04 de novembro de 2016 – Sexta feira, 31ª semana

Leitura: Fl 3,17-4,1

Na leitura de hoje, o apóstolo Paulo, apesar de estar preso, convida a comunidade a lhe seguir o exemplo, no esforço ruma à “perfeição”, com os olhos fitos na “meta” final (v. 14; cf. Rm 6,12-14; Hb 12,2).

Sede meus imitadores, irmãos, e observai os que vivem de acordo com o exemplo que nós damos (3,17).

Os nossos santos imitam as atitudes (sentimentos, cf. 2,5) de Cristo. Paulo pode propor-se como exemplo, porque segue o de Cristo (1Cor 11,1; cf. Jo 13,15). Não imitar algo acabado, mas um esforço constante como Paulo vive de Cristo e luta por ele (4,9; 1Cor 4,16; 1Ts 1,6; cf. Gl 2,20). Paulo escreve esta carta na prisão (1,7.13s.17), provavelmente em Éfeso, e já passou um tempo preso em Filipos (cf. At 16,16-40).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2307) especifica: Vê se portanto, que nos primeiros escritos paulinos, “imitar” não significa “procurar reproduzir as atitudes ou virtudes morais de alguém”, mas se trata para o discípulo de Cristo, de aceitar a condição de “servo sofredor” que foi a de Jesus: “Se eles me perseguiram, hão de perseguir também a vós” (Jo 15,20; cf. Mt 10,18 e par).

Já vos disse muitas vezes, e agora o repito, chorando: há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o estômago, a glória deles está no que é vergonhoso e só pensam nas coisas terrenas (vv. 18-19).

A emoção leva Paulo às lágrimas: Quem são estes “muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo”? Outra vez, Paulo permanece no vago: é que então era compreendido por meias-palavras. A semelhança das censuras expressas e da inquietude sentida permite pensar nos mesmo adversários judaizantes dos vv. 2-5 que não aceitam o esvaziamento de Cristo (v. 18), ao afirmarem a necessidade da circuncisão e das práticas da Lei mosaica (cf. At 15,1).

Os vv. 18-19 podem referir-se a estes judaizantes ou a outros em geral. Para Paulo, os judaizantes são inimigos da cruz de Cristo, porque buscam sua segurança em ritos e desempenhos puramente humanos e “terrenos” (segundo 3,3 “confiam na carne”).

“O deus deles é o estômago (ventre)”, alusão às observâncias alimentares que ocupavam um lugar importante na religião judaica (Lv 11; cf. Rm 14; 16,18; Gl 2,12; Cl 2,16.20s; Mt 15,10p; 23,23-26; At 15,20). “A glória deles está no que é vergonhoso”, alusão provável ao membro que recebe a circuncisão. No culto material (“coisas terrenas”) colocam a salvação futura.

Outros comentaristas pensam que se refere a libertinos (gregos e romanos com suas orgias), talvez como os descritos em Sb 2. Em Corinto, são dois os grupos que não entendem o significado da “cruz de Cristo” (1Cor 1,17): “para os judeus é um escândalo, para os pagãos é loucura” (1Cor 1,23). Aqui também, Paulo pode pensar igualmente nos judaizantes e nos libertinos pagãos.

Nós, porém, somos cidadãos do céu. De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor, Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso, com o poder que tem de sujeitar a si todas as coisas (vv. 20-21).

Em vez de se deixar captar pelo mundo pagão ou escravizar pelos judaizantes (cf. Gl 5), o cristão pertence ao Senhor Jesus Cristo, e sua pátria é o reino dos céus (cf. v. 14; 1,27). Paulo era judeu e também cidadão romano (cf. At 22,3.25-29), mas como cristão é cidadão do reino de Deus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2822) comenta: “Céu” substitui com frequência o nome de Deus e representa imaginativamente a morada divina. Somos “cidadãos” de uma cidade onde o próprio Deus governa (Hb 12,22), o qual do alto (3,14) enviará Jesus Cristo para que leve a bom o termo a salvação começada, transformando gloriosamente todo o nosso ser, à imagem de sua glória consumada (Rm 8,29). A representação espacial importa pouco; o que importa é nossa glorificação à imagem do Ressuscitado e por sua “eficácia”.

“Semelhante ao seu corpo”, lit. “da mesma forma que seu corpo…” O corpo ressuscitado de Jesus Cristo no qual resplandece a glória de Deus é a “forma” à qual o nosso próprio corpo será conformado, configurado, “transformado” (v. 10; Cl 3,1-4; cf. 1Cor 15,42-49: “corpo espiritual”; cf. a transfiguração em Mc 9,2-10p; 2Cor 3,17s; Rm 8,11).

