04 de setembro de 2017 – Segunda-feira, 22ª semana

Leitura: 1Ts 4,13-18

Continuamos na Primeira Carta aos Tessalonicenses que é a primeira carta preservada de Paulo e o documento mais antigo do NT, escrito em Corinto por volta de 50 d.C. Na leitura de hoje, o apóstolo aborda o problema fundamental da carta, a ressurreição dos mortos e a manifestação final, a segunda vinda de Cristo “do céu” (1,10). Paulo mostra que no fim da história, tanto os mortos como os vivos estarão reunidos para viverem sempre com Cristo ressuscitado. A esperança é para todos, e todos participarão da vitória de Cristo sobre o mal e sobre a morte.

Quando Paulo escreve esta carta, ainda não se escreveu o primeiro evangelho (Mc cerca de 70 d.C.); mas já se cristalizavam muitas tradições orais que os evangelhos vão retomar e elaborar. É, portanto, legitimo e útil ilustrar a presente passagem com os textos apocalípticos ou escatológicos (por ex. Mc 13; Mt 24-25).

Na sua pregação pública que dura só um ano nos evangelhos sinóticos (Mc, Mt e Lc), Jesus anunciou sua vinda gloriosa e triunfal (Mt 26,64; Mc 14,62; At 1,11). Morreu e ressuscitou (provavelmente em 30 d.C.). Os cristãos eram convidados a receber o triunfador para associar-se a sua glória e alegria. Cerca de vinte anos depois da ressurreição de Jesus, os cristãos em Tessalônica e outros lugares vivem aguardando o dia da sua vinda (parusia) ou seja, o “dia do Senhor”. Mas o que será dos cristãos que morreram nessas duas décadas? Segundo a doutrina do AT (Antigo Testamento), “os mortos não vivem” (Is 26,14), não participam das festas da comunidade (cf. Sl 30). O Sl 88,11 questiona: “As sombras se levantarão para te louvar?“ Paulo responde que esses mortos “se levantarão”, ressuscitarão (Is 26,19; Dn 12,1) para participar do triunfo de Cristo. O apóstolo afirma que não será importante estar entre os mortos ou entre os vivos. A ressurreição de Cristo é promessa e garantia da ressurreição dos mortos (cf. 1Cor 15).

Irmãos, não queremos deixar-vos na incerteza a respeito dos mortos, para que não fiqueis tristes como os outros, que não têm esperança. Se Jesus morreu e ressuscitou – e esta é nossa fé – de modo semelhante Deus trará de volta, com Cristo, os que através dele entraram no sono da morte (vv. 13-14).

Paulo anuncia o tema e a finalidade da exposição. Há os que “não têm esperança” (v. 13) em outra vida: entre os judeus, os saduceus em Jerusalém (Mc 12,18p; At 23,8) entre os pagãos, os filósofos gregos em Atenas (At 17,32) e outras cidades gregas como Tessalônica. Os de fora não podem ter esperança, mas dos cristãos, Paulo espera que tenham fé, caridade e esperança (1,3).

Paulo recorda o credo (“nossa fé”; lit. “cremos”; cf. o credo ampliado em 1Cor 15,3-7) e suas implicações. “A respeito dos mortos”, lit. “aqueles que jazem adormecidos”: O eufemismo, muito natural, é frequente no AT (Sl 13,4 LXX etc.) e também no NT (cf. 5,10; 1Cor 15,20; Jo 11,11-14) bem como entre os gregos. Do mesmo modo a ressurreição é um “levantar” (v. 14) ou “despertar” (cf. 5,10). Outra tradução possível do final do v. 14: “aqueles que adormeceram; por Jesus, Deus os levará com ele”. Paulo pensa nos mortos cristãos (“em Cristo”, v. 16).

O objeto da esperança é “estar com Deus” (v. 14) e “com o Senhor” (v. 17); já no AT aparece esta idéia: “Tu me encherás de alegria em tua presença, de delícias perpétuas à tua direita” (Sl 16,11); “quanto a mim, estarei sempre contigo” (Sl 73,23).

Isto vos declaramos, segundo a palavra do Senhor: nós que formos deixados com vida para a vinda do Senhor não levaremos vantagem em relação aos que morreram (v. 15).

