29 de Outubro de 2018, Segunda-feira: Jesus estava ensinando numa sinagoga, em dia de sábado (v. 10).

Leitura: Ef 4,32-5,8

Seguimos uma exortação sobre o comportamento cristão. Muitas recomendações podem ser encontradas no AT, no judaísmo e na cultura grega. O específico cristão costuma ser a motivação e o modelo de Cristo.

A Tradição Ecumênica da Bíblia (p. 1273) comenta: A passagem reúne as imagens tradicionais da catequese batismal. Primeiro encontrou-se a da “vestimenta” que se tira e se veste (4,22-25), depois o tema da “imitação” de Deus (5,1), finalmente o contraste “trevas” e “luz”, tão característico dos textos de Qumran e do cristianismo primitivo (Tg 1,17-18; 1Pd 2,9; 1Jo 1,5-7). As exortações positivas são entrecortadas de “lista de vícios” que se prendem igualmente ao ensino corrente e já se encontram na literatura judaica.

Sede bons uns para com os outros, sede compassivos; perdoai-vos mutuamente, como Deus vos perdoou por meio de Cristo (4,32).

“Perdoai-vos…, como Deus vos perdoou…”; segundo o Pai-nosso e o exemplo do próprio Cristo na cruz (Mt 6,14; Lc 23,34; cf. Eclo 28,1-4).

Sede imitadores de Deus, como filhos que ele ama. Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave odor (5,1-2).

A motivação é profunda: tornar-se imitadores de Deus, imitando o Cristo em seu amor por nós A partir dessa motivação, vem a proposta de viver (lit. “caminhar”) no amor (v. 2) e caminhar como filhos da luz (v. 8).

Imitar a “Deus” é mais comum no Antigo Testamento: O Levítico diz: “Sede santos como eu sou santo” (11,44.45; 19,2; 20,26); no Sl 112 o homem deve assemelhar-se ao Deus do Sl 111. O motivo da imitação de “Deus” é excepcional no NT. Jesus propõe o Pai como exemplo (Mt 5,44s; Lc 6,36; 15,11-32). Nas cartas paulinas, o próprio apóstolo aparece como imitador de “Cristo”, e por isso mesmo propõe-se dos fiéis (1Ts 1,6.7; 1Cor 11,1). 1Pd 2,21 propõe a imitação de Cristo, que corresponde de algum modo ao seguimento (Lc 9,57-62).

A imitação de Deus e de Cristo resulta no amor: “Vivei no amor”. A “entrega por amor” (Gl 2,20; cf. Mt 17,22; 26,2p; 1Jo 3,16) é o culto sacrifical que Deus aceita, “de agradável odor”, segundo a expressão bíblica que exprime a satisfação que Deus encontra na oferenda que lhe é dada (Gn 8,21; Ex 29,18.25; Lv 1,9.13; Nm 28,2 etc.; cf. Sl 40,7; Ez 20,41; cf. Fl 4,18).

A devassidão, ou qualquer espécie de impureza ou cobiça sequer sejam mencionadas entre vós, como convém a santos. Nada de palavras grosseiras, insensatas ou obscenas, que são inconvenientes; dedicai-vos antes à ação de graças. Pois, sabei-o bem, o devasso, o impuro, o avarento – que é um idólatra – são excluídos da herança no reino de Cristo e de Deus (vv. 3-5).

Pequeno catálogo de vícios, comum na filosofia popular (cf. Sb 14,25s; Rm 1,29s; Gl 5,21; 1Cor 6,9s). Para os cristãos, vícios não são apenas faltas morais, mas condutas que impedem o acesso ao reino de Deus (1Cor 1,10; Gl 5,21). Aqui critica-se não apenas o vício como ação errada, mas já as “palavras” sobre os vícios (fofocas?): “sequer sejam mencionadas”, são rejeitadas como “inconvenientes”, melhor dedicar se a coisas positivas, “à ação de graças”, “como convém a santos”.

As cobiças imoderadas prestam a criaturas, particularmente ao dinheiro, um culto que só é devido a Deus e as transformam como que em ídolos (cf. Mt 6,24; Lc 16,13). A avareza como idolatria se baseia na visão dos profetas, que denunciam a cobiça com os mesmos termos que a idolatria.

“Reino de Cristo e de Deus” é expressão única no NT. Ef reúne reino do Cristo e reino de Deus, nitidamente distintos na sequência de 1Cor 15,24-28.

Que ninguém vos engane com palavras vazias. Tudo isso atrai a cólera de Deus sobre os que lhe desobedecem. Não sejais seus cúmplices (vv. 6-7).

