02 de junho de 2016 -9ª Semana 5ª feira

Leitura: 2Tm 2,8-15

Continuamos a leitura da carta que parece o Testamento de Paulo, mas foi escrita provavelmente no fim do sec. I. O autor quer manter viva a tradição do apóstolo e, lembrando os sofrimentos de Paulo, motivar para um testemunho corajoso no meio do mundo pagão.

Lembra-te de Jesus Cristo, da descendência de Davi, ressuscitado dentre os mortos, segundo o meu evangelho (v. 8).

Nossa leitura começa com um brevíssima síntese do evangelho, uma profissão de fé (cf. Rm 1,3s), proveniente dos meios judeu-cristãos. A “descendência de Davi” alude ao título messiânico “Cristo”. Timóteo deve lembrar-se (ou: conservar na lembrança): se a ressurreição é um fato do passado, a vida gloriosa é sempre atual; Jesus Cristo continua sendo mediador da salvação.

Por ele eu estou sofrendo até às algemas, como se eu fosse um malfeitor; mas a palavra de Deus não está algemada (v. 9).

Por causa de Cristo, Paulo sofre mais uma vez na cadeia, neste momento em Roma pela segunda vez, pouco antes do seu martírio (cf. 1,8; Ef 3,1 etc.). Vários episódios dos Atos ilustram que inclusive a prisão serve mais de uma vez à difusão do evangelho, como ele mesmo diz em Fl 1,12ss.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1460) comenta: Mesmo que a testemunha do evangelho esteja presa, ninguém consegue acorrentar a Palavra de Deus (2Ts 3,1). Ao contrário, o sofrimento de quem está preso é um sinal ainda mais eloquente da força que tem a palavra digna da fé.

Por isso suporto qualquer coisa pelos eleitos, para que eles também alcancem a salvação, que está em Cristo Jesus, com a glória eterna (v. 10).

Como o Cristo, Paulo sofre pelo povo, pelos eleitos que é a Igreja (cf. Cl 1,24). A “glória eterna” coroa a salvação (cf. Sl 73,24).

Merece fé esta palavra: se com ele morremos, com ele viveremos. Se com ele ficamos firmes, com ele reinaremos. Se nós o negamos, também ele nos negará. Se lhe somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo (vv. 11-13).

”Merece fé esta palavra” (lit. fiel esta palavra): frase típica das cartas pastorais (1Tm 1,15; 3,1; 4,9; 2Tm 2,11; Tt 3,8) como meio de chamar a atenção dos leitores a respeito de um conteúdo, alusão ou citação que eles reconhecem. Aqui introduz um fragmento de um hino (cf. 1Tm 1,17; 3,16; 6,15s) que enfatiza a participação do cristão nos destinos do próprio Cristo, de acordo com a opção pessoal de cada um (1Tm 1,15).

A Bíblia do Peregrino (p. 2860s) comenta: O minúsculo poema se compõe de quatro frases simétricas e uma final assimétrica; a mudança é significativa. Nas quatro, a apódose corresponde à prótase e se dispõem num eixo de passado – presente – futuro. Passado é a morte pelo batismo (Rm 6,8); presente é a constância nas tribulações (Mt 10,22); futuro é a ressurreição e glorificação com Cristo. No final se rompe a simetria pela parte forte, pela bondade e misericórdia de Deus (cf. Os 11,8-9; Ez 36,22; Rm 10,11). O dom e a oferta de Deus são irrevogáveis; se o homem os rejeita, ele o reconhece e o sanciona.

 

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2331) comenta: Na última estrofe rompeu-se o paralelismo dos estíquios. “A lógica se parte diante do amor Salvador” (J. Jeremias) que fica a suas promessas, para além do pecado.  

Lembra-lhes tais coisas e conjura-os por Deus a evitarem discussões vãs, que de nada servem a não ser para a perdição dos ouvintes. Empenha-te em apresentar-te diante de Deus como homem digno de aprovação, como operário que não tem de que se envergonhar, mas expõe corretamente a palavra da verdade (vv. 14-15).

Timóteo deve lembrar-lhes (aos eleitos, cf. v. 10) tais coisas (acima citadas: a síntese da fé cristã, o sofrimento do apóstolo em prol da comunidade, o hino) para evitarem “discussões vãs”. Deve contrapor ao “palavrório profano” (v. 16) e perigoso a ”palavra da verdade”, que é o evangelho, e seu próprio testemunho coerente, como “homem digno de aprovação, como operário que não tem de que se envergonhar”

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1460) comenta os próximos vv.: Nas palavras vazias está a ideia errônea de que a ressurreição já aconteceu no batismo, e que no futuro aconteceria apenas uma ressurreição espiritual… A solidez da palavra de Deus é ilustrada com duas citações. A primeira insiste na iniciativa de Deus, que conhece os seus, conforme Nm 16,5. A segunda acentua a resposta humana, com citação livre de Nm 16,26 e Is 26,13.

 

Evangelho: Mc 12,28-34 (cf. Quaresma 3ª semana 6ª feira)

Ouvimos no evangelho de hoje sobre o mandamento do amor. Entre as últimas controvérsias com os adversários em Jerusalém (caps. 11-12), Mc nos apresenta um diálogo que não é hostil.