Não sabemos a qual “palavra do Senhor” Paulo se refere (v. 15); poderia ser uma palavra não escrita no NT (cf. At 20,35) ou talvez Mc 13p (Mt 24,30, comparando com os vv. 15-17). Talvez haja aqui apenas uma lembrança da autoridade do Senhor (cf. Dn 7,1.13.16) ou uma referência ao profetismo cristão (vv. 16s).

Paulo supõe que a “vinda” (parusia) de Cristo vá acontecer logo (expectativa iminente); ele esperava fazer parte dos que veriam em vida (cf. 1Cor 15,51s)? Assim parece, embora alguns pensem que o “nós” tenha alcance potencial, “seja quem for”, ou seja, aqueles que ainda estiverem “vivos” no dia da vinda, entre os quais Paulo se coloca aqui, por hipótese exprimindo uma esperança e não uma certeza (cf. 5,1s)

Pois o Senhor mesmo, quando for dada a ordem, à voz do arcanjo e ao som da trombeta, descerá do céu e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Em seguida, nós que formos deixados com vida seremos arrebatados com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor, nos ares. E assim estaremos sempre com o Senhor (vv. 16-17).

A afirmação profética está cheio de motivos apocalípticos que enfatizam a iniciativa divina: “dada a ordem” (sinal), “à voz do arcanjo e ao som da trombeta” (cf. Ap 14; 17; 19; 20), também as “nuvens”, são características de teofanias e traços específicos da literatura apocalíptica (cf. Dn 7,13s; Mt 24,30s; 26,64; 1Cor 15,52; 2Ts 1,8; etc.).

Uma corrente da exegese (interpretação helenista) cita a entrada (parusia) solene dos reis num cidade (conquistada) como modelo para o cenário. Outra corrente sustenta que a teofania no Sinai (Ex 19,16-19) etc.) forneceu o exemplo para a descrição da parusia (“o Senhor… mesmo descerá do céu”). Paulo aplica a tradução grega do hebraico Yhwh (Javé, Ex 3,14s) para Jesus Cristo (cf. Fl 2,5-11).

Os mortos serão os primeiros a responder ao sinal, “ressuscitarão primeiro” (a ordem é uma característica na descrições apocalípticas, cf. 1Cor 15,23) para poderem acompanhar Jesus na sua parusia. Eles serão seguidos pelos sobreviventes (“deixados com vida”) e serão “arrebatados”, e todos juntos serão levados “nas nuvens” (transporte celestial, cf. Dn 7,13) “para o encontro do Senhor”; depois o escoltarão no julgamento que inaugura o seu reino sem fim. O encontro com o Senhor implica tanto o arrebatamento como alguma foram de transformação (cf. 1Cor 15,51-54s).

O essencial é o trecho final: “Estaremos para sempre com o Senhor” (v. 14; Fl 1,23; cf. 1Ts 5,10; 2Ts 2,1; Sl 23,6). Viver sempre com ele (cf. v. 14; 5,10; 2Ts 2,1). Isso é a salvação definitiva, a glória, o reino que Jesus concede aos que ele escolheu (2,12).

Exortai-vos, pois, uns aos outros, com estas palavras (v. 18).

Exortar, consolar e edificar é importante. Em 5,11 há outro convite ao incentivo mútuo. Aqui, aspecto do consolo mútuo através da esperança é especialmente importante.

O Papa Bento XVI escreveu uma encíclica em 2007 sobre a Esperança: Se a meta é grande, justifica a dureza do caminho. O presente pode ser vivido e aceito, se conduzir a uma meta segura e grandiosa. Cristo morto e ressuscitado é a nossa esperança diante das tristezas e da morte. Não é que os cristãos conheçam em detalhes o que os espera, mas sabem que a vida não acaba no vazio. Somente quando o futuro é certo, o presente se torna vivível (cf. Spe Salvi, 1-2).

Evangelho: Lc 4,16-30

No Tempo Comum, depois de Marcos (evangelho mais antigo) e Mateus, começa hoje a leitura do Evangelho de Lucas.

