05 de setembro de 2017 – Terça-feira, 22ª semana

Leitura: 1Ts 5,1-6.9-11

Na leitura de hoje, a liturgia nos apresenta uns versículos do capítulo final de 1Ts. Mais uma vez Paulo fala da expectativa da volta de Jesus (parusia) em breve.

Quanto ao tempo e à hora, meus irmãos, não há por que vos escrever. Vós mesmos sabeis perfeitamente que o dia do Senhor virá como ladrão, de noite. Quando as pessoas disserem: “Paz e segurança!”, então de repente sobrevirá a destruição, como as dores de parto sobre a mulher grávida. E não poderão escapar (vv. 1-3).

“O dia do Senhor” é uma imagem profética do AT (Am 5,18; Jl 2,1; Sf 1,7) usada também no NT (At 2,20; 1Cor 5,5). Enquanto na tradição se referia a Deus (kyrios-“Senhor” é tradução grega do hebraico Yhwh-Javé), Paulo o identifica depois com “o dia do Senhor Jesus” (1Cor 1,8; Fl 1,6.10), A especulação sobre a vinda do fim do mundo é típico do gênero apocalíptico (Dn 9,2.24-27), mas “o dia do Senhor virá como ladrão” (Mt 24,43; Lc 12,39s; 2Pd 3,10; Ap 3,3), de noite” , enquanto as pessoas dormem (cf. vv. 4-6) ou disserem: “Paz e segurança” (cf. Jr 6,14; Ez 13,10.16), e “não poderão escapar” (cf. Am 2,14s).

Saber com precisão a data da vinda (parusia) de Cristo é desejo muito humano, porém fadado à frustração. Conforme a tradição cristã, só Deus Pai conhece o momento exato: «Quanto a esse dia e hora, ninguém sabe nada, nem os anjos do céu, nem o Filho. Somente o Pai é quem sabe» (Mc 13,32p). Aos cristãos cabe esperar com espírito vigilante. Com as dores do parto, Paulo compara também a expectativa da criação em Rm 8, 19, e João a tristeza dos discípulos antes de encontrar a nova vida do Ressuscitado (Jo 16,21).

Mas vós, meus irmãos, não estais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Todos vós sois filhos da luz e filhos do dia. Não somos da noite, nem das trevas. Portanto, não durmamos, como os outros, mas sejamos vigilantes e sóbrios (vv. 4-6).

A menção do “dia do Senhor” facilitou a fluência do sentido. Paulo descreve a condição dos cristãos usando o tema da luz e das trevas. A luz e o dia, o estado de vigília, opõem-se às trevas e à noite, ao sono (que não é mais a morte, como em 4,13s e 5,10). Do mesmo modo, os “filhos da luz” (semitismo), os cristãos, opõem-se aos “filhos das trevas” (cf. Lc 16,8; Jo 8,12; 9,4s; Ef 5,8; Fl 2,15). Esta linguagem excludente encontra-se também nos escritos encontrados em Qumran.

A luz é símbolo da vida, enquanto as trevas são símbolo do mal e da morte (cf. Jó 22,11; 24,13-17; Ef 5,8-14; Jo 3,19-21). O patrão deve vigiar de noite inclusive mais que de dia (cf. Lc 12,35-48; Mt 24,42-51; 25,1-13). De noite, o ladrão rouba e se celebram as bebedeiras e orgias (v. 7); é preciso ser “sóbrios”, como de dia (cf. Rm 13,11-14).

Amos tinha dito: “o dia do Senhor é tenebrosos e sem luz” (5,18) e Sofonias o descrevia como “dia de escuridão e trevas” (1,15). Paulo o representa como dia luminoso para os cristãos que devem responder as exigências da luz lutando com as armas (“couraça … capacete”) da fé, do amor e da esperança (cf. 8, omitido pela liturgia; Ef 6,11-17). Muitos biblistas consideram os vv. 4-8 como parte da catequese batismal (catecumenato).

Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançarmos a salvação, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele morreu por nós, para que, quer vigiando nesta vida, quer adormecidos na morte, alcancemos a vida junto dele. Por isso, exortai-vos e edificai-vos uns aos outros como já costumais fazer (vv. 9-11).

Os vv. 9-11 trazem nova lembrança, muito resumida, da pregação de Paulo: Deus nos salva da ira por Jesus Cristo (1,10) que morreu por nós. “Quer vigiando nesta vida, quer adormecidos na morte” significa novamente “vivos ou mortos” (como o eufemismo em 4,14-17): todos os fiéis participarão da salvação final.

Raymond F. Collins comenta: “Nos destinou”; em sua exposição do fundamento cristológico da existência cristã, Paulo usa uma expressão semita para indicar que os cristãos são destinados (mas não predestinados) para a salvação (em distinção à ira escatológica). O relacionamento especial entre os cristãos e o Senhor constitui o fundamento da salvação deles. (Comentário São Jerônimo, NT, p.419).

Consolar, exortar e edificar se mutuamente (cf. 4,14; Mt 18,15-20) faz a comunidade crescer na fé, na esperança e na caridade (cf. a imagem militar com as três virtudes teologais e a reciprocidade “uns aos outros” em v. 8; 1,3; Cl 1,3-8; 3,13-4,1).

  

Evangelho: Lc 4,31-37

Continua a leitura do Evangelho de Lucas (cf. a introdução no comentário de ontem).

Jesus desceu a Cafarnaum, cidade da Galileia, e aí ensinava-os aos sábados. As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus falava com autoridade (vv. 31-32).

