31 de maio de 2018, quinta-feira, Lembra-te de Jesus Cristo, da descendência de Davi, ressuscitado dentre os mortos, segundo o meu evangelho.

Leitura: 2Tm 2,8-15

Continuamos com 2Tm. O autor mais provável é um discípulo da terceira geração (cf. 1,5) que escreve em nome de Paulo e imagina o apóstolo na prisão pouco antes da morte (cf. 4,6).

(Caríssimo:) Lembra-te de Jesus Cristo, da descendência de Davi, ressuscitado dentre os mortos, segundo o meu evangelho.

A carta evocou a “lembrança da fé” de três gerações: Timóteo, sua mãe e sua avó (1,5). Aqui parece lembrar uma profissão de fé (cf. Rm 1,3-4), proveniente dos meios judeu-cristãos.

A Bíblia do Peregrino (p. 2860) comenta: Síntese mínima, em dois tempos, eco de Rm 1,3-4. A “linhagem de Davi” alude ao título messiânico. “Lembra-te” ou conserva na lembrança: se a ressurreição é um fato do passado, a vida gloriosa é sempre atual; Jesus Cristo continua sendo mediador de salvação.

Por ele eu estou sofrendo até às algemas, como se eu fosse um malfeitor; mas a palavra de Deus não está algemada. Por isso suporto qualquer coisa pelos eleitos, para que eles também alcancem a salvação, que está em Cristo Jesus, com a glória eterna (vv. 9-10).

Mesmo que Paulo (ou outra testemunha do evangelho) esteja preso, ninguém consegue algemar a Palavra de Deus (2Ts 3,1). Ao contrário, o sofrimento de quem está detido na cadeia é um sinal ainda mais eloquente da força que tem a palavra que merece fé (v. 11a). A perseguição e a prisão serviram mais de uma vez à difusão do evangelho, como ilustram vários episódios dos Atos ou o que o próprio Paulo diz em Fl 1,12-26.

Como Paulo, os eleitos (destinatários) devem alcançar também a salvação, cuja coroa e a “gloria eterna” (cf. 4,8; Sl 73,24).

Merece fé esta palavra: se com ele morremos, com ele viveremos. Se com ele ficamos firmes, com ele reinaremos. Se nós o negamos, também ele nos negará. Se lhe somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo (vv. 11-13).

“Merece fé (ou: digna de fé) esta palavra” (ou: segura e digna esta palavra): é uma fórmula típica da cartas pastorais da terceira geração (1Tm 1,15; 3,1; 4,9; 2Tm 2,11; Tt 3,8). É uma maneira da chamar atenção e garantir o valor do que se afirma ou cita.

Os vv. 11b-13 são “um cântico de louvor ao mártir” (J. Jeremias), ou um fragmento de hino cristão (como em 1Tm 1,17; 3,16; 6,15s). Aqui enfatiza a participação do cristão nos destinos do próprio Cristo, de acordo com a opção pessoal de cada um (cf. 1Tm 1,15).

“Se com ele morremos, com ele viveremos”, já no batismo o cristão tem comunhão com a morte de Cristo (cf. Rm 6,8) e traz consigo a participação à vida do Ressuscitado. “Se com ele ficamos firmes” (lit.: se nós suportarmos) implica a ideia de ficar firmes, aguentar. Na última estrofe rompe-se o paralelismo das partes e “a lógica se parte diante do amor do Salvador” (J. Jeremias) que fica fiel a suas promessas, para além do pecado do ser humano.

A Bíblia do Peregrino (p. 2860s) comenta: O minúsculo poema se compõem de quatro frases simétricas e uma final assimétrica; a mudança é significativa. Nas quatro, a apódose corresponde a prótese e se dispõem num eixo passado – presente – futuro. Passado é a morte pelo batismo (Rm 6,8); presente é a constância nas tribulações (Mt 10,22); futuro é a ressurreição e glorificação com Cristo. No final se rompe a simetria pela parte forte, pela bondade e misericórdia de Deus (cf. Os 11,8-9; Ez 36,22; Rm 10,11). O dom e a oferta de Deus são irrevogáveis; se o homem os rejeita, ele o conhece e o sanciona.

Lembra-lhes tais coisas e conjura-os por Deus a evitarem discussões vãs, que de nada servem a não ser para a perdição dos ouvintes. Empenha-te em apresentar-te diante de Deus como homem digno de aprovação, como operário que não tem de que se envergonhar, mas expõe corretamente a palavra da verdade (vv. 14-15).

O autor contrapõe ao palavrório profano e perigoso (v. 16) a “palavra da verdade”, que é o evangelho. “Apresentar-te diante de Deus” (a tradução latina Vulgata varia: diante “do Senhor”) com humildade de servo fiel: “como operário”.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1459) comenta: Há problemas reais, como ameaça de novas doutrinas (2,18), deserção de alguns líderes (4,10), defesa de doutrina que outros líderes recusam (2,23; 3,6), arrefecimento do amor (4,16), dispersão de lideranças (4,9-12). Por isso a recomendação de empenho ao serviço do evangelho sem poupar energias (1,6-2,13; 4,1-8), ao cuidado da reta doutrina (3,10-17) e à luta contra os falsos doutores (2,14-18).