Nos dias da semana do ano litúrgico, o Tempo Comum divide-se entre os três evangelhos “sinóticos” (= os que olham juntos, tendo a mesma visão, ou seja, roteiro): Marcos (o evangelho mais velho), Mateus e Lucas (ambos usando Mc como base e mais outra fonte de palavras chamada Q que se perdeu na história). Terminamos com Mt na semana passada (os textos sobre a infância e sobre a paixão estão fora do Tempo Comum, pertencem aos tempo especiais de Advento/Natal e Quaresma/Páscoa). Ainda temos três meses para agora ouvirmos o evangelho de Lc. Ele escreveu dois volumes: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos. Ambos os livros iniciam com uma dedicação à mesma pessoa: “Teófilo” (nome do patrocinador ou nome simbólico, significa “amigo de Deus”, cf. Lc 1,1-4; At 1,1-2).

Desde o século II, a tradição identificou como autor o médico “Lucas” que acompanhou Paulo (Cl 4,14; Fm 24). Esta autoria está incerta (porque pouco se encontra da teologia de Paulo em At), mas com certeza pode se afirmar que o autor é grego e tem formação superior, pois escreve o melhor estilo em todo o Novo Testamento.

Como o evangelho de Lc depende de Mc (escrito por volta de 70 d.C.) como base, a data da redação do Evangelho de Lc e dos Atos estima-se entre 80 e 90 d.C. O autor escreve para leitores pagãos convertidos (gregos e romanos) explicando os costumes judaicos com simpatia (cf. Lc 1-2), critica a injustiça social (cf. 6,20-26; 16,19-31 etc.) e dá mais atenção às mulheres (Maria e Isabel, Marta e Maria…). Lc apresenta Jesus misericordioso para com os pobres e pecadores.

No evangelho de hoje ouvimos seu programa de messias apresentado depois do batismo na sinagoga em Nazaré (4,16-21; cf. Is 61,1-2). O que aconteceu antes, a infância de Jesus (Lc 1-2) e seu batismo por João Batista (Lc 3), ouvimos no tempo de Natal, e a tentação no deserto (4,1-13), no 1º Domingo da Quaresma (Ano C).

Lucas, o autor grego e erudito (“médico” cf. Cl 4,14) tem simpatia pelos costumes judaicos (cf. Lc 1-2). Seguindo o evangelho mais velho de Mc, Lc narra como Jesus foi batizado e tentado antes de começar sua pregação pública (3,1-4,13; cf. Mc 1,1-14), mas colocou a narrativa da visita em Nazaré que encontrou em Mc 6,1-6, já no início da vida pública de Jesus e a ampliou bastante. Depois da prova no deserto, o Espírito continuava guiando Jesus levando-o para Galileia (vv. 1.14) onde começou ensinar nas sinagogas e ganhar fama (v. 15).

Veio Jesus à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura (v. 16).

Lc apresenta a primeira pregação do messias de maneira mais extensa do que Mc 1,14s, não numa montanha como Mt 5-7, mas numa “sinagoga” (como depois os missionários cristãos em At 9,20; 13,5; 14,44 etc.). O lugar não é a sinagoga de Cafarnaum (cf. vv. 23.31; Mc 1,21-28; Jo  6,59), mas de Nazaré (cf. Mc 6,2; Mt 13,54), onde Jesus foi criado e vivia por “mais ou menos trinta anos” (3,23).

Sendo judeu piedoso e praticante, Jesus frequentava o culto na sinagoga no dia de sábado. Só em Jerusalém existia o templo onde sacerdotes celebravam os sacrifícios que o povo oferecia (desde a concentração do culto na capital pelo rei Josias, 640-609 a.C.; cf. Dt 12; 2Rs 22-23). Nos outros lugares, o povo se reunia nas sinagogas que surgiram durante o exílio na Babilônia (o templo em Jerusalém estava em ruínas) e continuam sendo os lugares para assembleias religiosas do judaísmo no mundo inteiro até hoje (o templo de Jerusalém foi destruído em 70 d.C. e no século VII substituído por um santuário mulçumano).

Nas sinagogas celebra-se um culto da Palavra no sábado, cantando salmos e lendo (em pé) trechos da lei de Moisés (Torá – Pentateuco) e dos profetas, em seguida uma homilia (sentada). Nesta, qualquer judeu adulto podia tomar a palavra, mas as autoridades da sinagoga chamavam geralmente aos que eram versados nas escrituras (cf. At 13,15).

Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: ”O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (vv. 17-19).

