05 de Março de 2019, Terça-feira: Começou Pedro a dizer a Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos” (v. 28).

Leitura: Eclo 35,1-15 (grego 1-12)

Ben Sirac, o autor de Eclo, volta ao tema da lei que exige sacrifícios (Lv 1-7): a prática da Lei em si já é um culto a Deus. O texto contrasta com o anterior (34,18-26), que denunciava os sacrifícios oferecidos com bens mal adquiridos pela exploração dos pobres. Na leitura de hoje se refere ao sacrifício do justo, apoiando-se na teologia da retribuição (vv. 12-13).

O autor expõe o que é o culto autêntico, recordando uma série de práticas rituais, opondo a cada prática uma forma de justiça ou caridade (1-3), afirmando o valor de tal sacrifício (4-6) e, por fim, exortando à generosidade (7-10).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1296) comenta: Ben Sirac é ao mesmo tempo um fervoroso ritualista muito apegado ao culto e um moralista preocupado em observar a Lei em todos os seus preceitos de justiça e de caridade. Essas duas tendências associam-se aqui.

Aquele que guarda a lei faz muitas oferendas; aquele que cumpre os preceitos oferece um sacrifício salutar. Aquele que mostra agradecimento, oferece flor de farinha, e o que pratica a beneficência oferece um sacrifício de louvor. O que agrada ao Senhor é afastar-se do mal, e o que o aplaca é deixar a injustiça (vv. 1-5).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1776) comenta: Ben Sirac pede que se junte a observância da Lei com as práticas do culto. Este lhe serve para afirmar o valor propriamente religioso da vida moral. É uma prova da estima que a materialidade dos sacrifícios é inoperante junto de Deus, que exige a retidão moral daquele que os oferece (cf. v. 7,9). Sobre a retidão moral afirma que a materialidade dos sacrifícios é inoperante junto de Deus que exige a retidão moral daquele que os oferece (cf. vv. 7.9). Sobre os diversos sacrifícios cf. Lv 1-7.

Para Ben Sirac, a prática da Lei é por si mesma um culto. “Lei” e “preceitos” (mandamentos) são vistos acerca do próximo, não apenas acerca do culto (como também em Sl 50,16-17; cf. a crítica dos profetas: Is 1,11-17; Am 5,21-25; Mq 3,1-4). Partindo do termo geral “guardar a lei”, o autor especifica mais e mais até chegar ao dízimo (v. 11) e a esmola (v. 4: “beneficência”; cf. v. 12 hebr., cf. v. 17 “órfãos e viúvas”).

Nas “oferendas” e no sacrifício de “agradecimento”, o povo ou os sacerdotes comiam parte do que é oferecido; “mostrar agradecimento”; pode trata-se de um simples reconhecimento humano (cf. a esmola, que está em paralelo no estíquio seguinte) ou da ação de graças religiosa. “Flor-de-farinha” é produto seleto oferecido a Deus (cf. Lv 5,5; 16,21). O “sacrifício salutar” é um sacrifício de paz (cf. Lv 3); o “sacrifício de louvor” (v. 4) também poderia ser de penitência ou confissão do pecado.

O v. 5 expressa o mesmo em forma negativa (afastar-se do mal, deixar a injustiça). “O que agrada” como sacrifício que Deus “aceita”; a expiação (“o que lhe aplaca”) é outro tipo de sacrifício (cf. Pr 21,3)

Não te apresentes na presença de Deus de mãos vazias, porque tudo isso se faz em virtude do preceito. O sacrifício do justo enriquece o altar, o seu perfume sobe ao Altíssimo. A oblação do justo é aceitável, e sua memória não cairá no esquecimento. Honra ao Senhor com coração generoso e não regateies as primícias que apresentares (vv. 6-10).

