03 de Setembro de 2018, Segunda-feira: Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca. E diziam: “Não é este o filho de José?” (v. 22).

Leitura: 1Cor 2,1-5

O apóstolo Paulo continua a aplicação da sua experiência pessoal, quando chegou a Corinto e anunciou a palavra com a expressão da fraqueza humana (At 18,1-17). O seu apoio não estava na linguagem da sabedoria humana, mas na realidade do poder de Deus, que é o próprio Cristo crucificado (1Cor 1,18s.23s; Gl 6,14). Esse mistério do poder de Deus não é nenhuma mensagem secreta, e sim o plano divino para salvar toda a humanidade, realizado agora através de Jesus Cristo, pela pregação do evangelho.

Irmãos, quando fui à vossa cidade anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri a uma linguagem elevada ou ao prestígio da sabedoria humana. Pois, entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. Aliás, eu estive junto de vós, com fraqueza e receio, e muito tremor (vv. 1-3).

O tema da sabedoria continua (cf. 1,17-30), como o mostram as seis repetições da palavra grega sofia (sabedoria) em 2,1-9 para unificar variações e oposições: pode ser sabedoria de Paulo, retórica, humana, mundana, divina; pode opor-se a segredo (mistério) e a poder.

A falta de eloquência (v. 1: “linguagem elevada”) e o “tremor” (v. 3) lembram a experiência vocacional de Moisés (Ex 4,10-16) e a de Jeremias (Jr 1). A Bíblia do Peregrino (p. 2740) comenta: Paulo não baseou seu ministério em valores da cultura grega: filosofia como atividade simplesmente humana (cf. Jó 28), retórica como recurso para persuadir. Seu tema não é descoberta humana, mas segredo revelado, e se condensa numa pessoa, Jesus. Sua força persuasiva vem do Espírito.

Paulo costuma referir o “mistério (ou segredo; outra leitura: o testemunho) de Deus” ao plano de Deus para a salvação universal por meio de Jesus Cristo. Ao se proclamar o evangelho aos pagãos, o plano de Deus está se cumprindo (cf. v. 7; Rm 16,25s; Ef 3,1-13, Cl 1,24-29; 2,2s).

“Receio e tremor” é uma expressão bíblica típica (2Cor 7,15; Ef 6,5; Fl 2,12; cf. Sl 2,11s). O temor de Paulo se explica pelo empreendimento descomunal: uma mensagem estranha (Is 53,1: “inaudita”), à margem da sabedoria humana reconhecida e contra ela (cf. 1,22s).

Também a minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria dos homens (vv. 4-5).

Texto gramático é difícil de traduzir, mas o sentido não padece dúvida. Paulo opõe o prestígio de uma palavra de sabedoria humana à palavra e à sabedoria que vêm de Deus (vv. 4.7).

“Uma demonstração do poder do Espírito” pode ser uma alusão aos milagres e às efusões do Espírito que acompanharam a pregação de Paulo (1,5; 2Cor 12,12). Mas a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2207s) comenta: Nesta manifestação do Espírito, é preciso ver sem dúvida não milagres (At 18 não os menciona), mas antes a atividade do Espírito em Paulo e entre os convertidos de Corinto (cf. 14,25; 1Ts 1,5). Paulo rejeita os discursos de uma sabedoria humana, que seriam “persuasivos por si mesmo” (v. 4) e fariam da fé uma adesão de ordem puramente humana (v. 5). A sua pregação é realmente uma demonstração (v. 4), mas uma demonstração do poder do Espírito, vindo de Deus, e que por isso pede uma adesão de outra ordem: da ordem do Espírito.

 

Evangelho: Lc 4,16-30

No Tempo Comum do Ano Litúrgico, depois de Marcos (evangelho mais antigo) e Mateus, começa hoje a leitura do Evangelho de Lucas.