A cena e programática: síntese e modelo da pregação de Jesus. Providencialmente oferece-se o livro de Isaías. Jesus não escolheu, mas achou a passagem de Is 61,1; o texto original invoca a consagração (unção) de um profeta (cf. 1Rs 19,16) ou, mais provável, do messias (cf. Is 11,1s; 42,1) apresentando seu programa de governo (cf. Sl 72). Jesus se refere aqui ao Espírito que ele acaba de receber no batismo e faz dele a fonte de sua mensagem e ação salvadora.

 O evangelho (palavra grega que significa “Boa Nova”) inclui a libertação de qualquer tipo de opressão: econômica, os pobres; política, os cativos; a física (e intelectual), os cegos. Ao Is 61,1, Lc acrescenta Is 58,6 antes, para proclamar um “ano de graças” (v. 19; Is 61,2a) interrompe a citação antes do final ameaçador (cf. Is 61,2b: um dia de vingança para nosso Deus). O ano da graça designa o ano jubilar fixado pela lei de 50 em 50 anos para perdoar dívidas (cf. Lv 25,10-13). Para Lc, o messias veio para proclamar a graça e a misericórdia de Deus e não a sua vingança (cf. Lc 6,36s; 15; 23,34.43). O ano de graças agora é a atividade pública de Jesus que demora um ano desde a pregação na Galileia até a Páscoa em Jerusalém.

Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante, e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (vv. 20-21).

No texto de Is 61,1, um profeta anônimo (Trito-Isaías: Is 56-66) fala na primeira pessoa. Quem é este eu? Muitos leram estes versículos, mas seu sentido sempre ficara a meio caminho. “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura” (v. 21; Lc gosta de empregar a palavra “hoje” em momentos chaves, cf. 2,11; 5,10.26; 12,28; 13,7.32s; 19,5.9.42; 22,34.61; 23,43; At 4,9; 13,33; 19,40; 20,26; 23,1; 24,21; 26,6.22.29). Agora chegou este Eu que pronuncia este texto autenticamente que será cumprido e estará cheio de sentido. A todos quantos têm “os olhos fixos nele”, Jesus declara-se messias (cf. 1,32.35; 2,11; 3,22; 22,67-71), porque a palavra messias quer dizer lit. “ungido” (cf. v. 18).

Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca. E diziam: “Não é este o filho de José?” (v. 22).

Depois da parte positiva do programa do messias, Lc passa narrar como a admiração dos nazarenos se transforma em rejeição. Isto já foi relatado em Mc 6,1-6, mas Lc amplia e agrava esse relato. Começa pela dúvida sobre sua família, mas em Lc os nazarenos só perguntam sobre o pai (cf. Jo 6,46), não falam da mãe, dos irmãos e das irmãs de Jesus (cf. Mc 6,3; Lc os menciona em 8,19-21p).

Em Mc 6,3, a pergunta é: “Não é este o carpinteiro, o filho de Maria, irmãos de Tiago…?” Mc nem menciona José no seu evangelho. Podemos concluir que José já estava morto, porque Jesus foi identificado como filho de Maria. Lc substitui o carpinteiro pelo nome do pai José (também Mt 13,55 modificou: “Não é ele o filho do carpinteiro? Não se chama a mãe dele Maria e seus irmãos Tiago…?”). Talvez Lc não queira pairar dúvidas sobre Maria e menciona o pai José em vez do carpinteiro para dizer: Jesus é apenas o filho de um homem comum como nós? Para o leitor de Lc, as dúvidas sobre o verdadeiro Pai de Jesus já foram esclarecidas (cf. 1,34s; 2,48-50)

Estranho que Lc comunicou tantos detalhes da infância de Jesus, mas não menciona em nenhum lugar a profissão de carpinteiro que José e Jesus exerciam (cf. Mc 6,3; Mt 13,55); o motivo não pode ser desprezo de trabalhos manuais, porque Lc não escondeu a pobreza da família de Nazaré (2,7.24) nem a profissão simples dos apóstolos (5,3; At 18,3). Lc se mostra solidário com os humildes, aliás, tem forte consciência social. Mas talvez houvesse pessoas preconceituosas entre seus leitores mais eruditos (cf. 1,3: “excelentíssimo Teófilo”) a quem Lc queria convencer, aos poucos, que um homem simples, sem formação acadêmica, pode ser o salvador (vencendo um preconceito semelhante daquele que os próprios nazarenos tinham; cf. Jo 1,46).