Depois da sua pregação na sinagoga de Nazaré e a rejeição lá, Jesus segue para Cafarnaum, onde ensina aos sábados na sinagoga com autoridade. Tendo antecipado a visita em Nazaré (vv. 16-30; Evangelho de ontem), Lc volta a seguir o evangelho mais velho de Mc relatando o primeiro dia de curas em Cafarnaum (cf. vv. 23.31-44; Mc 1,21-39). Falta ainda o chamado dos discípulos (Mc 1,16-20p), que Lc apresentará depois em 5,1-11 (evangelho de quinta-feira)

Na sinagoga, havia um homem possuído pelo espírito de um demônio impuro, que gritou em alta voz: ”O que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!” (vv. 33-34).

Seguindo o roteiro de Mc, Lc também apresenta, como primeiro milagre de Jesus, o exorcismo na sinagoga de Cafarnaum. O evangelista Mt, porém, omitiu esta cura talvez por respeito a seus leitores judeu-cristãos que podiam se escandalizar com um espírito impuro na sinagoga. Mas Lc (como Mc) escreve para gregos e romanos que eram pagãos antes de se tornarem cristãos. A medicina antiga atribuía muitas doenças, cujas causas não se sabiam, aos espíritos maus ou impuros (demônios), tais como distúrbios mentais, desequilíbrios emocionais etc. (até a febre em v. 39, ou problemas de coluna em 13,11.16). Enquanto no AT se falava pouco dos maus espíritos (exceção: o rei Saul em 1Sm 17,14-23; 18,10), nas épocas persa e greco-romana se atribuía muito aos demônios (cf. Tb 3,8.17; 6,8; 8,3).

Jesus não era o único curandeiro da época. Na antiguidade, os relatos de curas e de exorcismos seguiam o mesmo esquema: aproximação, descrição dos sintomas, gesto do curandeiro ou ordem do exorcista, sinal da cura, aclamação do povo.

A aproximação acontece na sinagoga num sábado, então num dia santo e num lugar sagrado. Os judeus costumam celebrar um culto da palavra lendo trechos da lei de Moisés e dos profetas, cantando os salmos e fazendo orações. Dentro da sinagoga, os mestres da lei judaica ensinam como o povo deve cumprir a lei e se manter afastado dos pecadores impuros; para os judeus, pureza e santidade pertenciam juntas. É neste espaço e tempo sagrado que aparece um possuído pelo “espírito de um demônio impuro”. O sintoma de desequilíbrio se evidencia nos gritos com voz alta e no conhecimento sobrenatural do espírito, admitindo a identidade de Jesus (cf. 8,28p). Os espíritos sabem mais que os homens, já sabem que Jesus é “o Santo de Deus” que vai destituir o poder do mal (cf. 10,17s). Só Deus é santo, e sua santidade se comunica ao que lhe pertence ou lhe é consagrado (cf. 2,23; Ex 13,1; Lv 19,2; Is 6,3; Sl 99 etc.). Jesus é “Santo de Deus” por excelência, por ser o Messias-Cristo (consagrado com a unção); não parece que os judeus tenham aplicado esse título Santo de Deus ao Messias (cf. Mc 1,34; Lc 1,35; Jo 6,69; At 2,27; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7).

Jesus o ameaçou, dizendo: “Cala-te, e sai dele!” Então o demônio lançou o homem no chão, saiu dele, e não lhe fez mal nenhum. O espanto se apossou de todos e eles comentavam entre si: “Que palavra é essa? Ele manda nos espíritos impuros, com autoridade e poder, e eles saem” (vv. 35-36).

Como Jesus venceu a tentação de satanás no deserto (vv. 1-13p), ele tem o poder para vencer também os espíritos maus. Jesus ordena: “Cala-te e sai dele” (v. 35; cf. 9,42p). O espírito “lançou o homem no chão” (cf. 8,31-33; 9,42; em Mc 1,26: com gritos, sacudindo o homem) e “saiu dele” sem lhe fazer mal (já é um sinal de cura).

O homem fica curado (cf. 8,35p; 9,42p) e as pessoas que assistiram ficam espantadas e admiradas como já antes pelo ensinamento de Jesus (vv. 32.36; cf. 8,35-37p; 9,43p), e aclamam o poder da palavra de Jesus que tem mais “autoridade” (vv. 32.36). Lc já relatou a pregação diferente de Jesus em Nazaré, não precisa mais comparar com os mestres da lei que ensinam nas sinagogas, como fez Mc 1,22 insinuando que o ensino dos doutores da lei e sua interpretação da lei através dos fariseus deixaram os homens desequilibrados (doidos, alienados, possuídos), mas a palavra de Jesus os cura e liberta (cf. v. 18; cf. 13,16). Lc não polemiza contra os judeus, porque a Guerra Judaica (66-73 d.C.) já se passou e ele quer despertar certa simpatia nos seus leitores gregos e romanos que não conhecem esta cultura de onde vem o messias.

E a fama de Jesus se espalhava em todos os lugares da redondeza (v. 37).

Para Lc, a fama de Jesus que se espalha na redondeza é importante como modelo e antecipação da evangelização dos apóstolos (como estribilho, cf. v. 14; 5,15; 7,17; At 1,8; 2,41; 6,7 etc.).

O site da CNBB comenta: As pessoas ficam admiradas com Jesus, porque ele ensina como quem tem autoridade. De onde vem a autoridade de Jesus? Não é uma autoridade política, pois Jesus não ocupava nenhum cargo importante na sociedade, e não é uma autoridade religiosa institucional, já que Jesus não tinha nenhuma função importante no templo ou na sinagoga. Podemos afirmar que a sua autoridade vem de si próprio, pois ele é Deus, mas o povo não sabia disso. O povo percebe a autoridade de Jesus a partir da coerência entre a sua pregação e a sua vida, compromissada com os pobres, necessitados e oprimidos, numa constante e vitoriosa luta contra todo tipo de mal.

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