05 de setembro de 2016 – 23ª semana 2ª feira

Leitura: 1Cor 5,1-8

Em flagrante oposição a seu comportamento orgulhoso (cf. vv. 2.6), a comunidade de Corinto é afetada de graves problemas na conduta. Numa carta anterior (que não se conservou, cf. v. 9), Paulo alertou que não tolerasse no meio cristão “irmão que é devasso, ou avarento (ganancioso, explorador) ou idólatra (sincretista) ou caluniador (difamador) ou beberrão ou ladrão” (v. 11; cf. 6,9s). Na leitura de hoje ouvimos do caso de um homem incestuoso.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1391) comenta:  A solução proposta pelo Apostolo é bastante radical (vv. 2 e 12), seja entregue a Satanás como forma de expulsão terapêutica (v. 5), e isolado das refeições (v. 11). Para tanto, são apresentados argumentos da Escritura, como a reunião de um tribunal local em nome do Senhor Jesus (vv. 2-5), a separação do pão fermentado que estraga a massa inteira (vv. 6-8), e o afastamento do jovem para que se recupere (vv. 9-13).

É voz geral que está acontecendo, entre vós, um caso de imoralidade; e de imoralidade tal que nem entre os pagãos costuma acontecer: um dentre vós está convivendo com a própria madrasta (v. 1).

“Convivendo com a própria madrasta. lit. “convive com a mulher de seu próprio pai”, provavelmente a mulher desposada pelo pai em segundas núpcias, após a morte da mãe do jovem. Trata-se, pois, da união imoral de um enteado com sua madrasta.

Essa união era proibida pela lei mosaica (Lv 18,8) e reprovada também pelo direito dos povos pagãos. A Bíblia do Peregrino (p. 2744) comenta: Em seu catálogo de incestos, o Levítico registra as relações com a concubina do pai (18,8), e indica para o delito a pena de morte para ambos (20,11). De maneira geral, abrangendo todos os casos de incesto, diz que o culpado “será excluído do seu povo” (18,29), que é o povo de Deus. A lei romana era mais benigna no castigo. É clássico no AT o relato do incesto das filhas de Ló (Gn 19,30-38). Talvez a mulher fosse pagã, pois nada se diz dela.

Algumas escolas rabínicas eram mais tolerantes, sobre tudo com relação a gentios convertidos, o que talvez explique a complacência da comunidade de Corinto que também não estava sujeito ao direito civil romano. O concilio de Jerusalém (49 d.C.) proibiu uniões desse tipo aos cristãos provenientes do paganismo (At 15,20).

“Imoralidade” traduz a palavra grega porneia, um termo geral que se aplica a todos os tipos de desordem no domino social. Este caso é um exemplo marcante do relaxamento das regras morais, característico das tendências que se manifestam em Coríntio naqueles que se julgam “espirituais”, mas se comportam “carnais” (cf. 3,1-3;

No entanto, estais inchados de orgulho, ao invés de vestirdes luto, a fim de que fosse tirado do meio de vós aquele que assim procede? (v. 2).

O “orgulho” distorce a visão da realidade. Os coríntios deveriam ter, desde muito tempo, excluído o culpado. Considerando-o como morto e, portanto, vestindo “luto” como por ocasião do falecimento de um irmão.

Pois bem, embora ausente de corpo, mas presente em espírito, eu julguei, como se estivesse aí entre vós, esse tal que tem procedido assim: Em nome do Senhor Jesus – estando vós e eu espiritualmente reunidos com o poder do Senhor nosso, Jesus – entregamos tal homem a Satanás, para a ruína da carne, a fim de que o espírito seja salvo, no dia do Senhor (vv. 3-5). 

Paulo pede a comunidade que confirme uma decisão que ele já tomou. Propõe uma assembleia da comunidade à qual Paulo assistirá “espiritualmente”, representado por sua carta que leva o voto de condenação (segundo o uso antigo). O ato será celebrado invocando Jesus como Senhor e com sua autoridade, assim a comunidade age em nome de Jesus e sua sentença é revestida do poder de Jesus (cf. Mt 18,18).

Na ideia de Paulo, a pena é a exclusão da comunidade (não castigos físicos), na qual Jesus é o Senhor; o culpado é “entregue a Satanás” indiretamente. Com isso passa ao domínio dos poderes contrários. A exclusão priva o condenado dos meios de defesa que esta comunidade possui contra a ação de Satanás, e por tanto o entrega ao seu poder (que podem causar doença e possessão), “para a ruína da carne” (mortificar a sensualidade-instinto ou destruir a vida corporal)

