04 de julho de 2016 – 14ª semana 2ª feira

Leitura: Os 2,16.17b-18.21-22

Nesta semana ouvimos as profecias de Oseias, o segundo profeta com escritos em Israel depois de Amós. Seus oráculos foram guardados por seus discípulos, colecionados e editados no reino do Sul (Judá) apos a destruição do reino do Norte (Israel com a capital Samaria), relidos e ampliados durante a reforma de Josias e ainda após o exílio. A Bíblia Sagrada Edição Pastoral o introduz assim:

O profeta Oséias exerceu sua atividade no reino do Norte, desde o final do reinado de Jeroboão II até a queda de Samaria (750-722 a.C.). Toda a pregação de Oséias está impregnada por uma experiência pessoal tão profunda, que se tornou para ele um símbolo (Os 1 e 3). Ele amava de todo coração a sua esposa, mas ela o deixou para se entregar a outros amantes. Esse amor não correspondido ultrapassou o nível de frustração pessoal para ser uma enorme força de anúncio: o profeta apresenta a relação entre o Deus, sempre fiel e cheio de amor, e seu povo, que o abandonou e preferiu correr ao encontro dos ídolos. Oséias torna-se, então, denunciador de todo tipo de idolatria, que ele chama de prostituição. Essa comparação será daí para frente uma constante nos escritos bíblicos.

Oséias, porém, não é só um acusador, mas também anuncia o amor fiel e misericordioso de Deus para com seu povo, se este se converte e volta a conhecê-lo. Para o profeta, o conhecimento de Deus não é uma atitude intelectual, mas uma adesão amorosa, através de uma prática que corresponda ao projeto de Deus, elaborado no deserto por ocasião do êxodo. Então sim: Javé receberá novamente seu povo como esposa, dispensando-lhe todo o carinho (2,4-25); ou tratando-o como filho (Os 11).

Em Os, pela primeira vez no AT, a imagem do casamento é empregada para representar as relações entre Javé Deus e seu povo (1,2ss), os outros profetas a retomam (Is 1,21; 50,1; 54,6-12; Jr 2,2; 3,1; Ez 16): Se a esposa infiel (Israel) se esqueceu do marido (Javé) por causa dos amantes (ídolos, baals), o amor terminou: será possível continuar? Tudo depende do marido; terá de confessar o que ocultava: ele continua amando. Terá de voltar aos começos do amor: não se vingar de um amor infiel, mas reconquistar o primeiro amor. Ao pleito (vv. 4-15), sucede um cortejar solícito; estes vv. 16-25 podem ser um acréscimo no exílio onde um grupo profético queria animar a esperança de uma nova aliança no meio à desolação e destruição.

Eis que eu a vou seduzir, levando-a à solidão, onde lhe falarei ao coração; e ela aí responderá ao compromisso, como nos dias de sua juventude, nos dias da sua vinda da terra do Egito. Acontecerá nesse dia, diz o Senhor, que ela me chamará “Meu marido”, e não mais chamará “Meu Baal” (vv. 16.17b-18).

Na voz do profeta, o Senhor começa cortejar seu povo, vista como esposa infiel à aliança. Com realismo emprega a expressão “seduzir” que em outras passagens designa sedução, rapto ou violação de uma jovem (Ex 22,15; Jz 14,15; 16,5; Jó 31,9). É preciso compreender a palavra “seduzir” em seu sentido forte: é a atitude de alguém que afasta seu parceiro do caminho que devia seguir (cf. Jz 14,15). A mesma expressão é empregada a respeito do homem que seduz uma virgem (Ex 22,15; cf. também Jeremias seduzido por Javé em Jr 20,7). Aqui em Os, trata-se de uma sedução ao contrário, fazer voltar a esposa infiel (o povo de Israel) ao caminho certo com seu marido, renovar a aliança com Jávé.

Em Os 7,11, a pomba simplória é aquela que se deixa facilmente seduzir (ocorrem quase as mesmas palavras no texto hebraico). “Falar ao coração”, literalmente falar encostado ao coração, exprime a intimidade das relações entre o homem e a mulher; como Hemor a Dina (Gn 34,3), o levita a sua esposa (Jz 19,2s), Booz a Rute (Rt 2,13).