Nos dias da semana do ano litúrgico, o Tempo Comum divide-se entre os três evangelhos “sinóticos” (=os que olham juntos, tendo a mesma visão): a narração de Marcos (o evangelho mais velho) foi usada por Mateus e Lucas (com mais outra fonte de palavras chamada Q que se perdeu na história). Terminamos com Mt na semana passada (os textos sobre a infância e sobre a paixão estão fora do Tempo Comum, pertencem aos tempo especiais de Advento/Natal e Quaresma/Páscoa). Ainda temos três meses para ouvir o evangelho de Lc. Ele escreveu dois volumes: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos. Ambos os livros iniciam com uma dedicação à mesma pessoa: “Teófilo” (nome do patrocinador ou nome simbólico, significa “amigo de Deus”, cf. Lc 1,1-4; At 1,1-2).

Desde o século II, a tradição identificou como autor o médico “Lucas” que acompanhou Paulo (Cl 4,14; Fm 24). Esta autoria está incerta (porque pouco se encontra da teologia de Paulo em At), mas com certeza pode se afirmar que o autor é grego e tem formação superior, pois escreve o melhor estilo de todo o Novo Testamento.

Como o evangelho de Lc depende de Mc (escrito por volta de 70 d.C.) como base, a data da redação do Evangelho de Lc e dos Atos estima-se entre 80 e 90 d.C. O autor escreve para leitores pagãos convertidos (gregos e romanos) explicando os costumes judaicos com simpatia (cf. Lc 1-2), critica a injustiça social (cf. 6,20-26; 16,19-31 etc.) e dá mais atenção às mulheres (Maria e Isabel, Marta e Maria…). Lc apresenta Jesus misericordioso para com os pobres e pecadores (filho pródigo, bom ladrão na cruz, etc.).

No evangelho de hoje ouvimos seu programa de messias apresentado depois do batismo na sinagoga em Nazaré (4,16-21; cf. Is 61,1-2). O que aconteceu antes, a infância de Jesus (Lc 1-2) e seu batismo por João Batista (Lc 3), ouvimos no tempo de Natal; a tentação no deserto (4,1-13), no 1º Domingo da Quaresma (Ano C).

Lucas, o autor grego e erudito (“médico” cf. Cl 4,14) tem simpatia pelos costumes judaicos (cf. Lc 1-2). Seguindo o evangelho mais velho de Mc, Lc narra como Jesus foi batizado e tentado antes de começar sua pregação pública (3,1-4,13; cf. Mc 1,1-14), mas colocou a narrativa da visita em Nazaré que encontrou em Mc 6,1-6, já no início da vida pública de Jesus e a ampliou bastante. Depois da prova no deserto, o Espírito continuava guiando Jesus levando-o para Galileia (vv. 1.14) onde começou ensinar nas sinagogas e ganhar fama (v. 15).

 

Veio Jesus à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura (v. 16).

Lc apresenta a primeira pregação do messias de maneira mais extensa do que Mc 1,14s, não numa montanha como Mt 5-7, mas numa “sinagoga” (como depois os missionários cristãos em At 9,20; 13,5; 14,44 etc.). O lugar não é a sinagoga de Cafarnaum (cf. vv. 23.31; Mc 1,21-28; Jo  6,59), mas de Nazaré (cf. Mc 6,2; Mt 13,54), onde Jesus foi criado e vivia por “mais ou menos trinta anos” (3,23).

Sendo judeu piedoso e praticante, Jesus frequentava o culto na sinagoga no dia de sábado. Só em Jerusalém existia o templo onde sacerdotes celebravam os sacrifícios que o povo oferecia (desde a concentração do culto na capital pelo rei Josias, 640-609 a.C.; cf. Dt 12; 2Rs 22-23). Nos outros lugares, o povo se reunia nas sinagogas que surgiram durante o exílio na Babilônia (o templo em Jerusalém estava em ruínas) e continuam sendo os lugares para assembleias religiosas do judaísmo no mundo inteiro até hoje (o templo de Jerusalém foi destruído em 70 d.C. e no século VII substituído por um santuário mulçumano).

Nas sinagogas celebra-se um culto da Palavra no sábado, cantando salmos e lendo (em pé) trechos da lei de Moisés (Torá – Pentateuco) e dos profetas, em seguida uma homilia (sentada). Nesta, qualquer judeu adulto podia tomar a palavra, mas as autoridades da sinagoga chamavam geralmente aos que eram versados nas escrituras (cf. At 13,15).

Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: ”O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (vv. 17-19).

