dia 07 de julho de 2018, sábado: Os discípulos de João aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ”Por que razão nós e os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não?”

Leitura: Am 9,11-15

Nas leituras do livro de Amós que nossa liturgia nos apresentou nos últimos dias, não ouvimos nada das cinco visões (7,1-3; 7,4-6; 7,7-9; 8,1-3; 9,1-4), que anunciaram o fim do reino do Norte, porque a situação era insustentável diante de Deus. Este fim chegou em 722 a.C. pela invasão dos assírios (cf. 2 Rs 17).

No estado atual, o livro de Amós termina com um toque de esperança (9,11-15). Havia profecias positivas sobre a felicidade messiânica já antes do exílio (cf. Os 2,20 etc.), mas a maioria dos biblistas consideram este final de Amós uma esperança vislumbrada dois séculos depois, por judeus no (pós)exílio conscientes de se terem purificado do seu pecado, no amargor do exílio.

Num tempo quando as profecias de Amós sobre a desgraça se cumpriram há tempo, queriam terminar o livro com um horizonte de esperança, inspirado em profecias de salvação por Jeremias e Ezequiel. A introduções “Naquele dia” (v. 11, cf. o dia de Javé em 5,18) e “Eis que dias virão, diz o Senhor” (v. 13; frequente em Jr) repetem as de 8,9.11.13, mas não anunciam mais a desgraça.

As promessas do futuro compreendem a restauração do reino davídico, em imagem de construção, com seus domínios e bênçãos da terra (vv. 11-12), a restauração do povo, em imagem de plantação e de benção de suas tarefas e prosperidade material (vv. 13-14) e a ocupação sem fim da pátria reconquistada (v. 15).

Naquele dia, reerguerei a tenda de Davi, em ruínas, e consertarei seus estragos, levantando-a dos escombros, e reconstruindo tudo, como nos dias de outrora; deste modo possuirão todos o resto de Edom e das outras nações, que são chamadas com o meu nome, diz o Senhor, que tudo isso realiza (vv. 11-12).

Este oráculo supõe a decadência e a supressão da dinastia davídica, fatos posteriores a Amós (o fim do reino do Sul e a destruição de Jerusalém pelos babilônios em 586 a.C.; cf. 2Rs 24). Supõe também firme esperança histórica, fundada na promessa messiânica de 2Sm 7. Só Deus poderá reconstruir (“reerguerei”, “consertarei”) a monarquia, não as forças humanas. “Como nos dias de outrora” parece visar a época de Davi e Salomão (cf. Ml 3,4; Is 51,9; Mq 7,14).

A “tenda” (cabana; cf. 2Cor 5,1) evoca a fragilidade da “casa de Davi” (cf. Is 1,8) linhagem que Deus fará subsistir para sempre (2Sm 7,16), ou talvez a alegria das festas dos tabernáculos (sukkot – tendas; Dt 16,13-15).

Como o proprietário marca com seu nome os objetos que lhe pertencem (cf. 2Sm 5,9; 6,2; 7,13; 12,28; Is 4,1; Sl 49,12), Deus marcou com seu “nome” Israel (Dt 28,10) e também as nações vizinhas, anteriormente submetida a seu domínio por meio de Davi (2Sm 8). A casa de Davi voltará a dominar seus vizinhos, começando por “Edom”, o inimigo clássico, e continuando por outros que, como vassalos, levaram mediatamente o nome do Senhor, lit. “outras nações, que são chamadas com o meu nome”. Isso não se cumprirá depois do exílio na Babilônia, quando todos esses povos se tornarão domínio persa, mas o evento mais próximo é no séc. VI e V, quando as tribos árabes, ou seja, os nabateus, tomaram o território de Edom (cf. Ob 7).

A tradução grega LXX (séc. III a.C.) interpreta o texto numa perspectiva muito mais universalista, adotada por At 15,16-17 onde Tiago, o irmão do Senhor (Mc 6,3p; At 12,17; 15,13; 21,18; 1Cor 15,7; Gl 1,19; 2,9.12; Tg 1,1; Jd 1) e líder da comunidade cristã em Jerusalém, citará estes vv. 11-12 para justificar a aceitação de gentios (não-judeus) na Igreja: “Deus se dignou escolher entre os gentios um povo dedicado ao seu nome” (cf. At 15,13-17).