No templo, “não te apresentas na presença de Deus de mãos vazias”, segundo manda a lei (Ex 23,15; 34,20; Dt 16,16). ”O sacrifício do justo enriquece o altar” (lit.: “engorda o altar”)

Uma parte da oferta é separada para o Senhor, como obséquio ou prenda (‘azkara), e é queimada no altar, de modo que o “aroma aplaque” o Altíssimo. Esta é “sua memória”, o memorial (cf. Lv 2,2) é a parte retirada da oblação para ser consumida pelo fogo, Lv 2,1-3. O grego não entendeu a referência cultual. Trata-se da ‘azkara’ (da raiz zkr = recordar); daí o jogo de palavras “não será esquecida”.

“Honrar” (v. 10) significa aqui prestar culto (como em Pr 3,9-10); “com coração generoso (lit. com um olhar bom) … as primícias que apresentares” (lit. de tuas mãos).

Faze todas as tuas oferendas com semblante sereno, e com alegria consagra o teu dízimo. Dá a Deus segundo a doação que ele te fez, e com generosidade, conforme as tuas posses; porque ele é um Deus retribuidor, e te recompensará sete vezes mais (vv. 11-13).

O v. 11, aqui referido ao culto, é citado por Paulo para animar os coríntios a contribuir na coleta em 2Cor 9,7. Cf. a lei dos “dízimos (Lv 27,30-32).

“Com generosidade, conforme as tuas posses” (lit. com um olho bom, segundo o que pode atingir tua mão. O texto hebr. acrescenta na margem: “Quem dá a um pobre empresta a Deus; quem lho retribuirá senão ele?” (cf. Pr 19,17).

O “Deus retribuidor… te recompensará sete vezes mais” Sete é número indicando a plenitude, (cf. 7,3; 20,12; 40,8).

A dialética da graça ou dom divino é admirável: Deus começa dando, o homem responde dando o que recebeu, Deus torna a dar multiplicando. O homem sempre age aprisionado, envolvido e elevado entre os dons de Deus.

Não tentes corrompê-lo com presentes: ele não os aceita; nem confies em sacrifício injusto, porque o Senhor é um juiz que não faz discriminação de pessoas (vv. 14-15).

O v. 14 serve como ligação, e o autor passa a um tradicional tema semelhante ao anterior: Deus não recebe os sacrifícios de bens injustos, mas escuta o grito do oprimido. Esta advertência pode ter sido dirigida tanto aos dominadores selêucidas quanto aos judeus helenistas. Aos dois grupos o autor ressalta a opção de Deus pelos oprimidos, ao escutar suas súplicas (cf. Ex 22,22-24; Pr 22,22-23; 23,10-11).

A ideia de que Deus é juiz e não faz acepção de pessoas é muitas vezes expressa no AT (cf. por ex. Dt 10,17; 2Cr 19,7) e retomadas no NT (1Pd 1,17; At 10,34; Rm 2,11; Gl 2,6) a doutrina aplicada à conversão dos gentios, At 10,34; Rm 2,11; Pd 1,17.

Se Deus sente alguma parcialidade, é a favor do oprimido e indefeso: em toda a história de Israel, Deus se põe do lado do oprimido. Parece parcialidade, mas é a suprema justiça, que é vitória e salvação (cf. 4,4-6).

“Não faz discriminação de pessoas” (lit. a glória da pessoa não é nada junto dele). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1776) comenta: Esta ideia é muitas vezes expressa no AT: Dt 10,17; 2Cr 19,7. Cf. Livro das Jubileus. “Ele não é alguém que faça acepção de pessoas, nem é alguém que receba presentes, quando diz que executará seu julgamento sobre cada um, se alguém der tudo o que existe sobre a terra, mesmo assim ele não considera esses dons, nem aceitará o que quer que seja em suas mãos, pois é um justo juiz” (5,16). A ideia será retomada no NT, cf. 1Pd 1,17. Ela é transposta: At 10,34; Rm 2,11; Gl 2,6.

