03 de junho de 2016 – Sagrado Coração de Jesus – Ano C

A festa do Sagrado Coração de Jesus, sexta-feira, celebra-se na semana após a Solenidade de Corpus Christi, ou seja, numa sexta-feira lembrando o coração transpassado de Jesus na Sexta-feira Santa (cf. Jo 19,34). A festa litúrgica origina-se numa visão que Jesus fez a Santa Margarida de Alacoque, em 27 de dezembro de 1673, festa de São João Evangelista. Margarida acabava de sair do hospital, estava de joelhos, rezando na capela, sentiu a presença interior de Deus e escutou a voz de Jesus, dizendo-lhe as seguintes palavras: “O meu coração está tão apaixonado pelos homens, que não pode conter as chamas que o inflamam e precisam se expandir. Escolhi o teu coração, Margarida, para ser todo meu”. Jesus disse que Santa Margarida assumisse o lugar do apostolo João Evangelista na última ceia. A partir, de então, Margarida começou a ser interlocutora do Sagrado Coração de Jesus.

A devoção do Coração de Jesus está intimamente ligada ao Apostolado da Oração, fundado em 1844, na França, pelo padre jesuíta Francisco Xavier Gautrelet. O Apostolado da Oração está presente em 85 países do mundo e 40 milhões entre membros zelados e zeladores. No Brasil, o primeiro centro do Apostolado foi fundado em 30 de junho de 1867. Hoje e nos próximos dias, muitas pessoas receberão a fita do Sagrado Coração de Jesus. Oferecer o dia, unir ao Coração de Jesus e rezar por uma intenção mensal (do papa) são os pilares da espiritualidade do Apostolado da Oração. “Jesus manso e humilde de coração! Fazei o nosso coração semelhante ao vosso!”

1ª leitura: Ez 34,11-16

A leitura e o evangelho desta festa do Sagrado Coração de Jesus no Ano C mostram seu amor para com os perdidos da vida, como um bom pastor procura as ovelhas.

No imaginário literário do Antigo Oriente, o rei é o pastor do seu povo que deve cuidar dele. Antes de ser tornar rei de Israel, Davi era pastor de ovelhas (1Sm 16-17). O profeta Natã prometeu a permanência do trono a dinastia de Davi (2Sm 7), mas os reis que se seguiam não seguiram as leis de Deus, mas praticaram idolatria, oprimiram o povo e fizeram alianças erradas com os povos vizinhos.

Os profetas Jeremias e Ezequiel criticam os reis de Judá da sua época e os chamam de maus pastores, só apascentam a si mesmos em vez de apascentar o povo, fazem política pessoal em vez de trabalhar pelo bem comum do povo, ao contrário exploram e abandonam o povo (vv. 1-10; Jr 2,8; 10,21; 23,1-3). Esta situação levou a destruição de Jerusalém (587 a.C.) e ao exílio na Babilônia onde Ezequiel escreve.

Assim diz o Senhor Deus: Vede! Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas. Como o pastor toma conta do rebanho, de dia, quando se encontra no meio das ovelhas dispersas, assim vou cuidar de minhas ovelhas e vou resgatá-las de todos os lugares em que forem dispersadas num dia de nuvens e escuridão (vv. 11-12).

Também Deus como bom pastor é motivo frequente (cf. Ez 34,11s; 20,34; Sl 23; 79,13; 80,2; 95,7; 199,3; Is 40,11; cf. Mt 9,36; 15,24; 26,31; Jo 10).

O próprio Senhor Deus se apresenta como pastor que juntará suas ovelhas dispersas. De fato, os exilados são insistentemente (14 vezes) chamados de “minhas ovelhas”, o que enfatiza a teologia do povo eleito (37,23). Com estes vv. começam as promessas de salvação.

Já em 33,21, a notícia da destruição de Jerusalém chegou aos ouvidos de Ezequiel. Agora o profeta mudou de tom, não anunciará mais o desastre, mas uma mudança para o melhor: as “ovelhas dispersas” (os exilados) voltarão “de todos os lugares em que forem dispersadas num dia de nuvens e escuridão” (alusão à destruição de Jerusalém em 586 a.C. e ao castigo de Deus. Já Am 5,18 anunciava que o “dia do Senhor” seria “dia das trevas”).