Esta pena, porém, é “medicinal”, devendo os sofrimentos consecutivos à ação de Satanás levar o pecador a conversão e, portanto, sua salvação “no dia do Senhor”, isto é, no juízo final.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2153) comenta: Frequentemente, os comentadores veem aqui uma “excomunhão”. Todavia esta palavra não ocorre na Bíblia (não corresponde exatamente a “anátema”, Js 6,17; 1Cor 16,22). No AT, no judaísmo e em Qumrã estavam em uso penas de exclusão. O NT apresenta vários casos de penas, cujos motivos e cuja execução diferem entre si. Às vezes, o culpado era deixado, por um certo tempo, separado da comunidade (1Cor 5,2.9-13; 2Ts 3,6-14; Tt 3,10; cf. 1Jo 5,16-17; 2Jo 10). Por vezes, era “entregue” (aqui; 1Tm 1,20) a Satanás, privado do apoio da Igreja e dos santos e, consequentemente, exposto ao poder que Deus outorga ao seu Adversário (2Ts 2,4; cf. Jó 1,6). Mesmo nesses casos extremos, o Apostolo espera o arrependimento e a salvação final (5,5; 2Ts 3,15, etc.). – Tal disciplina supõem certo poder da comunidade sobre os membros (cf. Mt 18,15-18).

Vós vos gloriais sem razão! Acaso ignorais que um pouco de fermento leveda a massa toda? Lançai fora o fermento velho, para que sejais uma massa nova, já que deveis ser sem fermento. Pois o nosso cordeiro pascal, Cristo, já está imolado (vv. 6-7).

“Vós vos gloriais sem razão”, lit.: “Não é bela a vossa ufania!” Outra vez, Paulo critica o comportamento orgulhoso da comunidade (vv. 2.6).

“Lançai fora o fermento velho”. A Bíblia do Peregrino (p. 2744) comenta: O incesto, condenado por judeus e pagãos, não é sinal da nossa liberdade cristã, da qual os coríntios podem gabar-se, e sim vergonha que fomenta a fermentação do mal na comunidade inteira, como fermento na massa. Por isso, é preciso extirpar o culpado (Dt 17,7.12 e outras dez vezes). A exclusão da comunidade ou excomunhão – afastá-lo de Cristo, entregá-lo a Satanás – deve ser medicinal para o culpado, para que extirpe sua conduta “instintiva”, imoral.

O “fermento” aqui é símbolo de corrupção como em Gl 5,9; Mt 16,6p (contrariamente a Mt 13,33p); o pão ázimo (hebr. mazzot, preparado apenas com água e farinha, “sem fermento”) é símbolo de “pureza e verdade” (v. 8), integridade.

A festa da Páscoa é celebrada no primeiro dia da semana dos Ázimos. Estes pães sem fermento simbolizam a novidade e a pressa na libertação da escravidão no Egito (Ex 12,15-20; Dt 16,3-8). Havia uma legislação rígida durante esta semana dos Ázimos: “Todo o que comer algo fermentado, desde o primeiro dia até o sétimo, essa pessoa será eliminada da comunidade de Israel” (Ex 12,15.19).

“Sejais uma massa nova (lit. conforme sois ázimos), já que deveis ser sem fermento”. Temos aqui um exemplo típico da moral paulina: tornai-vos o que sois, aqui no sentido “sois puros, purificai-vos”, ou seja, realizai em vossa vida o que Cristo realizou em vós quando vos tornastes cristãos (cf. Rm 6,11-12; Cl 3,3-5).

Assim, celebremos a festa, não com velho fermento, nem com fermento de maldade ou de perversidade, mas com os pães ázimos de pureza e de verdade (v. 8).

“Celebremos a festa” da Páscoa, que está próxima; é possível que esta comparação tenha sido sugerida a Paulo pelo período do ano em que escrevia. Ou ele alude a Eucaristia: a última ceia era uma refeição pascal na qual Jesus usava pães ázimos (como são as nossa hóstias, uma norma na Igreja Católica, do séc. VII até hoje; a igreja oriental usa pães com fermento).

Fermentado é o velho, submetido a corrupção (“maldade ou perversidade”); ázimo é o novo, destinado a incorruptibilidade (“pureza e verdade”).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2211) comenta a festa da Páscoa: O ritual judaico desta comportava a procura e a destruição do pão fermentado que houvesse ficado em casa (cf. v. 7), a imolação do cordeiro pascal (cf. v. 7), e a manducação de pães sem fermento (v. 8). Estas são figuras da realidade definitiva que é o Cristo, verdadeiro Cordeiro pascal por quem o velho fermento do pecado fica definitivamente destruído e que torna possível uma vida “pascal” de santidade e pureza simbolizada pelo pão sem fermento.

 

Evangelho: Lc 6,6-11

No evangelho de hoje lemos o quinto confronto de Jesus com as autoridades e o segundo por causa do sábado.

Aconteceu num dia de sábado que, Jesus entrou na sinagoga, e começou a ensinar. Aí havia um homem cuja mão direita era seca. Os mestres da Lei e os fariseus o observavam, para verem se Jesus iria curá-lo em dia de sábado, e assim encontrarem motivo para acusá-lo (vv. 6-7).

