06 de Fevereiro de 2019, Quarta-feira: Jesus foi a Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga (vv. 1-2a).

Leitura: Hb 12,4-7.11-15

O autor anônimo de Hb prepara a comunidade desanimada para resistir às perseguições (cf. 10,32-34) e preservar “até ao sangue” do martírio (v. 4).

Vós ainda não resististes até ao sangue na vossa luta contra o pecado, e já esquecestes as palavras de encorajamento que vos foram dirigidas como a filhos: “Meu filho, não desprezes a educação do Senhor, não te desanimes quando ele te repreende; pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho”. É para a vossa educação que sofreis, e é como filhos que Deus vos trata. Pois qual é o filho a quem o pai não corrige? No momento mesmo, nenhuma correção parece alegrar, mas causa dor. Depois, porém, produz um fruto de paz e de justiça para aqueles que nela foram exercitados (vv. 4-7.11).

O autor acabou de explicar os sofrimentos como esforço esportivo para alcançar a meta (vv. 1-3). Agora aplica o modelo da educação paterna, severa e afetuosa, segundo os costumes dos antigos que valorizavam a disciplina, a “instrução pela correção” (cf. Jó 5,17; 33,19; Sl 94,12; Pr 13,1; 22,15; Eclo 1,27; 4,17; 23,2; 30,1-13).

A pedagogia moderna não concorda com métodos autoritários e castigos físicos, mas sabe também que não é suficiente amar os filhos, mas há de educá-los, não se deve mimá-los, mas demonstrar os limites com firmeza. É necessário também fazer os filhos descobrirem a si mesmos e desenvolverem seu próprio potencial (cf. a reciprocidade em Cl 3,20s: não só obediência, mas “encorajamento”).

O autor, porém, não tem a intenção de ensinar pedagogia, mas quer fazer uma comparação explicando o sentido do sofrimento: “No momento mesmo, nenhuma correção parece alegrar, mas causa dor. Depois, porém, produz um fruto de paz e de justiça” (v. 11; cf. Rm 8,17s).

Os sofrimentos que uma perseguição, uma doença ou uma miséria trazem não são necessariamente castigo de Deus pelos próprios pecados, mas pode ser a consequência do pecado e da violência de outrem (o próprio Jesus, servo sofredor, carregou os nossos pecados; cf. Is 53).

Ao contrario, os sofrimentos de que Hb fala, são sinais de que Deus está perto, não está longe e indiferente, mas é um Pai que nos ama e educa, como no deserto educava o povo submetendo-o a prova (Dt 8,1-5). Se respeitamos os nossos pais como educadores, devemos ser “mais submissos ao Pai dos espíritos, a fim de vivemos?” (vv. 8-10; omitidos pela liturgia de hoje)

A provação é aqui vista como uma correção que supõe e manifesta a paternidade de Deus, “pois o Senhor corrige a quem ama e castiga quem ama como filho” (v. 5 cita Pr 3,11-12). Assim as provações fazem sentido (sem provas nas escolas, quem irá aprender muita coisa?).

Portanto, “firmai as mãos cansadas e os joelhos enfraquecidos; acertai os passos dos vossos pés”, para que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado (vv. 12-13).

As expressões dos vv. 12-13 (citações de Is 35,3; Pr 4,26) trazem de volta a comparação com a corrida (cf. v. 1) introduzindo a próxima seção: caminhar com firmeza a Jerusalém celeste (cf. v 22).

Procurai a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor; cuidai para que ninguém abandone a graça de Deus. Que nenhuma raiz venenosa cresça no meio de vós, tumultuando e contaminando a comunidade (vv. 14-15).

A leitura termina com conselhos positivos e admoestação: “procurai a paz com todos” (também com os pagãos; cf. Sl 34,15; Ex 22,18,28; 120,7; Mt 5,9), “e a santificação, sem o qual ninguém verá Deus” (cf. Sl 11,17; 17; Mt 5,8; Jo 1,18; 14,9; 1 Jo 3,2; Ap 22,4).