Vou retirar minhas ovelhas do meio dos povos e recolhê-las do meio dos países para conduzi-las à sua terra. Vou apascentar as ovelhas sobre os montes de Israel, nos vales dos riachos e em todas as regiões habitáveis do país. Vou apascentá-las em boas pastagens e nos altos montes de Israel estará o seu abrigo. Ali repousarão em prados verdejantes e pastarão em férteis pastagens sobre os montes de Israel. Eu mesmo vou apascentar as minhas ovelhas e fazê-las repousar – oráculo do Senhor Deus (vv. 13-15).

Ez anuncia o fim do exílio. Javé Deus vai “retirar… do meio dos povos” o exilados e “recolhê-los” (cf. Is 66,18s; Mc 13,27p) para conduzi-los aos “montes de Israel”, à cidade santa (20,37-40). Promete paz (abrigo, repousar) e prosperidade (férteis pastagens).

Libertado das autoridades que dele abusam, o povo pode reconhecer que a verdadeira autoridade é o próprio Deus, que projeta liberdade e vida para todos. Desse modo, nasce um novo discernimento político: o povo aprende que só poderá construir uma sociedade justa e fraterna quando souber escolher governantes que façam do projeto de Javé o alicerce do seu próprio projeto. João releu este capítulo e viu em Jesus a concretização do Deus pastor e do rei pastor que liberta a humanidade e a reúne em um só rebanho (Jo 10).

Vou procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada, enfaixar a da perna quebrada, fortalecer a doente, e vigiar a ovelha gorda e forte. Vou apascentá-las conforme o direito (v. 16)

Como um bom rei-pastor, o próprio Deus vai à luta para resgatar uma ovelha (1Sm 17,34-36; cf. Mq 4,6s; Jr 23,1-4; Ez 34,11-16). O Senhor cumpre pessoalmente as tarefas de pastor num momento crítico para o rebanho. Nas etapas dessa ação pode-se descobrir o esquema clássico do êxodo transportado para o retorno do desterro: reunir-tirar-levar (vv. 12-13), chegando a terra, terminam os cuidados extraordinários e começam as tarefas ordinárias do pastor, suprindo o que não fizeram os maus pastores, cf. vv. 14-15: “apascentar,… repousar em prados verdejantes” (cf. Sl 23), “procurar a ovelha perdida” (v. 16; cf. Lc 15,3-7 o evangelho de hoje), “fortalecer a doente e vigiar a ovelha gorda e forte” (outra tradução: “eliminar a ovelha gorda e forte”, porque vai “julgar entre ovelha e ovelha, … entre a ovelha gorda e a ovelha magra…” (vv. 17-22).

Judá e Israel serão reunidos e a aliança será renovada com um coração novo (36,24-28). Israel será liberto da opressão e “ressuscitará” como povo (37,1-14). Não só Javé Deus fará isso sozinho do céu, mas (res)suscitará na terra um pastor que apascentará as ovelhas, Davi (vv. 23s; cf. Jr 23,5). Ez não dispensa a constituição monárquica, mas nunca chama o novo Davi de “rei”, apenas de “pastor”, “servo”, “príncipe” (34,23-31).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1655) comenta todo desenvolvimento da metáfora do pastor: A imagem do rei-pastor é antiga no patrimônio literário do Oriente. Jeremias aplicou-se aos reis de Israel, para lhes reprovar o mau cumprimento das suas funções (Jr 2,8; 10,21; 23,1-3), e para anunciar que Deus dará ao seu povo novos pastores, que o apascentarão na justiça (Jr 3,15. 23,4), e entre esses pastores um “germe” (Jr 23,5-6), o Messias. Ezequiel retoma o tema de Jr 23,1-6, que ainda será retomado mais tarde por Zc 11,4-17; 13,7. Ele reprova os pastores (aqui os reis e chefes leigos do povo) por seus crimes (vv. 1-10). Iahweh lhes tirará o rebanho que eles maltratam e se fará ele próprio o pastor do seu povo (cf. Gn 48,15; 49,24; Is 40,11; Sl 80,2; 95,7 e Sl 23); é o anúncio de uma teocracia (vv. 11-16): de fato, na volta do Exílio, a realeza não será restabelecida. É mais tarde que Iahweh dará ao seu povo (cf. 17,22; 21,32) um pastor da sua escolha (vv. 23-24), um “príncipe” (cf. 45,7-8.17; 46,8-10.16-18), novo Davi. A descrição do reinado desse príncipe (vv. 25-31) e o nome de Davi, que lhe é dado (ver 2Sm 7; cf. Is 11,1-9; Jr 23,5-6), sugerem uma era messiânica, quando o próprio Deus, por meio do seu Messias, reinará sobre o seu povo na justiça e na paz. Encontra-se neste texto de Ezequiel o esboço da parábola da ovelha perdida (Mt 18,12-14; Lc 15,4-7) e sobretudo a alegoria do Bom Pastor será um dos temas iconográficos mais antigos do cristianismo.