A “solidão” (lit. deserto) significa a sós (Ct 7,14), o lugar do noivado (Jr 2,2). Aliás, o noivado em Israel é de “quarenta dias”, lembrando o tempo de quarenta anos no deserto entre contrato (aliança no Sinai) e entrada na terra prometida. A vida no deserto, durante o Êxodo aparecia como um ideal perdido (já Am 5,25; Os 12,10); Israel ainda criança (Os 11,1-4), não conhecia os deuses estrangeiros e seguia fielmente a Javé presente na nuvem (Os 2,16s; Jr 2,2s). “E ela aí” (cf. “de lá” em v. 17a, aqui omitido), isto é, no deserto.

O Senhor afastará seu povo dos amantes (ídolos), o levará ao deserto e o despojará dos bens da terra que lhe havia dado, mas a fim de fazer a repartição sobre bases inteiramente novas; haverá nova entrega da terra e nova aliança. Dois séculos depois de Os, o Segundo Isaías (Is 40-55) anunciará o perdão e um novo êxodo.

“Ela responderá”, a resposta da esposa que se dá ao marido; mas é possível também que Os, que gosta de utilizar a palavra responder (em hebraico, ‘anah; cf. vv. 23s: ouvir e atender), esteja fazendo um trocadilho com o nome da deusa cananéia Anat, assim como joga com os diversos sentidos da palavra báal na reposta da esposa (v. 18): “Não me chamarás ba’li” (= meu senhor = meu esposo = meu Baal), “mas meu marido” (literalmente “homem”, cf. Gn 2,23). Ao chamá-lo “meu homem-esposo”, anula a declaração de divórcio em v. 4.

O nome baal era dado ao marido. A palavra significa “senhor, possuidor”. Designava também na linguagem corrente, o marido, senhor da sua esposa (Gn 20,3. Ex 21,3, Dt 24,4…). Em tempos mais antigos, este nome se encontrava na composição de numerosos nomes de pessoa (por ex. Gideon-Jerobaal em Jz 6,32; Jesui-Isbaal em 1Sm 14,49; 2Sm 2,8; 1Cr 8,33; 9,39-40, etc.), sem que isso implicasse idolatria: é Javé que era o “senhor” a quem o nome consagrava seu portador. Mas, em época mais recente, o termo baal foi considerado como ímpio, por referir-se aos deuses baals cananeus (cf. Jz 2,13; 3,7 etc.): Baal, o senhor, é o princípio divino masculino, e como senhor do sol, do fogo e dos raios (cf. 1Rs 18) era responsável pela fecundidade, junto com sua esposa Astarte (ou as vezes Aserá), a deusa do amor. É por esta idolatria que Oséias condena o uso de baal (v. 19). A passagem de “meu senhor” para “meu marido” insinua que o acento é colocado mais na intimidade do vinculo conjugal do que na subordinação da esposa ao esposo (cf. Jo 15,15).

Eu te desposarei para sempre; eu te desposarei conforme as sanções da justiça e conforme as práticas da misericórdia (v. 21).

Uma aliança nova é anunciada pelo profeta. A palavra “noivar” (aqui traduzido com razão por “desposar”), que volta com insistência, não deve fazer pensar num compromisso provisório; em Israel já era no momento do noivado que se realizavam os entendimentos que ligam definitivamente os cônjuges (contrato matrimonial). A fórmula de casamento é solene, mas aqui mal traduzido: em vez de “conforme as sanções da justiça e conforme as práticas da misericórdia”, melhor ler: “na justiça e no direito, no amor e na ternura”.

