31 de janeiro de 2018 – Quarta-feira, 4ª semana

Leitura: 2Sm 24,2.9-17

Interrompendo a história da família de Davi e da sucessão ao trono que continuará em 1Rs 1-2 (cf. leitura de amanhã), o final dos livros de Sm, o caps. de 2Sm 21-24, contém apêndices, entre eles as duas narrativas de 21,1-14 (fome de três anos) e cap. 24 (peste de três dias). A última (nossa leitura de hoje) tem um paralelo em 1Cr 21,1-22,1.

Nós baseamos os orçamentos públicos, os planos políticos, econômicos e sociais (até eclesiais) nas pesquisas do IBGE e outras estatísticas. Custa-nos a entender porque o recenseamento do povo seria um pecado, como a leitura de hoje insiste. O pecado de Davi é não mais confiar unicamente em Deus. Ele quer saber quanta força militar ele tem (v. 9), quantos recursos humanos para guerra (cf. Lc 14,31s). Mas até agora a força de Israel foi Javé, seu Deus que lutou por seu povo.

Disse, o rei Davi a Joab e aos chefes do seu exército que estavam com ele: “Percorre todas as tribos de Israel, desde Dã até Bersabéia, e faze o recenseamento do povo, de maneira que eu saiba o seu número” (v. 2).

Nossa leitura omitiu o v. 1, em que “a ira do Senhor (Javé) se acendeu contra Israel” e “incitou” Davi (cf. 1Sm 26,19) contra eles, dizendo: “Vai e faze o recenseamento de Israel e de Judá.”

A Bíblia de Jerusalém (p. 504) comenta: O cumprimento do que parece uma ordem divina será considerado por Davi depois como um “pecado” (v. 10) e punido por um flagelo (vv. 15s). A mentalidade religiosa do antigo Israel referia tudo a Deus como à causa primeira. Naquele tempo se considerava um recenseamento como uma impiedade, porque atingia as prerrogativas de Deus, que mantém os registros daqueles que devem viver ou morrer (Ex 32,32-33; cf. Ex 30,12).

No texto paralelo, o cronista ficou incomodado com a ideia de que o próprio Senhor teria instigado Davi e substitui em 1Cr 21,1 “Javé” por “Satã”. Pode-se comparar esta ordem à tentação (prova de fé) induzida por Deus a Abraão de sacrificar seu filho Isaac (cf. Gn 22,2 e o lugar da colina do sacrifício)?

O mesmo verbo “percorrer, ir por” é empregado por Jó 1,7 e aplicado a Satã (satanás). “Desde Dã até Bersabeia” designa toda extensão de Israel, quer dizer: do limite no Norte até o limite no Sul (cf. Jz 20,1; 1Sm 3,20; 2Sm 3,10; 17,11; 24,2.15; 1Rs 5,5). Nos vv. 6-7 (omitidos pela nossa liturgia), o censo vai além das fronteiras do reino e inclui cidades como Tiro e Sidônia (cf. Js 19,28s).

A Bíblia do Peregrino (p. 602) comenta sobre o cap. 24:

Compõe-se de três peças ou seções: o recenseamento (1-9), a peste (10-15), o altar (16-25). A primeira tem caráter administrativo, a segunda é numinosa, a terceira é cultual. As três se organizam perfeitamente: partindo do fato da peste, o recenseamento é sua causa, o altar é seu remédio….

Nesses termos, e respeitando o caráter arcaico, o episódio faz sentido. O mais estranho é o modo de contá-lo. No seu afã de começar e concluir com a ação do Senhor, o autor dificulta a compreensão de seu relato; fica muito clara a grande inclusão, a soberania do Senhor que abrange o curso inteiro dos acontecimentos, causas, efeitos e remédios; vem a ser estranho o seu modo de agir. Se tudo houvesse começado com o pecado de Davi, não nos custaria entendê-lo: afinal, Davi é mediador de bens e de desgraças para o seu povo. Mas o versículo 1 diz que Deus instiga Davi para cometer um pecado, para castigar por essa ocasião o povo (que se supõe pecador).