Assim, meus irmãos, a quem quero bem e dos quais sinto saudade, minha alegria, minha coroa, meus amigos, continuai firmes no Senhor (4,1).

Para Paulo, a comunidade, que vive sua fé, é sua “alegria” e sua “coroa” (cf. 1Ts 2,19s). Depois das lágrimas (3,18), o último cap. (4) é só alegria, com o repetido refrão “alegrai-vos” (4,4).

 

Evangelho: Lc 16,1-8

O cap. 16 reúne duas parábolas e várias palavras de Jesus sobre o uso do dinheiro (com exceção dos vv. 16-18). A primeira parábola se dirige aos discípulos e apresenta um caso muito comum no mundo do comércio e do trabalho: um administrador corrupto (talvez um caso concreto da época?). O patrão descobre as falcatruas e decide de mandá-lo embora. O gerente começa a pensar o modo de superar a crise. Calcula bem as alternativas e encontra uma saída para ele. E Jesus? “Elogia” a esperteza do administrador “desonesto” (v. 8)! Portanto, esta parábola do gerente espertalhão pode soar desconcertante e é difícil de interpretar.

Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar os seus bens. Ele o chamou e lhe disse: “Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não podes mais administrar meus bens” (vv. 1b-2).

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) comenta: É o administrador de um rico abastado. Acusam-no de má administração, e pela ação do amo pode-se deduzir que a acusação foi comprovada. O castigo lógico é demiti-lo imediatamente.

Não há possibilidade de se defender da acusação. Mas porque ainda prestar conta, a não ser para comprovar o contrário, sua honestidade, ou para preparar a transição para um sucessor? De qualquer modo tem que ser afastado da administração, por enquanto ou permanentemente, para não causar um rombo maior.

O administrador então começou a refletir: “O senhor vai me tirar a administração. Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado da administração” (vv. 3-4).

Aquele administrador que vivia folgadamente enfrenta uma emergência e começa refletir. Monólogos são frequentes em Lc (cf. 12,17; 15,17-19; 18,4s). Não tem força para trabalho braçal nem para mendigar. “É melhor morrer que andar mendigando; quem depende da mesa alheia tem de saber que não vive” (Eclo 40,28-30). Enquanto ainda está no cargo, tem que aproveitar-se da última oportunidade.

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) comenta: Como homem entendido em negócios se detém a calcular e buscar saídas para a emergência, dentro do sistema econômico em que se move e conhece por dentro. Descarta duas saídas razoáveis, que ele não é capaz de enfrentar, e planeja outra astuta: criar interesses, buscando cúmplices. Em outros termos, dos devedores do patrão fazer devedores de favores seus.

Então ele chamou cada um dos que estavam devendo ao seu patrão. E perguntou ao primeiro: “Quanto deves ao meu patrão?” Ele respondeu: “Cem barris de óleo!” O administrador disse: “Pega a tua conta, senta-te, depressa, e escreve cinquenta!” Depois ele perguntou a outro: “E tu, quanto deves?” Ele respondeu: “Cem medidas de trigo”. O administrador disse: “Pega tua conta e escreve oitenta” (vv. 5-7).

Cem barris de óleo correspondem à colheita de 140 oliveiras; cem medidas de trigo correspondem à colheita de 42 hectares.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1961) comenta: Segundo o costume tolerado na Palestina naquela época, o administrador tinha direito de conceder empréstimos com os bens do seu senhor. E, como não era remunerado, ele se indenizava aumentando, no recibo, a importância dos empréstimos. Assim, na hora do reembolso, ficava com a diferença como um acréscimo que era o seu juro. No presente caso, ele não havia emprestado, na realidade, senão cinquenta barris de óleo e oitenta medidas de trigo. Colocando no recibo a quantia real, ele estava se privando apenas do beneficio – para dizer a verdade, usurário – que havia subtraído. Sua “desonestidade” (v. 8) não consiste, pois, na redução dos recibos – o que não é senão um sacrifício dos seus interesses imediatos, manobra hábil que o senhor pode louvar – mas antes nas malversações anteriores que motivaram sua demissão.

A Bíblia do Peregrino (p. 2510) discorda: Alguns comentadores dizem que o tanto por cento perdoado cabia a ele; mas o relato não parece apoiar isso. Afinal de contas, o patrão era rico e a perda global de uns mil denários não era excessiva para ele. Maior prejuízo tinha sido a má administração precedente.

E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza (v. 8a).