A cena e programática: síntese e modelo da pregação de Jesus. Providencialmente oferece-se o livro de Isaías. Jesus não escolheu, mas achou a passagem de Is 61,1; o texto original invoca a consagração (unção) de um profeta (cf. 1Rs 19,16) ou, mais provável, do messias (cf. Is 11,1s; 42,1) apresentando seu programa de governo (cf. Sl 72). Jesus se refere aqui ao Espírito que ele acaba de receber no batismo e faz dele a fonte de sua mensagem e ação salvadora.

O evangelho (palavra grega que significa “Boa Nova”) inclui a libertação de qualquer tipo de opressão: econômica, os pobres; política, os cativos; a física (e intelectual), os cegos. Ao Is 61,1, Lc acrescenta Is 58,6 antes, para proclamar um “ano de graças” (v. 19; Is 61,2a) interrompe a citação antes do final ameaçador (cf. Is 61,2b: um dia de vingança para nosso Deus). O ano da graça designa o ano jubilar fixado pela lei de 50 em 50 anos para perdoar dívidas (cf. Lv 25,10-13). Para Lc, o messias veio para proclamar a graça e a misericórdia de Deus e não a sua vingança (cf. Lc 6,36s; 15; 23,34.43). O ano de graças agora é a atividade pública de Jesus que demora um ano desde a pregação na Galileia até a Páscoa em Jerusalém.

Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante, e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (vv. 20-21).

No texto de Is 61,1, um profeta anônimo (Trito-Isaías: Is 56-66) fala na primeira pessoa. Quem é este eu? Muitos leram estes versículos, mas seu sentido sempre ficara a meio caminho. “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura” (v. 21; Lc gosta de empregar a palavra “hoje” em momentos chaves, cf. 2,11; 5,10.26; 12,28; 13,7.32s; 19,5.9.42; 22,34.61; 23,43; At 4,9; 13,33; 19,40; 20,26; 23,1; 24,21; 26,6.22.29). Agora chegou este Eu que pronuncia este texto autenticamente que será cumprido e estará cheio de sentido. A todos quantos têm “os olhos fixos nele”, Jesus declara-se messias (cf. 1,32.35; 2,11; 3,22; 22,67-71), porque a palavra messias quer dizer lit. “ungido” (cf. v. 18).

Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca. E diziam: “Não é este o filho de José?” (v. 22).

Depois da parte positiva do programa do messias, Lc passa narrar como a admiração dos nazarenos se transforma em rejeição. Isto já foi relatado em Mc 6,1-6, mas Lc amplia e agrava esse relato. Começa pela dúvida sobre sua família, mas em Lc os nazarenos só perguntam sobre o pai (cf. Jo 6,46), não falam da mãe, dos irmãos e das irmãs de Jesus (cf. Mc 6,3; Lc os menciona em 8,19-21p).

Em Mc 6,3, a pergunta é: “Não é este o carpinteiro, o filho de Maria, irmãos de Tiago…?” Mc nem menciona José no seu evangelho. Podemos concluir que José já estava morto, porque Jesus foi identificado como filho de Maria. Lc substitui o carpinteiro pelo nome do pai José (também Mt 13,55 modificou: “Não é ele o filho do carpinteiro? Não se chama a mãe dele Maria e seus irmãos Tiago…?”). Talvez Lc não queira pairar dúvidas sobre Maria e menciona o pai José em vez do carpinteiro para dizer: Jesus é apenas o filho de um homem comum como nós? Para o leitor de Lc, as dúvidas sobre o verdadeiro Pai de Jesus já foram esclarecidas (cf. 1,34s; 2,48-50)

Estranho que Lc comunicou tantos detalhes da infância de Jesus, mas não menciona em nenhum lugar a profissão de carpinteiro que José e Jesus exerciam (cf. Mc 6,3; Mt 13,55); o motivo não pode ser desprezo de trabalhos manuais, porque Lc não escondeu a pobreza da família de Nazaré (2,7.24) nem a profissão simples dos apóstolos (5,3; At 18,3). Lc se mostra solidário com os humildes, aliás, tem forte consciência social. Mas talvez houvesse pessoas preconceituosas entre seus leitores mais eruditos (cf. 1,3: “excelentíssimo Teófilo”) a quem Lc queria convencer, aos poucos, que um homem simples, sem formação acadêmica, pode ser o salvador (vencendo um preconceito semelhante daquele que os próprios nazarenos tinham; cf. Jo 1,46).