O primeiro livro das Crônicas, 21,1, corrige, dizendo que foi Satã quem instigou Davi; Satã é o adversário de Israel e do plano de Deus. O narrador primitivo não tenciona racionalizar Deus: aceita sua santidade incompreensível, reconhece o seu domínio sobre os motivos humanos, expressa à sua maneira, em termos antropomórficos, a sua misteriosa ação na história humana. Leremos um caso parecido em 1Rs 22; e o genial autor do Livro de Jó resolverá em termos dramáticos a figura desse “satã” ou adversário do plano de Deus.

Joab apresentou ao rei o resultado do recenseamento do povo: havia em Israel oitocentos mil homens de guerra, que manejavam a espada; e, em Judá, quinhentos mil homens (v. 9).

O recenseamento tem o objetivo de recrutar homens par o exército, para o trabalho forçado e para arrecadar tributos (Ex 30,11-16; Nm 1; 1Sm 8,10-17 1Rs 4,6-9). Portanto só os homens são contados.

Depois de muita exatidão no itinerário e na duração da viagem (vv. 5-8, omitidos pela leitura de hoje), o narrador cede à complacência por números elevados. Números evidentemente elevados demais, como muitos números análogos no AT, e aumentados ainda mais em Crônicas. Israel e Judá são recenseados separadamente (cf. 5,5).

A Bíblia do Peregrino (p. 602) comenta: A população total dificilmente chegaria a um milhão nos tempos de Davi; a proporção de 500.000 para Judá e 800.000 para as dez tribos de Israel tampouco é convincente. O autor parece pensar: é um grande benefício de Deus que fossem tantos, foi um pecado de Davi para contá-los: mas, já que os contou, louvemos a Deus com estes números.

Mas, depois que o povo foi recenseado, Davi sentiu remorsos e disse ao Senhor: “Cometi um grande pecado, ao fazer o que fiz. Mas perdoa a iniquidade do teu servo, porque procedi como um grande insensato” (v. 10).

Depois de consumado o fato, Davi começar entender seu erro; o verbo traduzido por “cometer como insensato” é usado por Samuel na sua denuncia a Saul (1Sm 13,13), e por Saul na sua confissão de Davi (1Sm 26,21).

Pela manhã, quando Davi se levantou, a palavra do Senhor tinha sido dirigida ao profeta Gad, vidente de Davi, nestes termos: ”Vai dizer a Davi: Assim fala o Senhor: dou-te a escolher três coisas: escolhe aquela que queres que eu te envie” (vv. 11-12).

O profeta Gad acompanhou Davi desde o princípio (1Sm 22,5), e ainda chamado de “vidente” em 1Cr 29,29; 2Cr 29,25, assim com outros profetas (Am 7,12; 2Cr 9,29; 12,15; 19,2); em 1Sm 9,9 é usada outra palavra hebraica. Aqui, o profeta não só transmite a palavra de Deus, mas deve também levar a Deus a resposta do homem (a escolha de Davi), cf. 1Sm 12,23.

A tradição de um deus ou um espírito satisfazer três desejos torna-se uma escolha do menos mal. Javé Deus perdoa a culpa, mas impõe uma penitencia. O castigo vai diminuir a população, que com tanto cuidado o rei mandou contar.

Gad foi ter com Davi e referiu-lhe estas palavras, dizendo: “Que preferes: três anos de fome na tua terra, três meses de derrotas diante dos inimigos que te perseguem, ou três dias de peste no país? Reflete, pois e vê o que devo responder a quem me enviou” Davi respondeu a Gad: “Estou em grande angústia. É melhor cair nas mãos do Senhor, cuja misericórdia é grande, do que cair nas mãos dos homens!” (vv. 13-14).

Davi já conhece o que é a fome (três anos em 21,1, duração convencional, cf. Gn 41,27) e o que é fugir diante do inimigo (de Saul em 1Sm 21-31; de Absalão em 2Sm 15-18), mas não conhece a peste. O tríplice está marcado por correspondências sonoras (a mesma tríade encontra-se quinze vezes em Jr e setes vezes em Ez). Até os tempos modernos se invocava a proteção de Deus e dos santos contra os perigos da fome, da espada e da peste.

“Melhor cair nas mãos do Senhor…” (cf. Eclo 2,18). A ideia da “misericórdia” divina é sublinhada nos textos líricos (Sl 51,3; 69,17; 119,157), em Dt (4,31; 13,18; 30,3) e em Jr.