“Aconteceu num dia de sábado” (lit.: em outro sábado, cf. v. 1). Jesus provoca outra vez na ocasião do seu ensino na sinagoga num dia de sábado (cf. 4,15s.31) vendo um homem com a mão direito “seca”, quer dizer, paralisada. Lucas atribui a letrados e fariseus uma intenção má: observam, espiam em silêncio (cf. Sl 59,4) para poder acusar Jesus diante da autoridade suprema (cf. Dn 6,12s).

Os casuístas fariseus consideravam uma cura, mesmo milagrosa, como um ato medicinal, portanto, um trabalho proibido no dia de sábado (cf. 13,14; 14,1-2). Segundo os rabinos, só se podia dar alivio a um doente durante o sábado se ele estivesse em perigo de morte. O caso do deficiente constituía-se, por isso, em maneira de testar a atitude de Jesus a esse respeito.

Jesus, porém, conhecendo seus pensamentos, disse ao homem da mão seca: ”Levanta-te, e fica aqui no meio.” Ele se levantou, e ficou de pé (v. 8).

Lc já notou a perspicácia de Jesus em 5,22, com Mt e Mc. Mas aqui Lc é o único a notá-la aqui, como em 9,47 (cf. 11,17 e 20,23).

Jesus chama o deficiente físico: “Levanta-te e vem para o meio” (era o lema da CF 2006), porque estava excluído, estava à margem. Jesus mostra que a lei do sábado deve ser interpretada no seu sentido original como libertação e vida para o homem. Por isso, os que preferem ficar com o velho sistema se reúnem para planejar a morte de Jesus (v. 11): ele está destruindo as ideias de religião e sociedade que eles tinham.

Disse-lhes Jesus: “Eu vos pergunto: O que é permitido fazer no sábado: o bem ou o mal, salvar uma vida ou deixar que se perca?” Então Jesus olhou para todos os que estavam ao seu redor, e disse ao homem: “Estende a tua mão.” O homem assim o fez e sua mão ficou curada (vv. 9-10).

Na doença se antecipa a morte (Sl 30,3s; 41; 88,2-7); por isso, curar é fazer o bem, afastar ou arrancar da morte. Omitir o socorro possível em tais circunstâncias é fazer um mal. O doente centraliza e concentra atenção. Ora, a vida é mais importante que o sábado (cf. a exceção tomada em 1Mc 2,32-41). Jesus leva a questão ao terreno do bem e do mal, da vida e da morte, como fizera Moisés: “Hoje ponho diante de ti a vida e o bem, a morte o mal” (Dt 30,15.19). Em resumo escalonado: defender a própria autoridade, defender a autoridade da lei, defender a vida humana. A lei de Jesus é salvar o homem.

Eles ficaram com muita raiva, e começaram a discutir entre si sobre o que poderiam fazer contra Jesus (v. 11).

Jesus provoca e desafia os desumanos intérpretes da lei “que decretam injustiças invocando a lei” (Sl 94,20), e eles, por falta de argumentos, reagem com rancor. Enquanto Mt e Mc relatam aqui os propósitos homicidas dos fariseus (e dos herodianos) contra Jesus, Lc não especifica as intenções dele. Talvez porque julgue esta ameaça prematura, mas também porque nunca envolve os fariseus na morte de Jesus: ele atribui a responsabilidade desta aos sumos sacerdotes. Historicamente é mais verídico; Lc quer ser historiador que se baseia em pesquisas (1,3).

No tempo de Lc e Mt (cerca de 80 d.C.) não havia mais sacerdotes, porque o templo em Jerusalém foi destruído em 70 d.C. pelos romanos que não permitiram reconstruí-lo. Em Mt, os fariseus e mestres da Lei são responsáveis pela morte dos profetas e de Jesus (cf. Mt 23), por que ele escreve para judeu-cristãos que enfrentavam a hostilidade das lideranças judaicas que restaram depois da guerra, os fariseus. Lc, porém, escreve para gregos e romanos que não têm problemas com os fariseus, mas são distantes dos costumes e da religião judaica. Lc, portanto, quer criar simpatia no leitor pelo povo judeu do qual nasceu Jesus (cf. Lc 1-2).

O site da CNBB comenta: Duas perguntas podem ser feitas a partir do Evangelho de hoje: a primeira é sobre o motivo da existência da lei, e a segunda é sobre a nossa atitude em relação ao modo de agir das outras pessoas. No primeiro caso, a lei pode existir tanto para garantir direitos como para ser instrumento de opressão e de dominação. Os fariseus e os mestres da Lei fizerem da Lei de Deus não um meio para garantir o bem, mas um meio de estabelecerem relações de poder e dominação. No segundo caso, quando uma pessoa faz algo que nos surpreende, nós podemos condená-la e excluí-la porque não segue os padrões da normalidade ou podemos buscar os seus motivos, e talvez aprendamos novas formas de amar.

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