Jesus, porém, disse: “Sem dúvida, vós me repetireis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum.” E acrescentou: “Em verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria (vv. 23-24).

De Mc, Lc copia a frase sobre o profeta que não é reconhecido na sua pátria (mas omite “na sua família”, cf. Mc 6,4) e a referência às curas em Cafarnaum (Mc 6,2), mas estas curas serão narradas só em seguida em 4,31-44 (cf. Mc 1,21-39).

A palavra do “médico” pode ter vários significados: “estás doente, começa curar a ti mesmo, pois precisas”, ou “não queremos teus serviços”, ou “prova que é capaz” ou “cura a ti mesmo e os teus (conterrâneos) para que sejas acreditado” (cf. a cena com o messias na cruz em 23,35.39). Talvez essa frase particular de Lc (cf. 5,31p) tenha indicado a possível autoria do evangelho, “Lucas, o querido médico” (Cl 1,14; cf. Fm 24; 2Tm 4,11).

De fato, eu vos digo: no tempo do profeta Elias, quando não choveu durante três anos e seis meses e houve grande fome em toda a região, havia muitas viúvas em Israel. No entanto, a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a uma viúva que vivia em Sarepta, na Sidônia. E no tempo do profeta Eliseu, havia muitos leprosos em Israel. Contudo, nenhum deles foi curado, mas sim Naamã, o sírio” (vv. 25-27).

Jesus cita os profetas Elias e Eliseu e seu serviço excepcional aos pagãos (1Rs 17,1-7; 2Rs 5,1-27) como exemplos: um homem de Deus pode ser enviado para fazer maravilhas não para os seus conterrâneos, mas para pessoas estranhas e pagãs superando preconceitos (cf. 7,1-17; 8,26-39p; 10,29-37; 17,11-19; At 8; 10 etc.)

Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até ao alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício. Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho (vv. 28-30).

Enquanto em Mc 6,5s, Jesus “não podia fazer milagre ali” em Nazaré por causa da “incredulidade” dos seus conterrâneos, em Lc a cena é bem mais dramática. As dúvidas e a rejeição que se seguiam ao primeiro entusiasmo levam até a tentativa de homicídio.

Para os nazarenos em Lc, se Jesus não confirma sua pretensão com um milagre, é usurpador do título de “messias” e, portanto, um falso profeta que merece a morte (Dt 13,6). A Bíblia nada fala do atirar no abismo como forma de execução, mas a cena corresponde à situação geográfica de Nazaré. Por pouco o lugar onde começou a vida de Jesus (com a gravidez de Maria) se torna o lugar de sua morte. Mas Jesus, “passando no meio deles” (pode ser uma alusão à páscoa, cf. Ex 12,11s.27; 14; Jo 13,1), “continuou seu caminho” para Jerusalém (9,51-19,28 parte central de Lc; cf. Lc 24,15 no caminho a Emaús).

No evangelho de hoje, Lc antecipa os fatos numa composição dramática. Reúne nesta única narração na sinagoga de Nazaré sua admiração pelos costumes judaicos (Escritura do AT, sinagoga), o programa do messias (anunciado em Is 61,1 e identificado com Jesus), a recusa por boa parte de Israel que leva a morte e ressurreição de Jesus e a pregação da salvação aos pagãos que os apóstolos realizarão (cf. At 28,25-28, conclusão da obra dupla de Lc).

O site da CNBB comenta: Jesus é o ungido do Pai que veio até nós com a missão de evangelizar os pobres, ou seja, de tornar membro do Reino dos Céus todos os que colocam a sua esperança no Senhor. A sua vida terrena não foi outra coisa senão o pleno cumprimento dessa missão. Ele anunciou a liberdade dos filhos de Deus e a libertação dos cativos do pecado e da morte, curou os cegos, de modo que todos podem enxergar além do mero horizonte da realidade natural, lutou contra todo tipo de injustiça que é causa de opressão e anunciou a presença do Reino da graça e da verdade. Assim, Jesus também nos mostra o que é necessário para que a Igreja, o seu Corpo Místico, seja fiel à sua missão de continuadora da sua obra. 

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