Um mestre da Lei aproximou-se de Jesus e perguntou: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” (v. 28b).

No judaísmo, a pergunta sobre o primeiro de todos os mandamentos já era uma polêmica. Muitos a consideravam até uma blasfêmia, fazer diferença entre mandamentos mais importantes e menos importantes, já que cada um vem do Senhor e ele só dá mandamentos importantes. No AT (Antigo Testamento), mais precisamente na Lei de Moisés (os cinco primeiros livros chamados Torá em hebraico, Pentateuco em grego), não só havia o decálogo (os “10 mandamentos”: Ex 20; Dt 5). Os rabinos contavam um total de 613 mandamentos da Lei (365 proibições e 248 mandatos). Não se podia fazer uma síntese de todos eles? As respostas que já foram dadas repetem um dos 10 mandamentos, ex. o primeiro (contra os ídolos) ou o terceiro (santificar o sábado) ou o quarto (honrar os pais). Haverá outras sínteses, mas sem citar um texto bíblico, combinando por ex. os deveres a respeito de Deus e dos semelhantes: “servir com santidade e justiça” (cf. Lc 1,75), ou a Regra de Ouro (cf. Mt 7,12; Lc 6,31).

Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes” (vv. 29-31).

A resposta de Jesus é uma combinação original de dois textos da Lei de Moises. O primeiro começa com o shemá (“ouve”), ou seja, a profissão de fé monoteísta que os judeus guardam por escrito em cápsulas e faixas de couro colocadas na testa ou na entrada da casa: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6,4). Como ele é o único (ao contrário do politeísmo), ele exige toda atenção e adoração: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda tua alma, de todo o teu entendimento e com toda tua força” (Dt 6,5).

Do amor a Deus nasce o amor a suas criaturas.  “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Jesus não especifica aqui o significado da palavra “próximo” (em Lv 19,18 era o compatriota; em Lc 10,29-37 será o bom samaritano, ou seja, qualquer um, até o inimigo, cf. Mt 5,43-48p). Estes dois mandamentos equivalem as duas tábuas do decálogo (deles “dependem toda a Lei e os Profetas”, Mt 22,40), e mais ainda: “amar” exige mais criatividade do que “não ter outros deuses, não pronunciar o santo nome em vão”, ou “não matar, não furtar” etc.

O mestre da Lei disse a Jesus: “Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: Ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (vv. 32-33).

Em Mc, o escriba perguntou Jesus sem segundas intenções (v. 28; em Mt e Lc, os fariseus e um legista já querem pô-lo a prova). Ele elogia a resposta de Jesus e a repete com outras palavras (cf. Dt 4,35; Is 45,21) afirmando que cumprir estes dois mandamentos “é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (doutrina frequente no AT, cf. Is 1,10-20; Sl 50; Eclo 34-35).

Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência, e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus (v. 34).

Jesus, por sua vez, atesta a inteligência do mestre da lei e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. O letrado aceitou a soberania de Deus na velha legislação, agora se abre ao reino de Deus presente em Jesus. Para a comunidade de Mc, este letrado simpatizante se incorpora a Igreja e pode representar outros (cf. Mt 13,52). Mt e Lc omitem a resposta e o elogio deste mestre da lei, provavelmente porque ambos escrevem 10 a 15 anos depois de Mc e da destruição do templo (70 d.C.) e já não há mais holocaustos nem sacrifícios.

Mas em todos os quatro evangelhos, Jesus coloca o amor como critério soberano (cf. ainda Jo 13,34s; 15,12s17). Quem ama, não está mais longe de Deus, porque “Deus é amor” (1 Jo 4,8.16; cf. 1 Jo 3,11-24; 4,20-21).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas acham que para serem salvas, é suficiente cumprir todas as suas obrigações de ordem religiosa como a participação nas celebrações e atos devocionais. O escriba do Evangelho de hoje afirma que amar a Deus e ao próximo é melhor do que as práticas religiosas, no caso os holocaustos e os sacrifícios, e Jesus confirma isso ao afirmar que ele não está longe do reino de Deus. A nossa vida religiosa só tem sentido enquanto é um reflexo do amor vivido concretamente, ou seja, enquanto é manifestação da nossa solidariedade. Caso contrário, a religião se reduz a práticas mágicas, bruxarias, rituais vazios, que nada acrescentam a ninguém e não nos aproxima de Deus.

O apóstolo São João nos diz que quem afirma que ama a Deus a quem não vê e não ama o seu irmão a quem vê é um mentiroso. O evangelho do hoje nos mostra que o amor a Deus está intimamente atrelado ao amor aos irmãos, de modo que só ama verdadeiramente a Deus quem vive concretamente o amor ao próximo, pois Deus é amor e quem ama permanece em Deus, o que faz com que o amor ao próximo se torne a grande forma de culto a Deus. Quando não vivemos o amor, não cultuamos verdadeiramente a Deus, e assim nos submetemos às mais variadas formas de idolatria que nos são propostas pelo mundo moderno.

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