 

2ª leitura: Rm 5,5b-11

Ouvimos no Ano C a continuidade da 2ª leitura da festa da Santíssima Trindade. Depois de falar da justificação pela fé e não pelas obras da lei, Paulo falou na carta aos romanos da esperança e do amor (vv. 1-5).

O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (v. 5b).

“Justificados pela fé, estamos em paz com Deus” (v. 1); por isso, começamos a viver a “esperança da glória de Deus” (v. 2). Essa esperança é vivida em meio a uma luta perseverante, ancorada na certeza, garantida “pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Só aqui o Espírito Santo é tal vinculado ao “amor de Deus” que se manifesta em Jesus Cristo; uma visão trinitária: Deus é amor em três pessoas (cf. 1Jo 4,8.16).

Com efeito, quando éramos ainda fracos, Cristo morreu pelos ímpios, no tempo marcado. Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a morrer. Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores (vv. 6-8).

“Quando éramos ainda fracos”, ou seja, impotentes para nos desvencilhar do pecado.

A Bíblia do Peregrino (p. 2713) comenta os vv. 6-10: Exalta o amor desinteressado de Jesus Cristo com um sistema de quatro oposições que produzem efeito cumulativo. Malvados perdoados, culpados indultados, inimigos reconciliados, reconciliados legitimamente orgulhosos (Is 45,25; Sl 64,11). A morte de Cristo de é antes de tudo revelação do amor incondicional de Deus: um amor não suscitado por nossa boa conduta, pelo contrário. Não podemos estar orgulhosos de nós: todo nosso orgulho reside em Deus. Já não orgulhosos de seu poder (Sl 115,3) mas do seu amor.

Muito mais agora, que já estamos justificados pelo sangue de Cristo, seremos salvos da ira por ele. Quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com ele pela morte do seu Filho; quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida! Ainda mais: Nós nos gloriamos em Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo. É por ele que, já desde o tempo presente, recebemos a reconciliação (vv. 9-11).

O sangue (= morte) de Cristo nos trouxe vida e salvação. No fundo está o texto de Is 53: “justificados pelo sangue”, “reconciliados pela morte do seu filho” (vv. 9-10); o servo inocente de Deus nos traz vida e salvação (cf. 1 Jo 4,10). Agora já que fomos reconciliados, podemos crer com maior razão e esperar que sejamos salvos pela vida-ressurreição de Jesus (vv. 10-11).

“Seremos salvos por sua vida”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2180) comenta: Desde agora justificados (v. 9), reconciliados com Deus (vv. 10-11), graças ao sangue, isto é, à morte do Cristo (vv. 9-10), os crentes aguardam, cheios de esperança, a salvação escatológica, último fruto da Ressureição de Cristo (v. 10). Paulo nunca separa a morte de Cristo da sua ressurreição (cf. 4,25). A perspectiva dos vv. 9-11 é a mesma que a de Rm 5,2 e 8,11.

 

Evangelho: Lc 15,3-7

O evangelho de hoje apresenta a primeira de três parábolas dirigidas aos fariseus e os mestres da Lei que se consideram justos, cheios de méritos, e se escandalizam com Jesus: “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles” (v. 2). Nestas três parábolas do cap. 15 (ovelha desgarrada, moeda perdida, filho pródigo) salientam a misericórdia e alegria, os sentimentos e não a lógica calculista.

A Bíblia do Peregrino (p. 2507) comenta: As três falam do perdão de Deus para o pecador; por isso podemos encabeça-las com o texto clássico: “Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva” (Ez 18,23.32). Predominam nos três os sentimentos, e entre eles, a alegria; e a vantagem de falar com relatos, e não com teorias. Como a ovelha e a dracma, assim o homem, apesar de pecador, é propriedade de Deus: “Perdoas a todos, porque são teus, Senhor, amigo da vida” (Sb 11,26).