E Davi escolheu a peste. Era o tempo da colheita do trigo. O Senhor mandou, então, a peste a Israel, desde aquela manhã até ao dia fixado, de modo que morreram setenta mil homens da população, desde Dã até Bersabéia (v. 15).

No mundo antigo, não é difícil compreender que a peste apareça como castigo de Deus: o “anjo-enviado do Senhor” (v. 16) ferirá de peste o exército de Senaquerib (2Rs 19,35; Is 37,36), o “exterminador” feriu os egípcios (Ex 12,23). A peste negra no séc. 14 varreu um terço da população na Europa.

“Fome-espada-peste-feras” são quatro divinos vingadores clássicos. Mais que outras desgraças, a epidemia da peste aterrorizava o homem antigo: sua difusão rápida e incontida, sua execução sumária e sem distinção de idades ou pessoas, junto com a ignorância de suas causas e processo, envolviam a peste em aura misteriosa. Era uma força demoníaca, ou um algoz a serviço de Deus misterioso: “A peste que caminha nas trevas, a epidemia que devasta ao meio dia” (Sl 91,6; as versões traduzem: “do demônio ao meio dia”).

Quando o anjo estendeu a mão para exterminar Jerusalém, o Senhor arrependeu-se desse mal e disse ao anjo que exterminava o povo: “Basta! Retira agora a tua mão!” O anjo estava junto à eira de Areuna, o jebuseu (v. 16).

A narrativa combina provavelmente duas tradições: segundo uma, Javé detém o flagelo às portas de Jerusalém por iniciativa própria, porque ama a cidade (v. 16), e Davi oferece um sacrifício de ação de graças “como o Senhor lhe ordenara” (v. 19). Segundo a outra, a libertação é obtida pela oração de Davi e pela construção de um altar (vv. 17.21.25) nesta “eira de Areuna, o jebuseu”. É uma área ainda fora da cidade, sobre uma colina que domina a primitiva Jerusalém ao norte; foi ali que mais tarde se construiu o templo de Salomão (cf. 2Cr 3,1; Gn 22,2). Os jebuseus eram os antigos habitantes pagãos de Jerusalém antes da conquista por Davi (cf. 5,6-9; Dt 7,1).

“O Senhor arrependeu-se desse mal (castigo)”, mesma expressão em Jr 36,3.13.19; 41,10; cf. Ex 32,14; Jr 18,8; Jl 2,13; Jn 3,10; 4,2).

Quando Davi viu o anjo que afligia o povo, disse ao Senhor: “Fui eu que pequei, eu é que tenho a culpa. Mas estes, que são como ovelhas, que fizeram? Peço-te que a tua mão se volte contra mim e contra a minha família!” (v. 17).

Numa concepção já vista, que reconhece um só Deus (ao menos para Israel), a peste não pode ser instrumento de outra divindade adversa (cf. v. 1), mas deve estar submetida ao Senhor. Por isso denuncia um estado de culpa ou contaminação, que se há de remover expiando, aplacando, confessando. Davi confessa o seu pecado (v. 17) e edifica um altar para aplacar a cólera divina (vv. 18-25, continuação da leitura de hoje). Assim como o povo sofreu pela culpa do rei, Davi acredita poder expiar pelo povo.

A oração de Davi está fortemente aliterada: a insistência na vogal i da primeira pessoa e a repetição enfática do pronome pessoal fazem escutar a emoção do rei assumindo toda a culpa. o povo são agora “suas ovelhas”. Neste momento Davi é o rei-pastor, fiel à sua eleição.

A oração de Davi é eficaz como a intercessão de Moises (Ex 32,11-14) que fez com que “o Senhor se arrependeu desse mal (castigo)” (v. 16b). Essa notícia poderia ser lida no final, conforme a seguinte ordem: a peste avança (v. 15) – Davi vê o anjo (v. 16a)– Davi ora (v. 17) – Gad o encarrega de construir um altar (v. 18) – Davi compra a eira (vv. 20-24)– sacrifica e aplaca (v. 25) – o Senhor dá ordem de cessar (v. 16b).