Tiago cita a versão grega (LXX) de Am 9,11-12, que difere bastante do original hebraico: O hebraico e o grego falam de “reconstruir… como nos dias de outrora”, mas Tiago omite aqui a referencia ao passado. O hebraico anuncia que o futuro reino de Davi reconquistará o resto do povo vizinho e hostil de Edom e os reinos vassalos como propriedade (nome) de Javé. O grego diz apenas que “o resto dos homens e os pagãos todos procurarão” (sem complemento); Tiago acrescenta “o Senhor”. Na última frase da citação reaparece a referência ao passado que foi omitida, mas com uma mudança substancial: não se trata de reconstruir a instituição antiga da monarquia, mas de cumprir as profecias antigas (“conhecidas há muito tempo”).

Eis que dias virão, diz o Senhor, em que se seguirão de perto quem ara e quem ceifa, o que pisa as uvas e o que lança a semente; os montes destilarão vinho e as colinas parecerão liquefazer-se. Mudarei a sorte de Israel, meu povo, cativo; eles reconstruirão as cidades devastadas, e as habitarão, plantarão vinhas e tomarão o vinho, cultivarão pomares e comerão seus frutos. Eu os plantarei sobre o seu solo e eles nunca mais serão arrancados de sua terra, que eu lhes dei, diz o Senhor teu Deus (vv. 13-15).

As colheitas nos campos e vinhas serão tão abundantes que não haverá mais intervalo entre plantio e colheita. A visão agrária fantástica (cf. Jl 4,9) se assemelha a de Is 30,23s, “as colinas parecerão liquefazer-se (ondularão)”: supomos que sejam messes (cf. Sl 72,16). Quando o vento passa por um campo de trigo maduro, as espigas balançam juntas como ondas (fala-se também de lavouras grandes de soja como um “mar verde”).

“Mudarei a sorte de Israel, meu povo, cativo”, ou: “eu farei voltar os cativos de meu povo, Israel” (cf. Jr 33,7).  As maldições de 5,11 (construístes, mas não habitareis; plantastes, mas não tomareis) ficam anuladas e transformadas nas bênçãos opostas.

A mudança inclui o castigo do exílio (4,2s; 5,2.27; 7,11.17) e concorda com Jr 24,6: “Eu deixa eles voltarem para esta terra. Quero edificá-los, não derrubá-los, implantá-los, não arrancá-los” (cf. Jr 31,28; 42,10). “Eu os plantarei sobre o seu solo”, serão “plantação do Senhor” (Is 60,21; 61,3). “Nunca mais serão arrancados de sua terra, que eu lhes dei”o verso final alude à promessa da terra aos patriarcas e que Deus entregou aos pais, e a torna perene: “nunca mais” (cf. Gn 9,11 depois do dilúvio). O livro termina com um eco da fórmula da aliança: “Diz o Senhor teu Deus”.

Podemos olhar na história seguinte até hoje: Depois da volta do exílio (a partir de 538 a.C.), havia a restauração de Jerusalém e do templo no império persa. Aconteceu a ocupação grega em 333 e a revolta dos macabeus que resultou numa época breve de independência (164-63). Os aliados romanos, porém, ocuparam a Palestina em 63 a.C. e destruiram o templo em 70 d.C., proibindo aos judeus morar em Jerusalém em 135. Só em 1948, os judeus recuperaram sua terra por decreto da ONU, mas expulsaram muitos palestinos o que resultou num conflito no Oriente Médio até hoje.

 

Evangelho: Mt 9,14-17

Mt segue o roteiro de Mc apresentado após o perdão e a cura do paralitico (vv. 1-12) e o banquete na casa do publicano Mateus (vv. 9-13), uma terceira controvérsia.

Os discípulos de João aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ”Por que razão nós e os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não?” (v. 14).

Desta vez a controvérsia não é com os mestres da lei nem com os fariseus, mas os discípulos de João Batista se surpreenderam com o estilo de vida de Jesus e seus discípulos.

Mt continua copiando do evangelho de Mc (cf. Mc 2,18-20; Lc 5,33-35), mas pode resumir mais. Os seus leitores já sabem que João Batista era um asceta (3,4; cf. 11,18) e os discípulos dele (cf. 11,2-3; 14,12), igual aos fariseus, costumavam praticar jejuns particulares (cf. Zc 7, uma consulta sobre um jejum particular). O jejum era tradicionalmente praticado por lei ou por devoção, como expressão de arrependimento, humildade ou luto (cf. Zc 7,3-5 e a crítica em Is 58).