Jesus contou (aos escribas e fariseus) esta parábola: Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? (vv. 3-4).

A primeira parábola toma uma imagem clássica do pastor e seu rebanho (cf. 12,32). Deus como bom pastor é motivo frequente (cf. Ez 34,11s; 20,34; Sl 23; 79,13; 95,7; 199,3; Is 40,11; cf. Mt 9,36; 15,24; 26,31; Jo 10). O rei-pastor vai à luta para resgatar uma ovelha (1Sm 17,34-36; cf. Mq 4,6s; Jr 23,1-4; Ez 34,11-16). As noventa e nove ficam em lugar seguro, o “deserto” é pastagem usual na Palestina, corresponde às montanhas de Mt 18,12.

Quando a encontra, coloca-a nos ombros com alegria, e, chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos, e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!” (vv. 5-6).

Esta parábola tem seu paralelo em Mt 18,12-14 (Mt e Lc a tomaram da fonte Q), mas enquanto Mt a aplica à responsabilidade dos chefes da Igreja em relação aos pequenos das suas comunidades, Lc mostra Deus procurando o pecador e descreve uma alegria maior. Leva a ovelha nos ombros (como em Is 40,11). Esta representa apenas 1% da sua propriedade, mas alegra-se com uma alegria incontida e comunicativa, como se tivesse uma relação pessoal e não simplesmente econômica (cf. a parábola de Natã em 1Sm 12,1-4). O convite a participar da sua alegria (cf. Mt 25,21.23) se encontra também nos vv. 9.23s.32, e é para Lc um traço capital. Ele prepara a resposta final de Jesus às murmurações dos fariseus (vv. 7.10; cf. v. 32).

Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão (v. 7).

A alegria sobe ao “céu” (provavelmente significa o próprio Deus, cf. v. 10; Mt 16,19; 18,18). A frase é audaz: no céu se festeja o acontecimento da conversão de um só pecador. Os rabinos contemporâneos falavam da alegria de Deus sobre a ressurreição dos justos e o declínio dos pecadores.

A frase lembra a justificativa de Jesus em 5,31-32p: “Os sãos não tem necessidade de médico e sim os doentes. Não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento.” O contexto, que Lc atribui a estas parábolas em vv. 1-2, e as suas críticas contra a “justiça” dos fariseus (5,32; 16,15; 18,9; cf. 20,20) sugerem que Lc pensa em falsos justos que deveriam reconhecer a necessidade de se converter.

A parábola não quer dizer que Deus prefere o pecador ao justo, ou que os justos sejam hipócritas. Ela ressalta o mistério do amor do pastor Jesus e do Pai que se alegra em acolher o pecador arrependido ao lado do justo que persevera. Para nossa “pastoral” fica o questionamento: estamos procurando as ovelhas desgarradas ou estamos ocupados somente em atender as demandas do rebanho mais próximo?

Os escribas e fariseus não fizeram nada para atrair os pecadores. Ao contrário, eles os abandonavam e excluíam. É nós da Igreja? O amor divino é abundante, não é proporcional aos méritos de alguém, mas às suas misérias. Deus não quer a morte do pecador, mas que ele viva de maneira abundante (cf. Ez 18,23 etc.). O bom pastor se colocou à procura e quando encontrou a ovelha, fez uma festa, inclusive, com a participação dos “amigos e vizinhos”. O Papa Francisco nos convida para ir à procura dos outros nas periferias (geográficas e existenciais), para sermos “pastores com cheiro de ovelhas”.

O site da CNBB comenta: Todos nós que conhecemos Jesus devemos ter os mesmos sentimentos de Jesus, e este sentimento é o amor que nos lança incondicionalmente ao encontro dos nossos irmãos e irmãs, principalmente aqueles que estão mais afastados a fim de que possamos cuidar deles, tanto no que diz respeito às necessidades da ordem temporal como às necessidades da ordem espiritual. O Evangelho de hoje nos diz: vá ao encontro de quem se perdeu e se encontra no pecado, seja um grande missionário da misericórdia e do perdão de Deus, manifeste o seu amor para todas as pessoas, seja sinal de salvação para o mundo.

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