O estado do texto pode indicar que um redator quis ligar a este episódio a compra da eira, lugar da localização do futuro templo (lugar dos cultos e sacrifícios). Por isso a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 490) comenta: O autor que recolheu estes elementos fez do pecado do recenseamento uma “feliz culpa” (cuja iniciativa estava com Deus conforme o v. 1), resultando em benefício público: a instauração de um culto expiatório.

Aliás, foi também através de um recenseamento do povo que Jesus nasceu em Belém, cidade de Davi (cf. Lc 2,1-5).

 

Evangelho: Mc 6,1-6

Esta narrativa, na qual Jesus enfrenta a inesperada reação negativa dos seus conterrâneos, parece estar em continuação com o assunto de 3,21.31-35 (os familiares procurando Jesus), passando por sobre os capítulos 4 e 5, nos quais ele manifesta algo do seu mistério escondido (poder sobre a morte e os espíritos pagãos).

Jesus foi a Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga (vv. 1-2a).

Desde seu batismo no Rio Jordão, Jesus ainda não passou em Nazaré, onde se criou (cf. 1,9.14). Desta vez vem com seus discípulos. “Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga”, conforme seu costume (cf. 1,21-29; 3,1-6; 6,2; Lc 4,14-30; Jo 6,59; At 9,19; 13,14-43 etc.), provavelmente no culto depois da leitura bíblica (Is 61,1s em Lc 4,16-21).

Muitos que o escutavam ficavam admirados e diziam: “De onde recebeu ele tudo isto? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos? (vv. 2b).

O povo conhece de ouvido sua “sabedoria”, suas curas (“grandes milagres”) talvez de vista, mas se nega a tirar as consequências. Numerosos ouvintes “ficavam admirados”, mas não chegam a ter fé.

Para o povo de Nazaré, o empecilho para a fé é a humildade da encarnação: Deus feito homem, situado num contexto social. A expectativa que os conterrâneos têm do messias-profeta não é compatível com os antecedentes familiares e profissionais de Jesus. Nazaré é um lugarejo sem importância (cf. Jo 1,46), então, “de onde ele recebeu tudo isso?” (v. 2)? Vem de Deus (cf. Sb 8,1; Is 11,1-2; Eclo 3,96-10), ou vem do diabo, como já disseram os mestres da lei (“Beelzebu” em 3,22; cf. Tg 3,15)?

Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?” E ficaram escandalizados por causa dele (v. 3).

“Este homem não é o carpinteiro,…?”, certamente não estudou na faculdade de teologia ou direito em Jerusalém ou em outra universidade. Nada na Bíblia indica que Jesus estudava em outro lugar, por ex. na biblioteca famosa de Alexandria (Egito), ou viajou à misteriosa Índia como alguns queriam interpretar a lacuna na biografia de Jesus entre seus doze anos e a idade adulta (cf. Lc 2,42; 3,23). Os ensinamentos de Jesus têm fundo judaico, não outro.

Suas “mãos” são de operário, de artesão, agora realizam milagres de cura (v. 2d)? Ben Sirac comentou: “Aquele que está livre de atividades torna-se sábio. Como poderá torna-se sábio aquele que maneja o arado, … o carpinteiro… o construtor… o ferreiro, … o oleiro?“ (Eclo 38,24-39,11). O messias-rei, o “Filho de Deus” (1,1) sujando as mãos com o trabalho braçal? Mas foi assim que Jesus dignificou o trabalho, não como fardo para escravos (negação do ócio, “neg-ócio”), mas como atividade humana, colaboração na criação e edificação da sociedade. “Carpinteiro”, a palavra grega tekton pode significar um operário com madeira ou com pedra ou metal; é possível pensar num construtor de casas.

“O filho de Maria e irmão de Tiago, José(t), de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?” (v. 3) A ausência da menção do pai é estranha, porque era assim que se tratavam os judeus. Não existia “nome de família”, o nome mais completo era a menção do pai ou do lugar (cf. 1,9.19; 2,14; 3,17-18; 10,35.46; 15,21.43.47; 16,1; Mt 13,55; 16,17; Lc 4,22; Jo 6,42), em caso de mulher, o nome do marido ou do filho (cf. Mt 20,20; 27,56; Lc 8,2s; Jo 19,25). Mas aqui bem como em 3,31-45 e 10,29-30, Mc pode excluir o nome do pai ao pensar que o “Pai” de Jesus é Deus (8,38; 13,32; Abba em 14,36). Deus é também o Pai dos discípulos (11,25; cf. 10,29-30). O evangelho de Mc nunca menciona José (cf. Lc 4,22; Jo 6,42 e Mt 1-2; Lc 1-2). Tudo indica que José já estava morto, mas a expressão “filho de Maria” pode ser também uma alusão ao nascimento virginal de Jesus (cf. Mt 1,16.18-25; Lc 1,26-38).