Conforme 2Sm 3,14, o verbo noivar/desposar com preposição indica o dote que o Senhor não pagará em bens materiais, mas em atitudes. Duas expressam o vínculo legal: “justiça e direito”; outras duas, “amor e ternura”, expressam a relação pessoal. É o Senhor que toma a iniciativa, é ele quem traz o que vai assegurar a força e a qualidade dessa aliança, “a justiça e o direito”, como na Antiga Aliança, e mais ainda, “o amor e a ternura”, termos característicos do vocabulário de Os, que já anunciam a interioridade da aliança nova. Temos aqui, já em germe, tudo aquilo que será desenvolvido por Jeremias e Ezequiel: a nova e eterna aliança (“para sempre”, v. 21), a lei gravada no coração, o coração novo, o espírito novo (Jr 31,31-34; Ez 36,26s). A novidade da aliança é também enfatizada, no contexto de Os, pela palavra noivar, que só se aplica a uma jovem virgem, e não a uma mulher que já era casada (como a esposa de Os, Gomer). Como este verbo é usado na Bíblia somente referindo-se a uma jovem virgem, Deus suprime, assim, totalmente o passado adúltero de Israel, que é como uma criatura nova.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1718s) comenta a palavra hesed (“amor”), aqui traduzido por “misericórdia”: A palavra (hesed), exprime primeiramente a idéia de um vínculo, de um engajamento. Na esfera profana designa a amizade, a solidariedade, a lealdade, sobretudo quando essas virtudes procedem de um pacto. Em Deus, esse termo exprime a fidelidade à sua aliança, e a bondade que dela decorre em favor do povo escolhido (a “graça” em Ex 34,6); em outras palavras (e este termo convém, a partir de Oséias, pela referência à comparação da união conjugal), exprime o amor de Deus por seu povo (Sl 136,1-26; Jr 31,3 etc.) e os benefícios que dele decorrem (Ex 20,6; Dt 5,10; 2Sm 22,51; Jr 32,18; Sl 18,51). Mas este “hesed” de Deus requer no homem, também, o “hesed”, isto é: o dom da alma, a amizade confiante, o abandono da ternura, a “piedade”, em uma palavra, o amor que se traduz por uma submissão alegre à vontade de Deus e pelo amor ao próximo (Os 4,2; 6,6). Este ideal, que numerosos salmos exprimem, será o dos hasidim ou “assideus” (1Mc 2,42).

Eu te desposarei para manter fidelidade e tu conhecerás o Senhor (v. 22).

A esposa corresponderá como sujeito de um verbo único: “conhecerás”, que pela intensidade do contexto não pode coibir sua referência sexual (dito da mulher: Gn 19,8; Nm 31,17; Jz 11,39 etc., cf. Maria em Lc 1,34). A Bíblia de Jerusalém (p. 1719) comenta: Em Oseias o “conhecimento de Iahweh” acompanha o “hesed”, aqui vv. 21-22 e 4,2; 6,6. Não se trata, pois de um simples conhecimento intelectual. Do mesmo modo como Deus “se faz conhecer” ao homem unindo-se a ele por uma aliança, manifestando-lhe por seu benefício seu amor (hesed), assim o homem “conhece a Deus” por uma atitude que implica a fidelidade à sua aliança, o seu reconhecimento de seus benefícios, o amor (cf. Jó 21,14; Pr 2,5; Is 11,2; 58,2). Na literatura sapiencial, o “conhecimento” é quase sinônimo de “sabedoria”.

 

Evangelho: Mt 9,18-26

Depois de três controvérsias, Mt concluiu a parte narrativa (entre os dois sermões da montanha e da missão dos discípulos) com mais três relatos de milagres (vv. 18-34). No evangelho de hoje, Mt resumiu bastante o relato de Mc. Como nos paralelos (Mc 5,21-43; Lc 8,40-56), o relato de um milagre (vv. 20-22) se encaixa no relato de outro (vv. 18-19.23-26). Esta técnica narrativa de inserir uma cena bem no meio da outra, os exegetas (peritos da Bíblia) chamam de “sanduiche”. Com o recurso do caminho durante a cena, o primeiro milagre realizado prepara o segundo, a cura de uma doença incurável prepara a ressurreição de uma defunta. Em ambos os casos são decisivos a fé e o contato com Jesus.

Enquanto Jesus estava falando, um chefe aproximou-se, inclinou-se profundamente diante dele, e disse: “Minha filha acaba de morrer. Mas vem, impõe tua mão sobre ela e ela viverá” (v. 18).

Mt não nos diz que este chefe era “um dos chefes da sinagoga chamado Jairo” (Mc 5,22), ou porque a comunidade de Mt não conhecia mais este Jairo, ou seus leitores não queriam se identificar com um chefe de uma instituição que se tornou hostil à comunidade cristã (cf. 10,17; cap.  23). Em Mt, a menina já morreu, enquanto em Mc ela ainda estava viva e morreu por causa do atraso no caminho. A mão de Jesus é símbolo de cura e proteção (8,3.15; 12,49; 14,31; 19,13-15).

Jesus levantou-se e o seguiu, junto com os seus discípulos. Nisto, uma mulher que sofria de hemorragia, há doze anos, veio por trás dele e tocou a barra do seu manto. Ela pensava consigo: “Se eu conseguir ao menos tocar no manto dele, ficarei curada.” Jesus voltou-se e, ao vê-la, disse: “Coragem, filha! A tua fé te salvou.” E a mulher ficou curada a partir daquele instante (vv. 19-22).