Jesus, porém, disse: “Sem dúvida, vós me repetireis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum.” E acrescentou: “Em verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria (vv. 23-24).

De Mc, Lc copia a frase sobre o profeta que não é reconhecido na sua pátria (mas omite “na sua família”, cf. Mc 6,4) e a referência às curas em Cafarnaum (Mc 6,2), mas estas curas serão narradas só em seguida em 4,31-44 (cf. Mc 1,21-39).

A palavra do “médico” pode ter vários significados: “estás doente, começa curar a ti mesmo, pois precisas”, ou “não queremos teus serviços”, ou “prova que é capaz” ou “cura a ti mesmo e os teus (conterrâneos) para que sejas acreditado” (cf. a cena com o messias na cruz em 23,35.39). Talvez essa frase particular de Lc (cf. 5,31p) tenha indicado a possível autoria do evangelho, “Lucas, o querido médico” (Cl 1,14; cf. Fm 24; 2Tm 4,11).

De fato, eu vos digo: no tempo do profeta Elias, quando não choveu durante três anos e seis meses e houve grande fome em toda a região, havia muitas viúvas em Israel. No entanto, a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a uma viúva que vivia em Sarepta, na Sidônia. E no tempo do profeta Eliseu, havia muitos leprosos em Israel. Contudo, nenhum deles foi curado, mas sim Naamã, o sírio” (vv. 25-27).

Jesus cita os profetas Elias e Eliseu e seu serviço excepcional aos pagãos (1Rs 17,1-7; 2Rs 5,1-27) como exemplos: um homem de Deus pode ser enviado para fazer maravilhas não para os seus conterrâneos, mas para pessoas estranhas e pagãs superando preconceitos (cf. 7,1-17; 8,26-39p; 10,29-37; 17,11-19; At 8; 10 etc.)

Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até ao alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício. Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho (vv. 28-30).

Enquanto em Mc 6,5s, Jesus “não podia fazer milagre ali” em Nazaré por causa da “incredulidade” dos seus conterrâneos, em Lc a cena é bem mais dramática. As dúvidas e a rejeição que se seguiam ao primeiro entusiasmo levam até a tentativa de homicídio.

Para os nazarenos em Lc, se Jesus não confirma sua pretensão com um milagre, é usurpador do título de “messias” e, portanto, um falso profeta que merece a morte (Dt 13,6). A Bíblia nada fala do atirar no abismo como forma de execução, mas a cena corresponde à situação geográfica de Nazaré. Por pouco o lugar onde começou a vida de Jesus (com a gravidez de Maria) se torna o lugar de sua morte. Mas Jesus, “passando no meio deles” (pode ser uma alusão à páscoa, cf. Ex 12,11s.27; 14; Jo 13,1), “continuou seu caminho” para Jerusalém (9,51-19,28 parte central de Lc; cf. Lc 24,15 no caminho a Emaús).

No evangelho de hoje, Lc antecipa os fatos numa composição dramática. Reúne nesta única narração na sinagoga de Nazaré sua admiração pelos costumes judaicos (Escritura do AT, sinagoga), o programa do messias (anunciado em Is 61,1 e identificado com Jesus), a recusa por boa parte de Israel que leva a morte e ressurreição de Jesus e a pregação da salvação aos pagãos que os apóstolos realizarão (cf. At 28,25-28, conclusão da obra dupla de Lc).

O site da CNBB comenta: Jesus é o ungido do Pai que veio até nós com a missão de evangelizar os pobres, ou seja, de tornar membro do Reino dos Céus todos os que colocam a sua esperança no Senhor. A sua vida terrena não foi outra coisa senão o pleno cumprimento dessa missão. Ele anunciou a liberdade dos filhos de Deus e a libertação dos cativos do pecado e da morte, curou os cegos, de modo que todos podem enxergar além do mero horizonte da realidade natural, lutou contra todo tipo de injustiça que é causa de opressão e anunciou a presença do Reino da graça e da verdade. Assim, Jesus também nos mostra o que é necessário para que a Igreja, o seu Corpo Místico, seja fiel à sua missão de continuadora da sua obra. 

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