Os nomes dos irmãos são patriarcais (cf. Gn 35,23). A expressão “irmãos e irmãs” de Jesus (cf. 3,31-35) é interpretada de maneira diferente: para os católicos são apenas parentes; para os protestantes são outros filhos de Maria. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1882) comenta: Na Bíblia, como ainda hoje no Oriente, a palavra irmãos pode designar tanto os filhos da mesma mãe, como parentes próximos (cf. Gn 13,8; 14,16; 29,15; Lv 10,4; 1Cr 23,22).

A própria Bíblia não decide a questão (não está escrito em nenhum trecho da Bíblia que Maria teve apenas um filho, nem está escrito que teve mais de um), mais é tradição da Igreja desde os primeiros séculos que Maria não teve outros filhos além de Jesus. A Igreja Católica considera como revelação divina não só a Bíblia, mas também a tradição da Igreja. O que reforça o dogma da Igreja Católica é a entrega da mãe no pé da cruz ao discípulo amado (Jo 19,26-27). Se existissem outros filhos de Maria, Jesus não precisava entregá-la aos cuidados de um discípulo.

Os conterrâneos “ficaram escandalizados”. Conforme a Bíblia, o “escândalo” não é um mau exemplo nem um fato revoltante, mas na língua grega, um obstáculo, uma armadilha, uma pedra de tropeço que faz cair (cf. Is 8,14-15; 28,16; Mt 11,6p; Rm 9,33; 1Pd 2,8).

Jesus lhes dizia: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. E ali não pôde fazer milagre algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. E admirou-se com a falta de fé deles. Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando (vv. 4-6).

A resposta de Jesus (cf. a confissão de Jr 11,18-12,6) lamenta a falta de estima que um profeta goza “em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (v. 4; cf. Jo 4,44). Esta rejeição de Jesus se repetirá em Jerusalém na condenação do tribunal supremo (sinédrio) e também na travessia da evangelização dos judeus para os pagãos (At 13,44-52; 18,5-6; cf. Lc 4,22-30 coloca o motivo da rejeição também na abertura da salvação aos pagãos). Os círculos de família, classe social e nação tendem a fechar-se. O amor de Deus, porém, não é individualista, classista, nacionalista, mas universal. É preciso abrir mão de privilégios e pré-conceitos produzidos nestes círculos. Jesus “se admirou com a falta de fé deles” (v. 5).

Bento XVI sublinhou a dimensão do êxodo na fé: acreditar em Deus é sair de si (cf. Gn 12,1: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai”). Papa Francisco quer uma Igreja missionária que “sai” às ruas, às periferias.

Sejam judeus ou pagãos, sem fé tem pouco êxito (cf. At 17,32-39). Para realizar milagres, é mister a fé das pessoas, e ali Jesus “não podia fazer milagres algum. Apenas curou alguns doentes, impondo as mãos.” Ainda bem que Maria tinha demonstrado tanta fé exemplar, dizendo sim à encarnação (Lc 1,38). A fé é graça, dom de Deus (cf, Mt 16,16s), mas é também nossa tarefa, aprofundar, compreender, aceitar e viver esta fé.

O site da CNBB resume: Muitas vezes, nós nos apegamos apenas à realidade aparente e colocamos a nossa confiança apenas em critérios humanos para a compreensão dessa realidade. Confiamos principalmente nas nossas experiências pessoais e no que as ciências modernas nos ensinam. Tudo isso faz com que tenhamos uma visão míope da realidade, fato que tem como consequência o endurecimento do nosso coração e o fechamento ao transcendente, ao sobrenatural e, principalmente, às realidades espirituais e eternas. Quando nos fechamos ao próprio Deus, simplesmente nos tornamos incapazes de ver sua presença no nosso dia a dia e dificultamos a sua ação, que visa principalmente o nosso bem.

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