No caminho “junto com os discípulos” (v. 19; mas sem a multidão de Mc 5,24.30s), Jesus é tocado de trás por uma mulher que sofria de hemorragia há doze anos” que “tocou a barra do seu manto” (v. 20). Como no relato anterior do exorcismo (8,28-33p), Mt omitiu os detalhes da doença (sobre o fracasso dos médicos, o sofrimento e a segregação da mulher, cf. Mc 5,26-33). Seus leitores judeu-cristãos sabem que o sangue da menstruação e da hemorragia torna uma mulher impura (Lv 15,25-30). Mas Mt especifica a roupa de Jesus, um manto com “barra” ou orla como judeus piedosos costumam vestir (Nm 15,38-40; Dt 22,12). Tocar esta orla é um gesto de petição (Zc 8,23; 1Sm 15,27). Através do contato mediato do manto, acontece o contato profundo com Jesus pela fé. Esse é o contato que cura.

Como não há multidão acompanhando, Jesus sabe logo quem o tocou. Não a repreende pela violação da lei da pureza, mas diz: “Coragem, filha! A tua fé te salvou” (v. 22; cf. 8,10.13; 9,29; 15,28). Mt acresenta “coragem” (cf. v. 2; palavra unicamente na boca de Jesus em Mt) e omite a fórmula “vai em paz” (Mc 5,34). Para Mt, fé é algo ativo que precisa de oração (pedido) e coragem; acreditar é arriscar-se, abandonar-se (cf. 14,28s). A cura constatada em seguida é sinal de salvação. Para Paulo também é a fé em Jesus que salva, não a lei judaica (cf. Rm 3,21-26; Gl 2,15 etc.).

Chegando à casa do chefe, Jesus viu os tocadores de flauta e a multidão alvoroçada, e disse: “Retirai-vos, porque a menina não morreu, mas está dormindo.” E começaram a caçoar dele. Quando a multidão foi afastada, Jesus entrou, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. Essa notícia espalhou-se por toda aquela região (vv. 23-26).

A ressurreição da filha do chefe deve ser lida sobre o pano de fundo dos milagres de Elias e Eliseu (1Rs 17,17-24; 2Rs 4,32-37), só com inversão dos sexos. Mt abrevia e se concentra ao essencial. “Os tocadores de flauta e a multidão alvoroçada” fazem parte dos ritos funerais (cf. Jr 9,16-20). Quando Jesus disse: “a menina não morreu, mas está dormindo”, as pessoas “começaram a caçoar dele” (v. 24). Riam-se como Sara estéril ao ouvir o anúncio da sua fecundidade, mas para Deus nada é impossível (cf. Gn 18,12-15). Para eles, a menina estava morta, não para Jesus. Se o sono é imagem da morte (Jr 51,39; Sl 13,4; Jó 3,13), uma morte não definitiva assemelha-se a um sono, para despertar (Jo 11,4.11-13). O ceticismo do povo faz ressaltar o poder de Jesus (cf. 1Cor 15,55.57). Pela primeira vez mostra-se no evangelho que seu poder chega atingir a morte (como o de Deus, cf. Tb 13,2; 1Sm 2,6). Aquele que devolve a vida não se contamina tocando um cadáver (Nm 5,2; 19,11) ou uma mulher com hemorragia.

Afastada a multidão, Jesus faz exatamente como o pai tem pedido, “tomou a menina pela mão e ela se levantou” (v. 25). Mt também omite as palavras em aramaico Talita kum, a idade da menina e a recomendação de dar comida a ela (Mc 5,41-43). Mt não é um narrador ilustrativo como Mc, ele sempre se concentra ao essencial: a fé no poder de Jesus. Em vez do segredo messiânico de Mc 5,34, “essa notícia espalhou-se por toda aquela região” (v. 26; cf. v. 31.33.35; 8,27; Mc 1,28).

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos mostra que não existe problema que não tenha solução verdadeira quando nos aproximamos de Jesus. Tanto o chefe que se aproxima de Jesus reconhecendo a morte da sua filha, mas acreditando que a imposição das mãos de Jesus lhe devolverá a vida quanto a mulher que, depois de 12 anos de enfermidade, reconhece que basta tocar a barra do manto de Jesus que ficará curada foram atendidos. A palavra que Jesus disse à mulher vale para todos nós: devemos ter coragem, pois a nossa fé nos salva. Devemos acreditar em Deus e enfrentar, com confiança nele, todos os nossos problemas, pois ele está ao lado de quem crê.

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