 

Evangelho: Mc 10,28-31

Ontem ouvimos do fracasso do rico que não atendeu ao chamado de Jesus (vv. 17-27). Ele almejava “herdar a vida eterna” (v. 17), mas para os ricos é difícil, quase impossível “entrar no reino de Deus” (vv. 24-25), só “para Deus tudo é possível” (v. 27). Assustados, os discípulos se perguntaram: “Quem então pode ser salvo?” (v. 26). Será que eles, que seguiram Jesus, vão conseguir?

Começou Pedro a dizer a Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos” (v. 28).

Pedro como representante dos discípulos afirma com certa autoestima: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”; em Mt 19,27 ele ainda pergunta: “O que vamos receber?”.

Respondeu Jesus: “Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, durante esta vida – casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições – e, no mundo futuro, a vida eterna (vv. 29-30).

Jesus responde com uma promessa solene: “Em verdade, eu vos digo…” (v. 29a). Renunciar das coisas do mundo traz recompensa grande no céu. Esta ideia já era reconhecida no judaísmo: Quem sofrer tribulações e perseguições por causa da Lei receberá sete vezes a glória do céu (cf. Mt 5,10). Os discípulos, porém, renunciam e sofrem por outro motivo: o seguimento e a fidelidade a Jesus, “por causa de mim e do evangelho” (v. 29).

Deixar os bens, casa e campos, já estava na vocação do homem rico. “Casa” na Bíblia, porém, significa também família, portanto incluem-se na lista “irmãos e irmãs, mãe, pai, filhos”. Aqui em Mc, Jesus não fala em deixar a mulher (talvez por causa da mulher de Pedro e de outros apóstolos, cf. 1Cor 9,5), nem no paralelo Mt 19,20 (em Mt 19,12 acrescentou-se a opção do celibato), mas em Lc 18,29 sim.

A separação dos parentes (já em 1,20) pode ter várias razões, pode-se pensar em falta de compreensão (cf. os parentes de Jesus em 3,21.31-35; 6,4) ou perseguição por causa da fé e adesão a Jesus (cf. 13,12). “Receberá cem vezes mais” (v. 30; cf. 2 Sm 24,3; 1Cor 21,3). Distingue-se um salário aqui e “agora, durante esta vida” e outro, “no mundo futuro”. Nesta vida receberá tudo cem vezes mais, casa, campos e parentes, mas não se fala mais de “pai” (talvez porque para o discípulo, Deus seja o Pai nosso e único; cf. Mt 23,9; Lc 11,27; Mc 3,31-35; At 2,44; 4,32-37: Rm 8,15; Gl 4,6).

Muitos que agora são os primeiros serão os últimos. E muitos que agora são os últimos serão os primeiros” (v. 31).

A sentença final é uma surpresa e anuncia a inversão de valores no juízo final. Podemos relacionar os primeiros e os últimos com os ricos e os pobres, reis e escravos, poderosos e excluídos, opressores e oprimidos, etc. A palavra “muitos” não inclui automaticamente “todos”. Há uns que são primeiros ou últimos e assim permanecerão, mas é uma advertência aos primeiros na comunidade para não se considerarem superiores querendo impor-se aos outros.

O site da CNBB comenta: Eu posso contribuir para a minha salvação na medida em que eu faço de Deus o centro da minha vida e a causa da minha felicidade, submetendo-me totalmente a ele. Se eu vivo apegado às coisas do mundo, eu vivo em função delas e coloco nelas a minha felicidade, fechando o meu coração à ação divina e a minha vida ao projeto do reino dos céus. Para conseguir o desapego das coisas do mundo, é necessário que a gente procure assumir uma nova hierarquia de valores que faz com que sejamos capazes de desprezar os bens materiais, mas rejeitar os valores do mundo significa sofrer perseguições nesta vida. É preciso renunciar aos valores do mundo para ter a vida em Cristo.

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