O v. 8a já poderia ser o final original da parábola. O recurso é tão engenhoso quanto desonesto. Quem é este “senhor” que elogia? É o patrão que admira o engenho (cf. Pr 22,3; 27,12)? Para nossa liturgia, escrevendo em minúscula “senhor”, é o dono, o homem rico de v. 1 (na antiguidade até o século IX d.C., porém, não existiam minúsculas, apenas maiúsculas). Não se deve esperar que o dono comente seu prejuízo assim. É o próprio Jesus (portanto deve ser escrito com maiúscula “Senhor”), como se pode verificar em 18,6, onde Jesus também comenta o final de uma parábola! Jesus não elogia a falta de ética deste gerente (qualificado como “desonesto”), mas a determinação dele (cf. 14,28-32: na parábola da torre e da guerra calcula-se os recursos para tomar uma decisão razoável). Deus é o dono da nossa vida que nos é confiada para administração fiel, mas um dia devemos prestar conta dela (cf. a parábola em 19,11-27p, etc.). Diante do juízo que pode chegar de repente, no final da própria vida (cf. 12,20; 16,22) ou no do mundo (17,22-37 etc.), há de reagir com determinação e não se pode ficar parado (cf. a mulher de Ló, 17,32; Gn 19,26).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2012) comenta: Esta parábola traz muitas vezes dificuldades, porque parece propor o exemplo de um espertalhão. Mas Jesus não hesita, em outras parábolas, em comparar o julgamento de Deus com o de um juiz sem justiça (18,1-8), tampouco em convidar os seus discípulos a serem hábeis como as serpentes (Mt 10,16); é claro que ele não exorta os seus à justiça ou à malvadez. Na parábola em foco, ele toma a precação de qualificar o “gerente” como “desonesto” (v. 8). Se este serve de exemplo… não o é senão por sua habilidade.

Com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz (v. 8b).

Hesita-se as vezes, em fixar o ponto onde terminou a parábola original (8a ou 8b) e onde começam os comentários da comunidade e do evangelista. Depois de v. 8a, seguem-se outras conclusões (vv. 8b-13), acrescentadas posteriormente como tentativas para explicar esta parábola desconcertante e evitar mal-entendidos: Jesus não elogia a corrupção nem uma administração infiel. Em v. 8b chama seus discípulos de “filhos da luz” (iluminados pela fé e pelo batismo; cf. 1Ts 5,5; Ef 5,8) e os convida a serem tão hábeis no serviço do Reino quanto os espertalhões deste mundo em seus negócios escusos. Os “filhos deste mundo” são “mais espertos” nas coisas do mundo, enquanto os discípulos, ou seja, nós como Igreja, ficamos, muitas vezes, parados, sem determinação, sem criatividade, sem inteligência, “insensatos e lentos de coração” (24,25). Na ação evangelizadora, precisamos ser muito mais inteligentes, eficientes e rápidos.

A Bíblia do Peregrino comenta (p. 2510): Os bens nos foram confiados por Deus para os administrarmos. Sobrevém uma situação de emergência, e eles vão acabar. Com esse dinheiro ao qual se prendem tantas injustiças grandes e pequenas, é preciso “fazer amigos” o quanto antes (v. 9); perdoando dívidas, fazendo favores a outros mais necessitados. Conclusão não menos desconcertante: o próprio Deus, o patrão “defraudado”, nos recebe em sua “morada eterna” (v. 9). “Quem se compadece do pobre empresta ao Senhor” (Pr 19,17). A parábola se quebra no final. Porque há uma “prudência” cristã que é insensatez aos olhos do mundo, mas à luz do evangelho é suprema, prudência paradoxal… No novo reino da luz e segundo seu regime deveriam desdobrar iniciativa e engenho na administração dos bens recebidos. Talento e engenho também são dons recebidos que administramos.

Podemos refletir sobre semelhanças do administrador desonesto com certos políticos de hoje. Infelizmente é prática comum desviar recursos públicos para fins particulares como também, para não perder as eleições, realizar obras e programas sociais e comprar votos por pequenos benefícios durante a campanha. Assim os pobres reelegem o administrador honesto, dizendo: “Rouba, mas faz”. Corrupção e populismo são os males de um sistema político que precisa ser reformado para servir ao bem comum de todos. O papa Francisco fala da diferença entre pecador e corrupto: O pecador se arrepende e pede perdão, sentindo-se fraco e humilde. O corrupto não se arrepende, continua pecar e finge, escandaliza por sua vida dupla (cf. homilia na Casa St.ª Marta, 11/11/2013).

O site da CNBB comenta: Neste trecho do Evangelho, Jesus nos mostra que os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz. Então podemos perguntar: Por que isso acontece? A resposta é muito simples: é porque os negócios em geral são regidos pelos valores do mundo, que são inaceitáveis para quem quer viver na radicalidade os valores do reino de Deus. Os valores que regem a economia são o lucro desenfreado, a exploração, o egoísmo, a dureza de coração, só se pensa em si próprio e nos seus interesses. Essa esperteza não interessa aos que querem viver como filhos e filhas de Deus.

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