Disse-lhes Jesus: ”Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo será tirado do meio deles. Então, sim, eles jejuarão (v. 15).

Bem no estilo dos mestres do judaísmo (rabinos), Jesus responde com outra pergunta comparando-se com o noivo na festa de casamento (v. 15a; cf. Ct 5,1). No AT (Antigo Testamento), Javé Deus é o esposo de Israel, com que selou aliança (cf. Os 2; 3,16-25; Is 49; 54; 62; Ez 16 etc., aplicado a Jesus no NT em Ef 5,22-32). O casamento é tempo de alegria partilhada (Jr 16,8-9; Ct 3,11; 5,1; Sl 45). O messias é o noivo (cf. Mt 22,1-14; 25,1-13), esposo da nova aliança. João não é o esposo nem o messias de Israel (cf. Jo 3,28-29). Os discípulos de João Batista ainda estão na velha mentalidade da penitência e não descobrem que a festa já começou (cf. At 19,1-7).

Mas “dias virão em que o noivo será tirado do meio deles” (v. 15b), ou seja, o fim trágico da morte de Jesus (cf. Is 53,8). É o primeiro anúncio, ainda indireto, da paixão (cf. 16,21; 17,12.22-23; 20,17-19), além da alusão ao Servo do Senhor (8,17; Is 53,4). “Então, sim, eles jejuarão” (v. 15c). E como jejuarão? Em Mt, Jesus já se pronunciou em 6,16-18. Na Igreja Católica, a Sexta-feira Santa, “dia em que o noivo foi tirado”, é dia de jejum e abstinência da carne (como também é a quarta-feira de Cinzas no início da quaresma).

Ninguém coloca remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão fica maior ainda. Também não se coloca vinho novo em odres velhos, senão os odres se arrebentam, o vinho se derrama e os odres se perdem. Mas vinho novo se coloca em odres novos, e assim os dois se conservam” (vv. 16-17).

O casamento inaugura uma vida nova, não é um tapa-buraco, por isso “ninguém coloca remendo de pano novo em roupa velha” (v. 16) e “não se coloca vinho novo em odres velhos” (v. 17; cf. Jó 32,19). Com a imagem do casamento podem-se conciliar a da roupa e a do vinho. Ambas têm associações nupciais (p. ex. Is 52,1; 61,10; Sl 45, 9; Ct 2,4; 8,2) e servem para explicar a “novidade” (“renovando seu amor” diz Sf 3,17; e o português “noivo” vem do latim novus). “Antigo”, velho, é o adjetivo que Paulo aplica à aliança de Israel (2Cor 3,14). As instituições velhas não podem conter o amor do noivo Jesus (cf. Gn 2,24). Ele não é um mestre judaico a mais, mas traz algo novo que tornará “antiquada” a antiga aliança: “o antigo passou, chegou o novo” (cf. 2Cor 5,17; Hb 8,13; Ap 21,5 e as antíteses em Mt 5,21-48: “Vós ouvistes dos antigos,… Eu, porém vos digo…”). Será o Novo Testamento (NT), a “nova aliança” no sangue de Jesus (cf. 26,28p; Ex 24,8; Jr 31,31). No evangelho de hoje, aos poucos, a ruptura entre o antigo Israel e o novo povo de Deus, a Igreja, se faz sentir.

O site da CNBB comenta: Muitas vezes somos totalmente incapazes de compreender o momento que estamos vivendo e a graça que Deus está nos proporcionando. Assim aconteceu com os judeus no tempo de Jesus e acontece hoje. Enquanto Jesus estava mostrando a presença do Reino e a atuação de Deus na vida do povo, os judeus estavam mais preocupados com práticas religiosas tradicionais como o jejum. É claro que a história e a tradição, assim como as práticas religiosas em geral possuem seus valores, mas é importante que não nos fixemos na tradição pela tradição ou na prática religiosa pela prática em si ou por ser costume, mas é necessário que saibamos descobrir os valores do Reino presentes, pois caso contrário podemos reduzir até mesmo a eucaristia a uma prática religiosa como as demais, sendo apenas remendo novo em pano velho.

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