06 de junho de 2016 – 10ª semana 2ª feira

Leitura: 1Rs 17,1-6

Hoje iniciamos as leituras do ciclo sobre o profeta Elias. Na época dos reinos divididos, durante o reinado de Acab no reino do Norte (874-853 a.C.), ele aparece repentinamente. A redação deuteronomista, que escreveu os livros Js, Jz, 1-2Sm e 1-2Rs, fala dele como se fosse personagem conhecido, diferente de Moisés e Samuel, cujas biografias remontam à infância prodigiosa. A história de Elias é contada de 1Rs 17 a 2Rs 2 e lembrada em Eclo 48,1-11.

O capítulo 17 é preparação e começo da sua atividade. A Bíblia do Peregrino (p. 647) comenta: Preparação para a sua missão, porque aprende rapidamente o que é ser profeta solidário, sem comunidade de apoio, dependendo somente de Deus que o envia e conduz. O capítulo está cheio de milagres realizados nos domínios que os deuses estrangeiros arrogam para si.

A palavra deste profeta esvazia de trigo os campos (vv. 1-6) e enche de farinha a vasilha da viúva (vv. 7-16; leitura de amanhã); mortalmente perseguido, devolve a vida a um filho de uma viúva (vv. 17-24). A palavra do Senhor Javé, que Elias recebe em forma de ordem e comunica em forma de anúncio, move e unifica este capítulo.

O profeta Elias, tesbita de Tesbi de Galaad, disse a Acab: “Pela vida do Senhor, o Deus de Israel, a quem sirvo, não haverá nestes anos nem orvalho nem chuva, senão quando eu disser!” (v. 1).

A redundância “tesbita de Tesbi” é do texto grego, em hebraico é “tesbita dos habitantes” (de Galaad, região da Transjordânia).

Devia ter existido um documento sobre a história de Elias, que referia os antecedentes do profeta, mas a redação deuteronomista o toma no ponto em que este alcança seu relato: a seca serve para castigar a introdução do culto a Baal em Israel pela esposa do rei Acab, Jezabel, que era princesa de Sidônia na Fenícia (atual Líbano). Acab tornou-se infiel a Javé, Deus de Israel, porque ergueu um templo dedicado a Baal na nova capital Samaria, construída por seu pai Omri (16,24.31-33).

A ausência de chuva e de orvalho será menos uma punição pela impiedade de Israel (cf. a maldição em Lv 26,18-20) do que um sinal do Senhor Javé de que é ele, e não Baal (o deus canaanita da chuva e fertilidade), quem concede a chuva necessária à vegetação e à vida (cf. Sl 104 etc.). O cap. 18 destacará a impotência de Baal e o domínio do Senhor sobre os elementos. As profecias de Oséias reafirmam a mesma verdade (cf. Os 2 e 14). A seca durará três anos e meio (Lc 4,25; cf. 18,1s.45).

E a palavra do Senhor foi dirigida a Elias nestes termos: ”Parte daqui e toma a direção do oriente. Vai esconder-te junto à torrente de Carit, que está defronte ao Jordão. Lá beberás da torrente. E eu ordenei aos corvos que te dêem alimento”. Elias partiu e fez como o Senhor lhe tinha ordenado, e foi morar junto à torrente de Carit, que está defronte ao Jordão. Os corvos traziam-lhe pão e carne, tanto de manhã como de tarde, e ele bebia da torrente (vv. 2-6).

A Bíblia do Peregrino (p. 647) comenta: Desde o começo, deve-se notar o predomínio do tema da comida: os corvos trazem de comer aos profetas (v. 6); ele fornece alimento à viúva (vv. 7-16); Abdias sustenta os profetas do Senhor, Jezabel os de Baal (18,4.13.19); o rei procura sustento para os animais (18,5), Elias se preocupa para que o rei coma (18,41), o mesmo fará Jezabel (21,5-7) e será o próprio Deus quem concederá alimento a Elias no deserto (19,5).