A “raiz venenosa” é tomada de Dt 29,17 (“Que não haja ninguém entre vós cujo coração se afaste hoje do Senhor, nosso Deus, e servir aos deuses daquelas nações! Que entre vós não exista uma raiz que produza planta venenosa ou amarga”) para ilustrar que ninguém abandone a graça de Deus (como Esau em v. 16, exemplo negativo que vendeu seu direito de primogênito, cf. 11,20; Gn 25,33). Na parábola Mt 13,24-30.36-43, Jesus recomenda não arrancar o joio, para não prejudicar também o trigo. Em Mc 9,40, Jesus afirma: “Quem não é contra nós, é por nós.” Mas se o veneno da raiz (do joio) é demais e prejudica “tumultuando e contaminando”, há de reagir. Paulo excomungou num caso de incesto e advertiu a comunidade (1Cor 5; cf. o procedimento em Mt 18,15-20).

 

Evangelho: Mc 6,1-6

Esta narrativa, na qual Jesus enfrenta a inesperada reação negativa dos seus conterrâneos, parece estar em continuação com o assunto de 3,21.31-35 (os familiares procurando Jesus), passando por sobre os capítulos 4 e 5, nos quais ele manifesta algo do seu mistério escondido (poder sobre a morte e os espíritos pagãos).

Jesus foi a Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga (vv. 1-2a).

Desde seu batismo no Rio Jordão, Jesus ainda não passou em Nazaré, onde se criou (cf. 1,9.14). Desta vez vem com seus discípulos. “Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga”, conforme seu costume (cf. 1,21-29; 3,1-6; 6,2; Lc 4,14-30; Jo 6,59; At 9,19; 13,14-43 etc.), provavelmente no culto depois da leitura bíblica (Is 6,1s em Lc 4,16-21).

Muitos que o escutavam ficavam admirados e diziam: “De onde recebeu ele tudo isto? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos? (vv. 2b).

O povo conhece de ouvido sua “sabedoria”, suas curas (“grandes milagres”) talvez de vista, mas se nega a tirar as consequências. Numerosos ouvintes “ficavam admirados”, mas não chegam a ter fé.

Para o povo de Nazaré, o empecilho para a fé é a humildade da encarnação: Deus feito homem, situado num contexto social. A imagem que os conterrâneos têm do messias-profeta não é compatível com os antecedentes familiares e profissionais de Jesus. Nazaré é um lugarejo sem importância (cf. Jo 1,46), então, “de onde ele recebeu tudo isso?” (v. 2)? Vem de Deus (cf. Sb 8,1; Is 11,1-2; Eclo 3,96-10) ou do diabo, como já disseram os mestres da lei (“Belzebu” em 3,22; cf. Tg 3,15)?

Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?” E ficaram escandalizados por causa dele (v. 3).

“Este homem não é o carpinteiro, …? ”, certamente não estudou na faculdade de teologia ou direito em Jerusalém ou em outra universidade. Nada na Bíblia indica que Jesus estudou em outro lugar, na biblioteca famosa de Alexandria (Egito), ou viajou à misteriosa Índia como alguns queriam interpretar a lacuna na biografia de Jesus entre seus doze anos e a idade adulta (cf. Lc 2,42; 3,23). Os ensinamentos de Jesus têm fundo judaico, não outro.

Suas “mãos” são de operário, de artesão, agora realizam milagres de cura (v. 2d)? Ben Sirac comentou: “Aquele que está livre de atividades torna-se sábio. Como poderá torna-se sábio aquele que maneja o arado, … o carpinteiro… o construtor… o ferreiro, … o oleiro?“ (Eclo 38,24-39,11). O messias-rei, o “Filho de Deus” (1,1) sujando as mãos com o trabalho braçal? Mas foi assim que Jesus dignificou o trabalho, não como fardo para escravos (negação do ócio, “neg-ócio”), mas como atividade humana, colaboração na criação e edificação da sociedade. “Carpinteiro”, a palavra grega pode significar um operário com madeira ou com pedra ou metal; é possível pensar num construtor de casas.

“O filho de Maria e irmão de Tiago, José(t), de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?” (v. 3) A ausência da menção do pai é estranha, em se tratando de uma fórmula judaica. Não existia “nome de família”, o nome mais completo era a menção do pai ou do lugar (cf. 1,9.19; 2,14; 3,17-18; 10,35.46; 15,21.43.47; 16,1; Mt 13,55; 16,17; Lc 4,22; Jo 6,42), em caso de mulher. o nome do marido ou do filho (cf. Mt 20,20; 27,56; Lc 8,2s; Jo 19,25). Mas aqui bem como em 3,31-45; 10,29-30, Mc pode excluir o nome do pai ao pensar que o “Pai” de Jesus é Deus (8,38; 13,32; Abba em 14,36). Deus é também o Pai dos discípulos (11,25; cf. 10,29-30). O evangelho de Mc nunca menciona José como pai de Jesus (cf. Lc 4,22; Jo 6,42 e Mt 1-2; Lc 1-2). Tudo indica que José já estava morto, mas a expressão “filho de Maria” pode ser também uma alusão ao nascimento virginal de Jesus (cf. Mt 1,16.18-25; Lc 1,26-38).

