02 de Março de 2019, Sábado: Ele abraçava as crianças e as abençoava, impondo-lhes as mãos (v. 16).

Leitura: Eclo 17,1-13 (grego 1-15)

A leitura de hoje é parte de uma meditação longa do autor Ben Sirac sobre o relacionamento de Deus para com o ser humano (16,24-18,14). Deus manifesta sua sabedoria por meio da criação (cf. Gn 1-2), O autor Jesus Ben Sirac alude à criação dos astros e dos animais na terra e “a ela voltarão (16,30). Em seguida trata da criação do homem, em três estrofes de quatro versos. Não recorre a imagens da mitologia, mas a tradições do povo.

Da terra Deus criou o homem, e o formou à sua imagem. E à terra o faz voltar novamente, embora o tenha revestido de poder, semelhante ao seu. Concedeu-lhe dias contados e tempo determinado, deu-lhe autoridade sobre tudo o que está sobre a terra. Em todo ser vivo infundiu o temor do homem, fazendo-o dominar sobre as feras e os pássaros (vv. 1-4).

Desde o início é o contraste entre o ser humano fraco, criado “da terra” e voltando “à terra” (cf. 16, 30; Gn 2,7; 3,19; Ecl 3,20; 12,7), depois dos “dias contados e tempo medido” (Gn 6,3; Sl 90,3.10), e o ser humano sendo “imagem de Deus” com “poder semelhante” e “autoridade sobre tudo que está sobre a terra” (vv. 1-3; cf. Gn 1,27-18; 9,2; Sl 8; Sb 9,1-3).

A Bíblia do Peregrino (p. 1609) comenta:

Primeira estrofe. Inverte de proposito a ordem tradicional (Gn 1,27s): a condição mortal do homem – domínio sobre a terra – imagem de Deus. Ou seja, não apresenta a condição mortal como consequência de um pecado, mas como própria de sua natureza “terrena”. A ordem é ascendente: embora mortal, pode dominar e é imagem de Deus. Como Sl 8,7-9, insiste no domínio sobre outros viventes.

No final desta estrofe, um leitor, ao que parece de formação estoica, acrescentou um verso (5) conservado por alguns manuscritos: “Recebeu o uso de cinco obras do Senhor (cinco sentidos), como sexto dom concedeu-lhes a inteligência e como sétimo a linguagem que interpreta as obras de Deus”. É interessante escutar um autor antigo sobre a função “hermenêutica” da linguagem.

Deu aos homens discernimento, língua, olhos, ouvidos, e um coração para pensar; encheu-os de inteligência e de sabedoria. Deu-lhes ainda a ciência do espírito, encheu o seu coração de bom senso e mostrou-lhes o bem e o mal. Infundiu o seu temor em seus corações, mostrando-lhes as grandezas de suas obras. Concedeu-lhes que se gloriassem de suas maravilhas, louvassem o seu Nome santo e proclamassem as grandezas de suas obras (vv. 5-8).

Ben Sirac destaca os sentidos, que capacitam o homem para percepção e expressão: “discernimento, língua, olhos e um coração para pensar” (v. 5); para época da Bíblia, o coração é o centro da pessoa e sede da inteligência para refletir e tomar as decisões; cf. Gn 8,21; Lc 2,19.51). “Infundiu o seu temor em seus corações” A maioria dos manuscritos gregos trazem “seu olho”, que designa a inteligência.

 

 

O ser humano não só vê, mas está dotado de inteligência, ciência, sabedoria, bom senso e ética (cf. vv. 5-7) também entende as obras de Deus e deve louvá-lo. “Concedeu-lhes que se gloriassem de suas maravilhas, louvassem seu nome santo” (v. 8; cf. Sl 8; 104; Rm 1,19-20).

A Bíblia do Peregrino (p. 1609) comenta: Segunda estrofe. O homem criado para conhecer e louvar a Deus. O autor não se limita à narração do Gênesis. Para o louvor são necessários olhos e ouvidos que percebem, mente que compreende, boca que proclama. Além disso, o homem é animal ético: mal e bem se propõem à liberdade, conforme 15,11-20; Dt 30,15.19.

Concedeu-lhes ainda a instrução e entregou-lhes por herança a lei da vida. Firmou com eles uma aliança eterna e mostrou-lhes sua justiça e seus julgamentos. Seus olhos viram as grandezas da sua glória e seus ouvidos ouviram a glória da sua voz. Ele lhes disse: “Tomai cuidado com tudo o que é injusto!” E a cada um deu mandamentos em relação ao seu próximo (vv. 9-12).

Depois do louvor da criação, o louvor pela Lei de Deus (cf. Sl 19): “Concedeu-lhes ainda a instrução e entregou-lhes por herança a Lei da vida”; alguns manuscritos gregos acrescentam: a fim de que refletissem que, agora, são mortais.