Conforme o texto grego havia “pão de manhã, carne à tarde” (lembrando o maná no deserto em Ex 16,8.12; a peregrinação de Elias em 1Rs 19 se refere também ao monte Horeb=Sinai). Certos comentários lêem “árabes” (moradores da região) no lugar de “corvos”, mediante ligeira modificação das vogais (cf. outros textos em que estrangeiros vem em socorro do povo de Deus: Gn 42-47; Rt 1,1; 1Sm 27,1; 1Rs 17,8s).

 

Evangelho: Mt 5,1-12a

Nos próximos meses ouviremos o evangelho de Mateus, hoje o início de um sermão famoso que abrange três capítulos (Mt 5-7) e nos será apresentado até 5ª feira da 12ª semana do Tempo Comum. Em Mt, Jesus expôs o espírito novo do reino de Deus (4,17) num discurso inaugural (o primeiro de cinco neste Ev), chamado de” sermão da montanha”.

Em Lc, o mesmo discurso é menor e acontece ”na planície” (Lc 6,17.20-49). Como se pode concluir a partir das diferenças e semelhanças dos evangelhos de Mt e Lc (por ex. na infância e nas aparições de Jesus), estes evangelistas escreveram independentemente um do outro, mas copiaram grande parte do evangelho mais velho, de Mc. Mas em Mc não temos este discurso. A teoria das duas fontes diz que Mt e Lc usaram ainda outra fonte escrita (além de Mc) que se perdeu na história. Os peritos da Bíblia a reconstruíram e a chamam de ”Q” (da palavra alemã Quelle = fonte): uma coleção catequética de palavras (não de ações, mas de parábolas e outros ensinamentos) de Jesus (e algumas de João Batista). Outra teoria propõe que um redator (Deutero-Mc) poderia reeditado Mc com algumas mudanças e acréscimos (com material de Q), porque chama atenção o fato de que o sermão foi inserido, por Mt e Lc (independentemente um do outro), praticamente no mesmo lugar da narração de Mc: quando informa de onde se juntou a grande multidão que seguia Jesus: de todo Israel e até regiões vizinhos, “vinda da Galileia, da Judeia… até Sidônia” (Mc 3,7-10: Lc 6,17-19; Mt 4,23-25).

Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los (v. 1).

“Começou a ensiná-los” (vv. 1-2; lit. “abriu a boca” (cf. Is 53,7; Ez 3,27; Sl 78,2). Jesus não se retira da multidão (cf. 14,23p) e nem se senta para descansar. A introdução própria de Mt quer lembrar os seus leitores judeu-cristãos da sua autoridade tradicional: Moisés no monte Sinai (cf. Ex 19-34). Semelhante aos dez mandamento para os judeus, o sermão da montanha é como uma constituição para o povo de Deus com Jesus promulgando a nova lei (atualizando-a com sua ova interpretação). Os rabinos (mestres judaicos) costumam sentar ao ensinar (daí a palavra “catedral”, é o lugar onde está a cátedra=cadeira=sede do bispo). Todo discurso é dirigido não só aos discípulos, como pode parecer no início, mas ao povo todo, como consta o final do sermão (7,28).

O começo desta nova (interpretação da) Lei não são mandamentos, como na antiga Lei o decálogo (10 mandamentos) no Sinai (cf. Ex 20), mas felicitações: as “bem-aventuranças”. Em Mt, Jesus usa a terceira pessoa (“os”, só em v. 11 muda para “vós”), em Lc a segunda (“vós”). Enquanto Mt apresenta oito (ou nove, com v. 11) bem-aventuranças como caminho de vida ética e espiritual (Mt 5,3: pobres “no espírito”) com promessas de recompensa celeste, Lc só conhece quatro bem-aventuranças (Lc 6,20-23) preservando mais a versão original e social, a mudança de situações entre esta e a futura (cf. 16,25). Esta opinião de que a versão de Lc é mais perto das palavras originais de Jesus se baseia na observação de que é mais provável um evangelista (Mt) acrescentar algo às palavras de Jesus do que diminuir ou tirá-las (cf. os quatro ais em Lc 6,24-26 devem ser um acréscimo de Lc). Isso não quer dizer que o sermão em Mt seja menos inspirado do que aquele de Lc, porque um acréscimo pode explicar melhor ou evitar mal-entendidos que podem surgir com a mudança de época e plateia (cf. as duas versões da oração do Pai-Nosso em Mt 6,9-13 e Lc 11,2-4).

”Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra (vv. 3-6).

Em Lc, a situação dos “pobres” (economicamente, cf. Dt 15,1-11; Is 29,10; Sl 72,4.13; 74,21; 1 Sm 2,8 e Lc 1,52-53), que são também os “famintos” (Sl 58,7; Sl 107,9; Jl 2,26) e os “aflitos” que choram (Is 25,8; 30,19; Sl 56,9; 126,5-60), é relacionada à posse do reino. Mt destaca mais a ética e espiritualiza, retrata as atitudes do próprio Jesus nestas bem-aventuranças indicando um caminho para qualquer discípulo que queira seguir.

O AT (Antigo Testamento) expressava felicitações como essas falando de piedade, de sabedoria e de prosperidade (Sl 1,1-2; 33,12; 127,5-6; Pr 3,3; Eclo 31,8; etc.). No espírito dos profetas, Jesus lembra que também os pobres participam das suas bênçãos: as três primeiras bem-aventuranças (Mt 5,3-5; Lc 6,20-21) declaram que pessoas comumente tidas como infelizes e amaldiçoadas são felizes, estão aptas para receber a benção do reino. As bem-aventuranças seguintes se referem mais diretamente a atitude moral do homem. Outras bem aventuranças de Jesus se encontram em Mt 11,6; 13,16; 16,17; 24,46; Lc 11,27-28 (cf. Lc 1,45; Ap 1,3; 14,13; etc.)

Jesus retoma a palavra “pobre” com o sentido moral que já se percebe em Sofonias (cf. Sf 2,3), explicitado em Mt 5,3 pela expressão “em espírito”, que não ocorre em Lc 6,20. Despojados e oprimidos, os “pobres” que são os “humildes” estão disponíveis para o reino dos céus (cf. Lc 4,18; 7,22; Mt 11,5; Lc 14,13; Tg 2,5). A “pobreza” sugere a mesma idéia que a “infância espiritual”, necessária para entrar no reino (Mt 18,1; Mc  9,33s, cf. Lc 9,46; Mt 19,13; 11,25), o ministério revelado aos “pequeninos” (cf. Lc 12,32; 1Cor 1,26s). Aos “pobres”, corresponde ainda os “humildes” (Lc 1,48.52; 14,11; 18,14; Mt 23,12; 18,4), os últimos em oposição aos primeiros (Mc 9,35), os pequenos em oposição aos grandes (Lc 9,48; cf. Mt 19,30p; 20,26p; Lc 17,10). Embora a expressão de Mt 5,3 enfatize o espírito da pobreza tanto no rico como no pobre, o que Jesus quer salientar é uma pobreza efetiva particularmente para seus discípulos (Mt 6,19s;  cf. Lc 12,33s; Mt 6,25p; 4,18s, cf. At 2,44s; 4,32s). Ele mesmo dá o exemplo de pobreza (Lc 2,7; Mt 8,10p) e de humildade (Mt 11,29; 20,28p; Mt 21,5; Jo 13,12s; cf. 2Cor 8,9; Fl 2,7s) identificando-se com os pequeninos e com os infelizes (Mt 25,45, cf. 18,5p).

Os “aflitos” comovem a Deus (cf. Ex 3,17; Is 48,10; 61,1-3) e “serão consolados” (v. 4; cf. Is 40,1; 2Cor 1,3-7; em Lc 6,21 “haverão de rir”).

Próprio de Mt é a “herança” da terra aos “mansos”, aos injustamente despossuídos (v. 5; cf. Sl 37,11). Alguns anos antes da redação do evangelho (por volta de 80 d.C.), a Guerra Judaica, os seja, a luta violenta contra os romanos para conseguir a independência de Israel, acabou em derrota (destruição de Jerusalém e do templo em 70). Esse fato reforçou a posição pacífica de cristãos contra o movimento nacionalista dos judeus (sicários e zelotas; cf. o conselho de Gamaliel em At 5,34-39).