As palavras vazias podem se referir a doutrinas erradas (heresias) ou propaganda pagã. “Atrai a cólera de Deus sobre os que lhe desobedecem” (lit. filhos da rebeldia, cf. 2,2s), como narram diversos episódios dos israelitas no deserto: o negar-se a entrar na terra (Nm 13-14), Coré, Datã e Abiram e seus cúmplices (Nm 16; cf. Sl 106). O tema da ira é frequente também em Ezequiel.

Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz (v. 8).

Começa uma sequência 5,8-14 que desenvolve o símbolo tradicional da luz e das trevas (culminando em Cristo como luz do amanhecer no v. 14; cf. Sl 57; Is 60). A seita dos essênios em Qumran (séc. I) também se considerava como “filhos da luz”.

A luz é também símbolo batismal. Antes da fé e do batismo, os destinatários da carta eram pagãos, estando nas “trevas, mas agora” os novos cristãos (batizados; cf. 4,5.24.30) são homens novos “na luz do Senhor” e devem viver (lit. caminhar) “no amor” (5,2) e como “filhos (ou: criaturas) da luz” (cf. 1Ts 5,4-5; Jo 12,36; denominação frequente também nos escritos dos essênios, uma seita judaica no séc. I em Qumran).

 

Evangelho: Lc 13,10-17

No meio do caminho a Jerusalém, no qual Jesus ensina seus discípulos, Lc insere uma cura.

O tempo de Jesus não é só de admoestação, mas também de salvação. Depois de dezoito anos da doença da “filha de Abraão” (Is 51,1-2), que pode simbolizar todo o povo e se encontra sob o domínio de um “espírito” chega o momento da libertação que não pode mais esperar. Precisamente num sábado e numa sinagoga, aos olhos de todos (cf. a cura na sinagoga de um possesso em Mc 1,21-28).

Jesus estava ensinando numa sinagoga, em dia de sábado (v. 10).

Esta controvérsia sobre as curas que Jesus opera “no dia de sábado” pertence ao mesmo gênero literário que 6,6-11 (cópia de Mc 3,1-6) e 14,1-6 (14,5 é da fonte Q; cf. Mt 12,11s). Mas esta cura aqui é narração própria de Lc (como 14,1-6). Sem mencionar uma cidade específica, a parece mais relacionada ao ensino de Jesus na Galileia (cf. v. 31s; 4,16s.31)

Havia aí uma mulher que, fazia dezoito anos, estava com um espírito que a tornava doente. Era encurvada e incapaz de se endireitar (v. 11).

Sob olhar histórico, a participação de uma mulher com uma paralisia no culto da sinagoga surpreende. A descrição da doença faz parte do gênero da época atribuindo a causa ao demônio (aqui uma ação satânica, cf. v. 16; 11,14): ela “estava com um espírito que a tornava doente” (lit. possessa de um espírito de enfermidade). Os detalhes – “dezoito anos… encurvada”, “incapaz de se endireitar” (pode-se traduzir: ela não podia absolutamente se endireitar, ou: não podia levantar inteiramente a cabeça, cf. 21,28) – poderiam dar o diagnóstico skoliasis hystérica.

Vendo-a, Jesus chamou-a e lhe disse: “Mulher, estás livre da tua doença.” Jesus colocou as mãos sobre ela, e imediatamente a mulher se endireitou, e começou a louvar a Deus (vv. 12-13).

Sem ser chamado, Jesus reage: “vendo-a” com este sofrimento, “chamou-a…: ‘Mulher…’” quebrando as barreiras da convenção sinagogal, e sua primeira palavra é de cura e libertação: “Estás livre da tua doença.” A imposição das mãos confirma a palavra eficiente. A Igreja tirou sua consequência na doutrina dos sacramentes, destacando “palavra e gesto” (elemento) ao mesmo tempo.

“Imediatamente, a mulher se endireitou” A cura não foi um ato mágico, mas ação de Deus (verbo no passivo divino, lit.: foi endireitada), por isso ela “começou a louvar (lit. glorificar) a Deus”. O evangelista Lc nota muitas vezes, após manifestações divinas e sobre tudo após os milagres, que as pessoas dão “glória a Deus” (2,20; 5,25s; 7,16; 1313; 17,15.18; 18,43; At 4,21; cf. Mc 2,12) e lhe dirigem seu “louvor” (2,20; 18,43; 19,37; At 3,8s).

O chefe da sinagoga ficou furioso, porque Jesus tinha feito uma cura em dia de sábado. E, tomando a palavra, começou a dizer à multidão: “Existem seis dias para trabalhar. Vinde, então, nesses dias para serdes curados, mas não em dia de sábado” (v. 14).