Os nomes dos irmãos são patriarcais (cf. Gn 35,23). A expressão “irmãos e irmãs” de Jesus (cf. 3,31-35) é interpretada de maneira diferente: para os católicos são apenas parentes; para os protestantes são outros filhos de Maria. A Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB, p. 1882) anota: Na Bíblia, como ainda hoje no Oriente, a palavra irmãos pode designar tanto os filhos da mesma mãe, como parentes próximos (cf. Gn 13,8; 14,16; 29,15; Lv 10,4; 1Cr 23,22).

A própria Bíblia não decide a questão (não está escrito em nenhum trecho da Bíblia que Maria teve apenas um filho, nem está escrito que teve mais de um), mais é tradição da Igreja desde os primeiros séculos que Maria não teve outros filhos além de Jesus. A Igreja Católica considera como revelação divina não só a Bíblia, mas também a tradição da Igreja. O que reforça o dogma da Igreja Católica é a entrega da mãe no pé da cruz ao discípulo amado (Jo 19,26-27). Se existissem outros filhos de Maria, Jesus não precisava entregá-la aos cuidados de um discípulo.

Os conterrâneos “ficaram escandalizados”. Conforme a Bíblia, o “escândalo” não é um mau exemplo nem um fato revoltante, mas na língua grega, um obstáculo, uma armadilha, uma pedra de tropeço que faz cair (cf. Is 8,14-15; 28,16; Mt 11,6p; Rm 9,33; 1Pd 2,8).

Jesus lhes dizia: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. E ali não pôde fazer milagre algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. E admirou-se com a falta de fé deles. Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando (vv. 4-6).

A resposta de Jesus (cf. a confissão de Jr 11,18-12,6) lamenta a falta de estima que um profeta goza “em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (v. 4; cf. Jo 4,44). Esta rejeição de Jesus se repetirá em Jerusalém na condenação do tribunal supremo (sinédrio) e também na travessia da evangelização dos judeus para os pagãos (At 13,44-52; 18,5-6; cf. Lc 4,22-30 coloca o motivo da rejeição também na abertura da salvação aos pagãos). Os círculos de família, classe social e nação tendem a fechar-se. O amor de Deus, porém, não é individualista, classista, nacionalista, mas universal. É preciso abrir mão de privilégios e pré-conceitos produzidos nestes círculos. Jesus “se admirou com a falta de fé deles” (v. 5). É a última vez no evangelho de Mc que Jesus entrou numa sinagoga (depois em Jerusalém, entra só no templo, cf. 11,11 etc.).

Bento XVI sublinhou a dimensão do êxodo na fé: acreditar em Deus é sair de si (cf. Gn 12,1: “sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai”). Papa Francisco quer uma Igreja missionária que “sai” às ruas, às periferias.

Sejam judeus ou pagãos, sem fé tem pouco êxito (cf. At 17,32-39). Para realizar milagres, é mister a fé das pessoas, “e ali não podia fazer milagres algum. Apenas curou alguns doentes, impondo as mãos.” Ainda bem que Maria tinha demonstrado tanta fé exemplar, dizendo sim à encarnação (Lc 1,38). A fé é graça, dom de Deus, mas é também nossa tarefa, aprofundar, compreender, aceitar e viver esta fé.

O site da CNBB resume: Muitas vezes, nós nos apegamos apenas à realidade aparente e colocamos a nossa confiança apenas em critérios humanos para a compreensão dessa realidade. Confiamos principalmente nas nossas experiências pessoais e no que as ciências modernas nos ensinam. Tudo isso faz com que tenhamos uma visão míope da realidade, fato que tem como consequência o endurecimento do nosso coração e o fechamento ao transcendente, ao sobrenatural e, principalmente, às realidades espirituais e eternas. Quando nos fechamos ao próprio Deus, simplesmente nos tornamos incapazes de ver sua presença no nosso dia a dia e dificultamos a sua ação, que visa principalmente o nosso bem.

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