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (v. 6).

Mt não só fala dos famintos, mas dos que têm “fome e sede de justiça” (v. 6). Como metáfora, fome e sede podem ter como objetivo o próprio Deus (Sl 42,2; 63,2: cf. Jo 6), aqui é a justiça que corresponde ao reino de Deus (cf. 5,20; 6,1.25.31.33).

Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (v. 7).

A “misericórdia” (v. 7) é um atributo principal de Deus (cf. Ex 34,6) e é aconselhada também ao ser humano, inclusive como bem-aventurança em Sl 41,2. O passivo tem Deus como agente (cf. 6,12; 18,23-35; Pr 14,31; 19,17).

Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus (v. 8).

Os “puros de coração” (v. 8) são sinceros com Deus e com os homens (cf. Sl 24,4; Pr 12,11). Esta pureza interior se opõe à pureza meramente externa e ritualista (23,25-28). Ver Deus é desejo e esperança suprema (Sl 11,7; 17,15; 63,3; cf. 1Cor 13,12; 1Jo 3,2; Ap 22,4) que nem Moisés alcançou (Ex 33,20; Jo 1,14; cf. Nm 12,8).

Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (v. 9).

A “paz” e não a violência (cf. 5,38-48; 26,52) faz parte essencial das profecias sobre o messias (cf. Is 2,2-5; 9,5; 11,1-9; 42,1-4). Como o messias (“Cristo”) é “Filho de Deus” com o Espírito de paz (pomba em 3,16), seus discípulos (“cristãos”, At 11,26) também “serão chamados filhos de Deus”.

Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus (vv. 10-12a).

Aos “perseguidos por causa da justiça” (v. 9), por serem justos ou vítimas inocentes (cf. Sb 2), pertence o reino como em v. 3.

Em v. 11, Mt passa para a segunda pessoa (“vós”), acrescentando uma ampliação à oitava bem-aventurança. A chave está na mudança da causa, agora “sois vós”, perseguidos “por causa de mim”, Jesus Cristo (vv. 11-12). Mas “alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois foi assim que perseguiram os profetas que vieram antes de vós” (a segunda parte do v. 12 (“pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de vós”) é omitida pela leitura de hoje, talvez por querer um final positivo ou um final atualizado: antes de nós não vieram os profetas do AT, mas 2000 anos de história da Igreja). Os discípulos de Jesus são sucessores dos profetas. No AT, os profetas foram perseguidos por cumprirem sua missão (11,47; 2Cr 36,16), desde Elias (1Rs 19) até a figura exemplar de Jeremias, “o profeta queimado”, passando por Amós (Am 7). A perseguição por causa de Jesus e seu evangelho é uma constante da Igreja desde a época dos Atos dos Apóstolos e tem lugar importante no Apocalipse (cf. 10,23; 23,34; 1Pd 4,4.12-19).

No estado laico de hoje, os cristãos não são perseguidos, mas às vezes discriminados quando querem se manifestar publicamente (alega-se que religião seja coisa apenas privada) ou por defender a ética frente à corrupção da maioria. Mas ainda existe perseguição de cristãos em alguns países (islâmicos, comunistas).

O site da CNBB comenta: A partir de hoje, a Igreja nos propõe a leitura continuada do Evangelho de São Mateus nos dias de semana do Tempo Comum, omitindo o seu início porque é apresentado no ciclo litúrgico do Natal e o seu final, que nos é proposto para a reflexão no ciclo da Páscoa, de modo que iniciamos com o sermão da montanha (capítulos 5, 6 e 7). O sermão da montanha nos mostra a moral da Nova Aliança e começa com as bem-aventuranças, apresentadas no Evangelho de hoje, e que nos mostram as motivações e as virtudes que nos são necessárias para que assumamos os valores do Reino de Deus e possamos viver de forma madura o que nos é proposto por Jesus.

Voltar