 

Evangelho: Mc 12,28-34

No meio das últimas controvérsias com os adversários em Jerusalém (caps. 11-12), Mc nos apresenta um diálogo que não é hostil. É sobre o mandamento do amor (em Jo 13,34, semelhante mandamento é apresentado na última ceia).

Um mestre da Lei aproximou-se de Jesus e perguntou: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” (v. 28b).

No judaísmo, a pergunta sobre o primeiro de todos os mandamentos já era uma polêmica. Muitos a consideravam até uma blasfêmia, fazer diferença entre mandamentos mais importantes e menos importantes, já que cada um vem do Senhor e ele só dá mandamentos importantes. No AT (Antigo Testamento), mais precisamente na Lei de Moisés (os cinco primeiros livros chamados Torá em hebraico, Pentateuco em grego), não só havia o decálogo (os “10 mandamentos”: Ex 20; Dt 5). Os rabinos contavam um total de 613 mandamentos da Lei (365 proibições e 248 mandatos). Não se podia fazer uma síntese de todos eles? As respostas que já foram dadas repetem um dos 10 mandamentos, ex. o primeiro (contra os ídolos) ou o terceiro (santificar o sábado) ou o quarto (honrar os pais). Haverá outras sínteses, mas sem citar um texto bíblico, combinando por ex. os deveres a respeito de Deus e dos semelhantes: “servir com santidade e justiça” (cf. Lc 1,75), ou a Regra de Ouro (cf. Mt 7,12; Lc 6,31). Mas a pergunta de um mestre da Lei requer uma citação da Lei de Moisés.

Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes” (vv. 29-31).

A resposta de Jesus é uma combinação original de dois textos da Lei de Moises. O primeiro começa com o shema (“ouve”), ou seja, a profissão de fé monoteísta que os judeus guardam por escrito em cápsulas e faixas de couro colocadas na testa ou na entrada da casa: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6,4). Como ele é o único (ao contrário do politeísmo), ele exige toda atenção e adoração: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda tua alma, de todo o teu entendimento e com toda tua força” (Dt 6,5).

Do amor a Deus nasce o amor a suas criaturas.  “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Jesus não especifica aqui o significado da palavra “próximo” (em Lv 19,18 era o compatriota; em Lc 10,29-37 será o bom samaritano, ou seja, qualquer um, até o inimigo, cf. Mt 5,43-48p). Estes dois mandamentos equivalem as duas tábuas do decálogo (deles “dependem toda a Lei e os Profetas”, Mt 22,40), e mais ainda: “amar” exige mais criatividade do que “não ter outros deuses, não pronunciar o santo nome em vão”, ou “não matar, não furtar” etc.

O mestre da Lei disse a Jesus: “Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: Ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (vv. 32-33).

Em Mc, o escriba perguntou Jesus sem segundas intenções (v. 28; em Mt e Lc, os fariseus e um legista já querem pô-lo a prova). Ele elogia a resposta de Jesus e a repete com outras palavras (cf. Dt 4,35; Is 45,21) afirmando que cumprir estes dois mandamentos “é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (doutrina frequente no AT, cf. Is 1,10-20; Sl 50; Eclo 34-35).

Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência, e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus (v. 34).

Jesus, por sua vez, atesta a inteligência do mestre da lei e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. O letrado aceitou a soberania de Deus na velha legislação, agora se abre ao reino de Deus presente em Jesus. Para a comunidade de Mc, este letrado simpatizante se incorpora a Igreja e pode representar outros (cf. Mt 13,52). Mt e Lc omitem a resposta e o elogio deste mestre da lei, provavelmente porque ambos escrevem 10 a 15 anos depois de Mc quando já não há mais holocaustos nem sacrifícios, por que o templo foi destruído em 70 d.C.

Em todos os quatro evangelhos, Jesus coloca o amor como critério soberano (cf. ainda Jo 13,34s; 15,12s17). Quem ama, não está mais longe de Deus, porque “Deus é amor” (1Jo 4,8.16; cf. 1Jo 3,11-24; 4,20-21).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas acham que para serem salvas, é suficiente cumprir todas as suas obrigações de ordem religiosa como a participação nas celebrações e atos devocionais. O escriba do Evangelho de hoje afirma que amar a Deus e ao próximo é melhor do que as práticas religiosas, no caso os holocaustos e os sacrifícios, e Jesus confirma isso ao afirmar que ele não está longe do reino de Deus. A nossa vida religiosa só tem sentido enquanto é um reflexo do amor vivido concretamente, ou seja, enquanto é manifestação da nossa solidariedade. Caso contrário, a religião se reduz a práticas mágicas, bruxarias, rituais vazios, que nada acrescentam a ninguém e não nos aproxima de Deus.

A Bíblia Pastoral comenta: Jesus resume a essência e o espírito da vida humana num ato único com duas faces inseparáveis: amar a Deus com entrega total de si mesmo, porque o Deus verdadeiro e absoluto é um só e, entregando-se a Deus, o homem desabsolutiza a si mesmo, o próximo e as coisas; amar ao próximo como a si mesmo, isto é, a relação num espírito de fraternidade e não de opressão ou de submissão. O dinamismo da vida é o amor que tece as relações entre os homens, levando todos aos encontros, confrontos e conflitos que geram uma sociedade cada vez mais justa e mais próxima do Reino de Deus.

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