O chefe da sinagoga “ficou furioso” porque viu nessa cura um “trabalho” proibido pela Lei. A sua objeção soa razoável e pode apoiar-se na lei de Moisés, no terceiro mandamento: “Durante seis dias trabalha e faz tuas tarefas; mas o sétimo dia é um dia de descanso dedicado ao Senhor teu Deus” (Ex 20,8-10); não é preciso profanar o sábado.

O chefe se dirige “à multidão”, talvez representa um protesto de judeus (ou judeu-cristãos) contra a liberdade cristã a respeito da lei judaica (cf. At 15,1 etc.)

O Senhor lhe respondeu: “Hipócritas! Cada um de vós não solta do curral o boi ou o jumento, para dar-lhe de beber, mesmo que seja dia de sábado? Esta filha de Abraão, que Satanás amarrou durante dezoito anos, não deveria ser libertada dessa prisão, em dia de sábado?” (vv. 15-16).

Jesus chama o argumento de legalismo “hipócrita” (falsa). Sob certas circunstâncias era permitido, soltar um animal e dar de bebê-lo, mesmo que seja dia de sábado. Jesus pergunta: Quem tem mais direito na lei, o boi e o jumento (na tradição cristã: os animais no presépio, cf. Is 1,3 salientando a incompreensão de Israel) ou um ser humano?

Jesus chama a mulher “filha de Abraão” (cf. 16,22; 19,8) que pode simbolizar todo o povo (no AT, Is 51,1s dirige-se a Sião e visa a restauração de Israel), e se encontra sob o domínio de um “espírito”, que anda oprimido sem poder erguer os olhos ao céu (cf. 8,26-39p: o endemoninhado geraseno simboliza o povo pagão).

Jesus está a caminho e tem que repartir seus bens que recuperou de Satanás (11,22p), mesmo que seja no sábado. A Bíblia do Peregrino (p. 2503) comenta: Nem sequer um dia se deve esperar para cumprir o que diz o salmo: “endireita os curvados” (Sl 145,14; 146,8)… O encontro da mulher com Jesus andarilho é sua conjuntura. “Procurai o Senhor enquanto se deixa encontrar” (Is 55,6). A terminologia de atar e desatar aponta para o nível de pecado que escraviza e de perdão que liberta.

“O Senhor lhe respondeu”; Lc costuma chamar Jesus de “Senhor”, desde o início da sua narração (1,43; 2,11; 7,13 etc.), não só após a páscoa (cf. At 2,36; Fl 2,9-11). O AT reserve Este título ciosamente a Deus: Kýrios (Senhor) é tradução grega de Yhwh (Javé, cf. Ex 3,14). Aqui lembra outra cura na sinagoga: “O Filho do Homem é Senhor sobre o sábado” (6,5p). Jesus é o “fim (finalidade) da lei” (Rm 10,4) e curar no sábado (reerguer e completar a criação caída, “curvada”) lhe convém (cf. Jo 5,17; 19,30).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1273s) resume: O legalismo religioso impede perceber que a ação do Messias liberta de todo tipo de amarras. A cura da mulher eleva o sábado à sua maior grandeza, por manifestar o propósito pleno da criação: a vida libertada de homens e mulheres, imagens de Deus.

Esta resposta envergonhou todos os inimigos de Jesus. E a multidão inteira se alegrava com as maravilhas que ele fazia (v. 17).

A ação de Jesus já está operando a “divisão” da qual falou antes (12,51-53), aqui entre o povo e os dirigentes. De um lado a vergonha dos inimigos que não leva ao arrependimento, do outro, a alegria do povo. As afirmações teológicas sobre a culpa de Israel não deve levar-nos a condenar o povo dos judeus em geral, “dos quais descende o Cristo, segundo a carne” (cf. Rm 9-11).

O site da CNBB comenta: Quando o valor material está em jogo em uma determinada situação, ninguém duvida sobre a necessidade de uma ação, pois tudo é permitido para evitar a perda material. Mas quando o valor é a pessoa humana, tudo é muito complicado. Não se pode agir por uma série de motivos como proibições legais, necessidade de uma melhor organização, haverá melhores oportunidades, não é assim que se fazem as coisas e uma série de outros argumentos. Tudo isso nos mostra que nos nossos tempos, os valores não são diferentes dos do tempo de Jesus. Nos mostra também que não vivemos plenamente o Evangelho, pois amamos mais o dinheiro do que os nossos irmãos e irmãs.

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