sucessor de Davi. “Morada” pode ser: para o povo, a terra prometida (Dt 12,9; 1Rs 8,56); para o Senhor, o templo (Sl 132,8), genericamente, a situação de paz e descanso (Is 28,12). Aqui pode se situar a corte, a capital e o reino.

 

Evangelho: Lc 10,21-24

O evangelho de hoje apresenta o messias Jesus exultando no Espírito, revelando sua união com o Pai e o momento histórico da sua vinda esperada por profetas e reis e testemunhada pelos discípulos.

Naquele momento, Jesus exultou no Espírito Santo e disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue pelo meu Pai. Ninguém conhece quem é o Filho, a não ser o Pai; e ninguém conhece quem é o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (vv. 21-22).

Este júbilo de Jesus e a bem-aventurança em seguida, Lc copiou da sua fonte comum com Mt (chamada Q; cf. Mt 11,25-27; 13,16s), mas destaca o “Espírito Santo” (cf. 1,41.67; 2,25-27). Junto com a transfiguração (9,28-36), este é um momento culminante do evangelho. Uma alegria sobre-humana, infundida pelo Espírito Santo, brota incontida e se expressa nessa confissão. Com estas palavras, Jesus se transfigura e irradia luz de revelação. Sugestões ou vislumbres do AT parecem convergir neste ponto, especificamente da Sabedoria personificada (Pr 8,22-31; Eclo 24).

A oposição entendidos (“sábios e inteligentes”) e ignorantes (“pequeninhos”) é clássica na literatura sapiencial (Eclo 21,12-24 e outros). Aqui invertem-se os valores em virtudes de uma revelação superior e em paralelo com outras inversões (cf. o canto de Maria em 1,51-53 e as bem-aventuranças em 6,20-26). Os entendidos são aqui os chefes judeus; os ignorantes são os discípulos (compara-se com a função da lei, que “instrui o ignorante”, no Sl 19,8); mas o enunciado ultrapassa o horizonte temporal (cf. 1Cor 1-2). O Pai revela antes de tudo a filiação única de Jesus (3,22; 9,35). Jesus é o filho, revelador do Pai (o evangelho de João desenvolverá essa teologia).

Jesus voltou-se para os discípulos e disse-lhes em particular: “Felizes os olhos que vêem o que vós vedes! Pois eu vos digo que muitos profetas e reis quiseram ver o que estais vendo, e não puderam ver; quiseram ouvir o que estais ouvindo, e não puderam ouvir” (vv. 23-24).

Jesus se dirige especialmente aos discípulos em particular. Talvez Lc quisesse sublinhar com isso o papel importante deles como testemunhas oculares (1,2; At 1,21s; 4,20; 10,39). Essa é uma bem-aventurança para o “ver” e o “ouvir” penetrando em termos de encarnação; ver e ouvir no e pelo Filho ao Pai (cf. 1Jo 1,1-2). O apóstolo Paulo insistiu bastante nos prolongados silêncios que cercaram o “mistério” (Rm 16,25; cf. 1Pd 1,10-12) antes de se revelar no Filho de Deus. “Profetas”, que vislumbravam o futuro, e “reis”, que prolongavam a dinastia: pode-se aduzir o pedido do povo (Is 63,19), a menção de reis (Is 52,15 e 60,3) e também Davi, rei-profeta, como suposto autor dos salmos. Eclo 48,11 refere-se à volta de Elias: “Feliz quem te vir antes de morrer”. Em Lc, o velho Simeão com o menino Jesus nos braços confessa: “meus olhos viram” (2,29-30). Os discípulos são testemunhas privilegiadas dessa revelação que se estenderá a todos os cristãos.

O site a CNBB comenta: Felizes somos todos nós que nos abrimos à ação da graça divina e reconhecemos a presença de Jesus em nossas vidas. Felizes somos todos nós que aceitamos de bom coração esta presença e acolhemos Jesus. Felizes somos todos nós que nos abrimos à ação do Espírito Santo de modo que, conduzidos por ele, renunciamos à sabedoria do mundo como um fim em si e aceitamos o mistério que nos abre para as realidades eternas e imutáveis. Felizes somos todos nós que somos amados por Deus que, a partir da revelação que nos vem por Jesus, nos permite viver conscientemente aqui na terra as realidades do céu.

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