O Deus do universo tornou-se o Deus do povo de Israel: “Firmou com ele uma aliança eterna” (v. 10; Is 55,3) no Sinai, onde “mostrou … seus julgamentos” (a lei de Moisés), e “seus olhos viram as grandezas da sua glória e seus ouvidos ouviram a glória da sua voz” (v. 11; cf. Ex 19-20; 34,10s; Dt 4,11s).

A Bíblia do Peregrino (p. 1610) comenta: Terceira estrofe. O autor projeta a experiência histórica na criação, conforme as tradições bíblicas; a situação de Adão é descrita como aliança com lei e mandamentos. Como no Sinai, a aliança primordial é promulgada com manifestação de glória/esplendor e de voz/trovão.

Parece alusão às duas tábuas da lei: “’Tomai cuidado com tudo o que é injusto (ou: idolatria)!’ E a cada um deu mandamentos em relação ao seu próximo”.

Os caminhos dos homens estão sempre diante do Senhor e não podem ficar ocultos a seus olhos.

O ser humano louvando o Criador e seguindo os mandamentos de Deus que tudo vê, torna se sábio e encontra a vida.

Na maioria da edições, o v. 13 já faz parte da próxima secção sobre o juiz divino de quem nada escapa (vv. 13-20, grego 15-24). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1743s) comenta um acréscimo (glosa) posterior (Grego 248): “Seus caminhos desde a juventude voltam-se para o mal e não são capazes de mudar seu coração de pedra num coração de carne…” Esta glosa que remete a Gn 6,5; Ez 11,9; 36,26, destoa por seu pessimismo do que Ben Sirac afirma a respeito da liberdade humana (cf. 15,11-20) ou da conversão (17,24-26).

 

Evangelho: Mc 10,13-16

Na sua catequese sobre família, depois de se manifestar sobre a duração do casamento (indissolubilidade, vv. 2-12), Jesus acolhe as crianças.

Traziam crianças para que Jesus as tocasse. Mas os discípulos as repreendiam (v. 13).

Pessoas anônimas, provavelmente da multidão que Jesus ensinava em v. 1, traziam crianças “para que Jesus as tocasse” como sinal de benção ou cura (cf. 5,28-31.41; 6,56 etc.). De novo, os discípulos que em Mc só pensam nos primeiros lugares (cf. 9,34; 10,37) não entendem o valor dos pequenos e os rejeitam. Na sociedade antiga, crianças não estavam no centro da atenção, tinham pouco valor, pois não podiam ainda contribuir como os adultos. Os romanos costumavam jogar crianças indesejadas no lixo.

Vendo isso, Jesus se aborreceu e disse: “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele” (vv. 14-15).

Já no cap. anterior, Jesus colocou uma criança no meio, deu carinho e se identificou com ela (cf. 9,36-37). Enquanto nas outras religiões, é o ancião que é valorizado por sua sabedoria, na religião cristã também é a criança que ganha valor, porque o próprio Jesus se fez pequeno e servo. Ele apresenta aqui a humildade e a confiança das crianças como exemplos de fé. O Reino de Deus é graça, não mérito ou pretensão. Nós adultos não devemo-nos omitir de responsabilidades apresentando um comportamento infantil (ou juvenil), mas podemos e devemo-nos sentir como crianças diante de Deus Pai (cf. Sl 131; 8,3; Mt 11,25-30; 21,16) e dar às crianças a devida atenção, carinho e cuidado.

Ele abraçava as crianças e as abençoava, impondo-lhes as mãos (v. 16).

Como sinal de carinho e proteção, Jesus abraça as crianças e abençoa-as, “impondo-lhes as mãos”. O mesmo gesto é usado em curas (Mc 6,5; 7,32; 8,23-25; 16,18; Lc 4,40; 13,13; At 9,12.17; 28,8) e na transmissão do Espírito para cargos eclesiais (cf. At 6,6; 13,3; 1Tm 4,14; 5,22; 2Tm 1,6; Hb 6,2). Hoje a psicologia reconhece a importância da fase infantil para o desenvolvimento da pessoa humana. Desde suas origens, a Igreja se empenha pela vida (contra aborto) e tem instituições como orfanatos, creches, pastoral da criança, pastoral do menor, catequese, colégios etc.

O site da CNBB comenta: O Reino de Deus é para aqueles que são como crianças. A criança é aquela que depende totalmente das outras pessoas e não tem nada a oferecer em troca daquilo que lhes dão. Assim devemos ser diante de Deus. Devemos ter plena consciência de que dependemos totalmente dele para que possamos entrar no Reino dos Céus e nada podemos oferecer em troca disso. A salvação nos é dada pelo amor gratuito de Deus e pelos méritos de Jesus Cristo. Ninguém pode se salvar. Jesus é o único salvador. Devemos, como as crianças diante dos adultos, colocar a nossa confiança em Deus, e viver em constante ação de graças porque ele, gratuitamente, nos salva.

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